Gaion alerta que uma ideia genial, mas mal inscrita, pode passar batida

 

Em 2011 o Brasil teve seu segundo melhor desempenho em Media Lions no Festival Internacional de Criatividade de Cannes, perdendo apenas para 2009, quando levou para casa seis Leões e a Lew’LaraTBWA ganhou o primeiro e único ouro da história do país na área, em ação para a Nissan. No ano passado, foram conquistados quatro Leões, o mesmo número de 2010: dois de prata (JWT para Coca-Cola e Talent para Semp Toshiba) e dois de bronze (F/Nazca S&S para Nike e Babel para Asics). Representante do país na área, Gustavo Gaion, vice-presidente de mídia da Y&R, reconhece a dificuldade em entrar na disputa com países tradicionais na área, como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, mas garante que o Brasil chega à edição de 2012 pronto para a briga. O profissional, que vê no modelo diferenciado de atuação de mídia brasileiro uma vantagem competitiva, acredita que o resultado de um trabalho pode ser tão ou mais importante do que a criatividade cultuada pelo festival.

Brasil
“O Brasil sempre teve uma performance de destaque em Cannes, tendo conquistado o título de Agência do Ano várias vezes e recebendo diversos outros prêmios. Há algum tempo, tornou-se mais difícil competir com os demais mercados, pois há uma carência de grandes cases criativos no país. O Brasil não tem a representatividade que tinha nas décadas de 1980 e 90 e acho que um dos motivos para isso tenha sido a mudança do formato do festival, que antigamente era estritamente de publicidade e, hoje, transformou-se em um evento da indústria da comunicação, que privilegia a criatividade. Essa mudança para uma visão mais ampla faz com que ele se torne muito mais relevante na vida de todos e não só na dos profissionais envolvidos, o que é ótimo. Em relação aos trabalhos, temos muito mais peças inscritas e é muito mais difícil ganhar um prêmio do que há alguns anos, mas temos bons profissionais e estamos trabalhando para chegar lá. O festival mudou de cara e talvez o Brasil não tenha se adaptado a isso, mas, mesmo assim, ainda é um país muito respeitado e muito aguardado pelo mundo todo.”

Vantagens x desvantagens
“Há uma questão muito importante e específica da área de mídia, que é ao mesmo tempo uma vantagem e uma desvantagem. O Brasil é o único país do mundo a adotar uma estrutura de atendimento de mídia incorporada a todos os serviços da agência. Isso supostamente cria uma vantagem competitiva do ponto de vista criativo, pois não só a criação como também as demais áreas da agência têm mais facilidade para acessar e trocar informações, diferente do que acontece em outros países, com cada área trabalhando isoladamente. Porém, sob o mesmo aspecto, a desvantagem, que talvez seja um fator político, é que somos o único país representante de um formato completamente diferente, visto com estranheza pelos demais países, que logo pensam: ‘Ah, o Brasil é uma ilha, tem um formato diferente de todos’, como se fôssemos ETs. Podemos certamente aguardar um movimento, principalmente dos países da ala anglo-saxã, de questionamento em relação ao Brasil, mas devemos encarar isso como um desafio adicional da área. Por exemplo, eles nos cobram qual a influência específica e direta do profissional de mídia em um trabalho, mas isso é uma grande bobagem, pois, hoje, as grandes ideias não têm mais um único dono, ela é criada por meio de contribuições provenientes de diferentes pessoas. Por esse motivo, o Brasil já foi premiado com o mesmo case em várias categorias diferentes, inclusive mídia. O nosso modelo, que já foi considerado retrógrado, hoje é de vanguarda, já que o resto do mundo vem passando por um processo de retroação para o formato full service. Analisando tudo isso, acredito que a vantagem supera uma eventual desvantagem.”

Critérios analisados
“Ao analisar os trabalhos, temos que obedecer, em partes aos critérios do festival, em partes à interpretação que o júri pretende seguir e em partes à avaliação de cada jurado. Eu acredito que tanto o festival quanto o júri estão focados na questão da criatividade e da capacidade de gerar resultado, afinal, não basta ter uma ideia original e bem executada, mas que não foi capaz de gerar repercussão. Supostamente, como disse, temos uma vantagem criativa e, apesar de a expectativa sempre ser maior em relação às grandes categorias, acredito que o Brasil pode ter uma contribuição melhor em mídia em 2012 em relação aos anos anteriores, principalmente porque tivemos um número maior de trabalhos inscritos e estamos bem representados.”

Qualidade nas inscrições
“Inscrever um case dá trabalho e leva tempo. Sempre que uma ideia é ancorada ou materializada em um formato ou personagem que tenha uma relevância muito específica para um país é mais difícil alcançar os demais, independentemente da categoria. Portanto, um fator preponderante é a qualidade de inscrição. São vinte e poucos jurados que analisam um número de trabalhos gigantesco. Se o case for muito denso, exageradamente superficial, pouco objetivo ou mal explicado, uma ideia genial pode facilmente passar batida. As peças precisam captar a atenção do jurado de cara.”

Destaques
“Acredito no potencial de países como Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha, que têm uma comunicação mais sólida e, historicamente, sempre tiveram um resultado acima da média. Às vezes surgem ideias brilhantes de outras partes do mundo, mas geralmente o resultado é nivelado pelo tamanho da indústria de determinado país. Creio que esse ano não será muito diferente dos anos anteriores.”

O mídia
O profissional de mídia tem desafios diários. Atualmente é muito mais difícil fazer o trabalho de mídia do que há cinco anos, porque a tecnologia criou incontáveis formas de se relacionar e conversar com o consumidor. No passado, o Brasil tinha quatro emissoras de TV aberta, dois ou três formatos de mídia externa e não possuía TV por assinatura nem celular, ou seja, trabalhava-se dentro de um cardápio de opções muito restrito. Hoje em dia as opções não têm fim, tudo muda a toda hora e temos que alcançar o consumidor em todos os lugares em que ele estiver. É preciso que o profissional de mídia entenda esse contexto para não só organizar o investimento nos diversos canais, mas também para que ele, com a pulverização do investimento, não permita que a mensagem passe despercebida. É preciso também pensar em uma forma de impactar o consumidor em diferentes mídias e momentos para que tudo aquilo que ele absorver seja entendido como uma coisa só. Além disso, não temos mais controle algum sobre o que as pessoas vão dizer e muito menos se vão falar bem ou mal sobre uma marca. Por isso, há uma cobrança para que o trabalho de mídia seja criativo em sua essência, inovador e tenha relevância ao consumidor. Além de tudo, o profissional tem o perfil de ser um grande negociador, estratégico e tecnológico, então a cobrança de conhecimento de business e tecnologia é muito maior do que em outras áreas de atuação.”

Importância da TV
“O brasileiro tem um vínculo cultural muito forte com a televisão e essa relação ainda durará muito tempo. Mesmo com a pulverização, a TV não tem menos representatividade e nem está perdendo espaço. Naturalmente, como o consumidor precisa também dar atenção a outras mídias, há uma perda de audiência do veículo, mas ele ainda tem um predomínio avassalador em relação a qualquer outra forma de comunicação. Ainda não é possível, no Brasil, construir uma marca ou divulgar um produto em larga escala sem a TV, principalmente para falar com a classe C. É improvável que se consiga encontrar um formato que não passe pela televisão e muito disso se deve à ótima qualidade da produção brasileira, reconhecida mundialmente. É brutal a diferença entre o número de pessoas expostas à TV e o número das expostas ao rádio ou ao jornal.”

Grupo de Mídia
“O Grupo de Mídia tem um trabalho interessante de orientação e troca de dicas com profissionais que já participaram de outros júris. Outro papel importante do grupo é de ressaltar a necessidade de uma inscrição bem feita e objetiva. Sem isso, uma grande ideia não consegue chegar a Cannes.”

Gustavo Gaion por Gustavo Gaion
“Sou Gustavo Gaion, mais conhecido como Gaion, vice-presidente de mídia da Y&R há um ano e acredito muito no potencial do Brasil como indústria de comunicação e, especificamente, como indústria de mídia, principalmente pela capacidade que o brasileiro tem de se comunicar. É um privilégio, uma grande responsabilidade e uma satisfação enorme ter a oportunidade de representar o país em um festival tão reconhecido. Espero poder contribuir de alguma forma para que tenhamos uma boa performance este ano.”