Rynaldo Gondim já criou para Havaianas. Como redator e depois diretor de criação da AlmapBBDO, tem diversas peças premiadas para a icônica marca de sandálias que a agência transformou num case de sucesso mundial. Mas ele não é um sujeito que gosta de ter os pés no chão. Aliás, evitem pisá-los. “Tenho pavor de que pisem no meu pé. Não no sentindo metafórico. No sentido físico mesmo. Eu, assim como o meu pai, tenho vontade de matar o sujeito que, mesmo que inadvertidamente, coloque seu sapato sobre o meu.”

Também prefere estar com os pés e todo o corpo no ar, literalmente: sempre quando pode está voando em seu pequeno RV 7, um avião monomotor feito para acrobacias. É o seu hobby. Assim como criar, ele adora voar.

Rynaldo é carioca. Veio para São Paulo em 2004, convidado por Washington Olivetto para trabalhar na W/Brasil. Quatro anos mais tarde, foi para a AlmapBBDO, onde permanece até hoje. Conquistou prêmios nos principais festivais de publicidade do Brasil e do mundo. Antes de se tornar publicitário, sonhava em seguir a carreira de jornalismo como seu pai, Carlos Gondim, um conhecido radialista carioca que se apaixonou por aviação quando voava com Carlos Lacerda, governador do extinto estado da Guanabara, para quem trabalhou.

O filho herdou a mesma paixão. “Meu pai costumava me dar de presente aviões de ferro em escala. De dois eu me lembro bem: um Mirage e um Búfalo da Força Aérea Brasileira. Mas como não tinha dinheiro para fazer um curso de piloto civil, minha única possibilidade de ser piloto era ingressando na FAB. Como não passei na prova da Epcar, foi um sonho que deixei pra trás.”

Não por muito tempo. Ainda estudante de jornalismo, foi trabalhar numa pequena agência de propaganda para custear os estudos. Descobriu que sua verdadeira vocação era ser criativo e em pouco tempo foi convidado para trabalhar na Giovanni FCB. Em 2003, quando estava na NBS, surgiu a oportunidade de reviver o sonho de pilotar. “Havíamos lançado a Oi, operadora de celular da Telemar. O presidente era Luiz Eduardo Falco, engenheiro aeronáutico formado pelo ITA e um piloto de mão cheia. Falco decidiu patrocinar uma esquadrilha formada por três aviões NA T6 – meu sonho de consumo. A Esquadrilha Oi fazia acrobacias em ala e escrevia o nome da companhia no céu com suas bombas de fumaça. Não demorou e consegui fazer um voo na esquadrilha, que era liderada pelo mais brasileiro dos argentinos: comandante Carlos Edo, meu amigo até hoje, meu ídolo e padrinho na aviação. Depois de um voo inesquecível sobre o Rio, com direito a acrobacia na praia de Ipanema e pouso e decolagem em ala no Santos Dumont, eu desci do avião em Jacarepaguá com a promessa de que começaria um curso de piloto na semana seguinte. Cumpri. Meses depois já era piloto desportivo e, um ano depois, piloto de recreio.”

Logo, comprou seu primeiro aparelho, um ultraleve avançado italiano  P96S Golf.  Voou todo o litoral brasileiro e começou a escrever um livro narrando as aventuras que vivia.

Em 2004, começou um curso de piloto privado no Aeroclube do Brasil, no Rio de Janeiro, mas o concluiu no Aeroclube de São Paulo, no Campo de Marte, quando mudou para a capital paulista para trabalhar na W/Brasil. Em seguida, vendeu o Golf e comprou um avião Corisco Turbo, construído pela Embraer sob licença da Piper. “Voei muitos anos com esse avião, até que decidi vender para comprar uma casa em São Paulo. Isso mesmo: eu tinha avião, mas vivia de aluguel. A maioria deve chamar isso de insanidade ou idiotice, eu prefiro chamar de paixão.”

Nos quatro anos seguintes, conseguiu tirar a licença de piloto comercial IFR, que o autoriza a voar por instrumento e até mesmo a se candidatar a uma vaga de piloto em uma companhia aérea, “como a Gol, que é atendida por nós, aqui na Almap. Aliás, convidado pela empresa, há alguns anos fui a Seattle buscar um novo Boeing 737-800 adquirido pela companhia para operar no Brasil. Foi demais.”

A mulher, a também publicitária Cacá Franklin, que trabalha na NBS, foi quem o incentivou a comprar o terceiro avião. “Toda vez que ia fazer uma obra em casa, comprar um móvel novo ou fazer qualquer extravagância, ela me lembrava que tinha um objetivo maior.” Ele tentou adquirir um Bonanza V35B, “avião clássico, sonho de qualquer piloto. Mas o negócio acabou não se concretizando e voltei à estaca zero. Passei então a cogitar comprar um Cirrus ou um Beech F33A. Só que esses aviões não são baratos. Cheguei pra minha mulher então e disse: vou comprar um avião convencional de acrobacia. Vai ser um avião para mim. Daqui a alguns anos troco por um avião maior para nossa família. A Cacá me deu força e aqui estou eu com um RV 7 da Vans Aircraft, montado pela Flyer”.

Seu modelo é conhecido como avião convencional. Apesar da designação, não é um modelo muito comum. “Aviões convencionais são aqueles que têm uma rodinha na cauda. E na frente apenas duas rodas, em vez das três que costumamos ver na maioria dos aviões nos aeroportos.

A vantagem é menor arrasto, maior velocidade aerodinâmica e a possibilidade de pousar de duas maneiras: pouso três pontos, no qual as três rodas tocam no chão ao mesmo tempo, e pouso de pista, no qual o toque é feito apenas com o trem principal, deixando a cauda levantada.

Mas a maior vantagem do avião convencional são as desvantagens, garante Rynaldo. Decolar e pousar esse modelo são sempre um desafio para quem gosta de adrenalina no sangue: ele oferece pouca visibilidade e possui o centro de gravidade atrás do trem principal, o que exige do piloto muito mais atenção e habilidade para domar a máquina. “O RV 7 tem até bomba de fumaça. E agora estou aprendendo e aperfeiçoando as manobras acrobáticas, que era a última coisa que eu queria aprender na aviação. Pelo menos, por enquanto. Daqui a pouco, descubro outras coisas.”

 

Prazer caro

Para se tornar acrobata aéreo, Rynaldo tem tido aulas com o piloto Antonio Carvalho, que também possui um RV 7. Ele é comandante de linha aérea, campeão brasileiro de acrobacia e juiz em diversas competições. “É um cara que respeito e sou muito grato pela ajuda que ele está me dando.” 

Rynaldo voa cerca de 10 horas por mês, normalmente nos fins de semana. “Mas eventualmente acordo às quatro da manhã, dirijo até o aeroclube (fica na cidade Americana, a pouco mais de 100 km da capital paulista), fico uma hora fazendo a inspeção de segurança para voar 20 minutos antes de voltar dirigindo pra Almap. Um trampo danado. Mas vale muito a pena. Lembra a época em que eu morava no subúrbio do Rio e acordava de madrugada para surfar no Recreio, tomar banho no Salvamar e seguir direto pra Giovanni, que ficava em Botafogo. Mas voar é ainda melhor do que surfar. Eventualmente, vou dedicar uns dias durante as férias para fazer uns voos mais longos, viver mais aventuras e terminar meu livro.”

É um prazer caro. Mesmo os modelos mais simples de aviões, como um bimotor Cessna 310, custam cerca de R$ 200 mil. Sem contar a manutenção dos motores, que consomem muito óleo especial e 120 litros de gasolina de aviação por hora.

O RV 7 custa mais caro, em torno de R$ 450 mil, mas é econômico: seu motor de 180 HP consome cerca de 34 litros por hora a mais de 300 km/h. Existem as opções mais em conta, como os ultraleves, que consomem 22 litros por hora a velocidade de cruzeiro de 220 km/h. “Você ainda pode optar por um trike – que os leigos chamam de asas-delta motorizadas – por um girocóptero ou até mesmo por uma asa-delta ou um planador,  que não gastam nada de combustível. A escolha de um avião depende da missão e do seu bolso. Mas o importante é estar voando.”

Rynaldo lamenta a falta de apoio à atividade hoje em dia no Brasil. “Quando comecei, os aeroclubes viviam cheios. Infelizmente, hoje não é mais assim. Com o litro da gasolina custando R$ 6,20 não está fácil tirar os pés do chão. Os aeroclubes estão às moscas. Tem aeroclube com cerca de 100 anos de atividade fechando. Como o Aeroclube do Brasil, que tem entre seus fundadores o próprio Santos Dumont. Eu acho trágico.”