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Estou arrumando meu escritório. Numa pasta esquecida, encontrei a cópia de um email do Millôr Fernandes a respeito de um artigo que escrevi aqui no PROPMARK sobre a morte do meu cachorro. Evidentemente eu falava dessa relação entre gente e cachorro que só quem vive com intensidade sabe como é. Neste email, Millôr quis, com imensa generosidade, me oferecer um consolo. Só para contextualizar um pouco, um ministro do governo Collor tinha acabado de afirmar, tentando justificar o uso de um carro oficial para levar sua cachorra ao médico, que “um cão é um ser humano como outro qualquer”.

Millôr escreveu: “Magri andou perto, mas não tinha razão total quando afirmou que o cão é um ser humano como outro qualquer. Na afetividade e na lealdade, o cão é muito mais do que qualquer ser humano. Igor, poodle de minha filha Paula, consequentemente meu, é uma paixão feita de ternura densa e permanente. Sem querer nada em troca, a não ser carinho, conversa e mais do que tudo, presença. Seus olhos dizem sempre: ‘Por favor, não me deixa. Nem um minuto. Não sei viver sem você’. Logo depois que ganhamos o poodle, olhando para ele um dia e, sabendo que cada ano da minha vida corresponde a aproximadamente sete da dele, veio-me incontida angústia: ‘Céus! Se eu tiver mais dez anos, esse cão, essa graça, será mais velho do que eu’.

Ulrich Klever, zoólogo especializado e apaixonado por cães, e Monika Klever, extraordinária fotógrafa, fizeram um belo livro, ao mesmo tempo científico e amoroso, sobre 60 das espécies mais populares de cães: The Complete Book of Dog Care (Barron’s, 178 págs., U$ 12,95).

Traduzo, concordando plenamente: ‘As dez coisas que um cão quer de sua gente’. Gente, vejam bem, não somos os donos. Somos deles, como eles são nossos:
1 – Minha vida deve durar entre dez e 15 anos. Qualquer separação de vocês será muito dolorosa para mim.

2 – Dê-me algum tempo para entender o que você quer de mim.

3 – Tenha confiança em mim, é fundamental para o meu bem-estar.

4 – Não fique zangado comigo por muito tempo. E não me prenda em nenhum lugar como punição. Você tem seu trabalho, seus amigos, suas diversões. Eu só tenho você.

5 – Fale comigo de vez em quando. Mesmo que eu não entenda as suas palavras, compreendo muito bem a sua voz e sinto o que você está me dizendo.

6 – Esteja certo de que, seja como for que você me trate, isso ficará gravado em mim pra sempre.
7 – Antes de me bater, lembre sempre que eu tenho dentes que poderiam feri-lo seriamente, dentes que eu nunca vou usar contra você.

8 – Antes de me censurar por estar sendo vadio, preguiçoso ou teimoso, pergunte se não há alguma coisa me incomodando. Talvez não esteja me alimentando bem. Pode ser que eu esteja resfriado. Ou é apenas o meu coração que está ficando velho e cansado.

9 – Cuide bem de mim quando eu ficar velho; você também vai ficar.

10 – Não se afaste de mim em meus momentos difíceis ou dolorosos. Nunca diga: ‘Prefiro não ver’ ou ‘Faz quando eu não estiver presente’. Tudo é mais fácil pra mim com você ao lado.

Comentários sobre os itens um e cinco:
1 – Sempre atento a que cada hora tua corresponde a sete do poodle, não esqueça que, quando você sai de casa, vai a um cinema e depois vai jantar levando sete horas nesse afastamento, para o teu solitário amigo se passaram dois dias. Bom, ainda bem que pro meu Igor existe a encantadora Natasha, que fica enchendo ele o tempo todo e, por isso, apelidei de Nachata.

5 – Deve-se falar sempre com o cão, conversar com ele o tempo todo, zombar dele, enfim, fazer com ele tudo que uma pessoa de sensibilidade e de bom humor faz normalmente com as pessoas que ama. Ele entende muito mais do que qualquer Jader Barbalho desses que dirigem nosso destino. O poodle praticamente não se interessa por outros cães. Gosta de gente e de ser o centro das atenções. O escritor austríaco Peter Scheitlen escreveu sobre ele, há um século: ‘É o cão mais perfeito. Tem personalidade, originalidade, jovialidade. E toda alma’.”

Feliz Natal!

Lula Vieira é sócio da Mesa Consultoria