Os dois amigos se encontram e com a seriedade que o momento e as circunstâncias exigem – estavam num bar – filosofam sobre a vida. Diz um deles: eu tenho uma notícia boa e outra muito má para você. O outro responde: comece pela boa. E ouve: do jeito que as coisas vão, nós brasileiros pobres vamos ter de comer merda. Faz-se silêncio, enquanto o primeiro medita. Até que, finalmente, reage: se essa é a boa, qual a ruim? E ouve: tô sabendo que vai faltar merda. No começo da minha carreira tive a honra de trabalhar com o velho Magalhães Pinto, político importante e dono do Banco Nacional, pequena casa bancária do interior que ele transformou em dos maiores conglomerados do país, até que… Bem, até que, cala-te boca que não é esse o motivo destas mal traçadas linhas. O que quero é falar que convivi com o velho Magalhães como diretor de criação da agência que o atendia, e nesse tempo ele me ensinou mais do que eu fui capaz de aprender. Nunca o vi jogar palavras fora. Tivesse eu mais idade, mais juízo e hoje mais memória, escreveria um livro só com seus ensinamentos.
Nestes tempos que vivemos, tenho vontade de que o espírito de Magalhães Pinto apareça para nossos governantes e lhes explique como funcionam as coisas. Diria ele: “Cuidado, meu filho. A opinião pública é um cheque sem fundos”. Ainda falando da sabedoria do doutor Magalhães. Quando o banco trocou todos os carros da diretoria e ele se recusou a fazê-lo, preferindo continuar com seu velho Opala quatro portas, foi questionado por alguém sobre a razão de não querer usar um modelo mais bonito, poderoso e impressionante. O velho sorriu e respondeu: “É que eu não tive pai rico”. Não quero exagerar, mas Magalhães Pinto falava por parábolas de profundo significado, sempre encerrando uma lição. Visões de uma vida regida por valores éticos, práticos e, na maioria das vezes, sábios. Uma vez recebeu um amigo da família, fazendeiro, a quem o banco havia emprestado muito dinheiro, que chorava a má sorte de uma safra ruim, crises familiares, conjunturas desfavoráveis e outras razões para não honrar a dívida bastante grande, aumentada pelos juros cobrados. Ao fim de um choro, o tal amigo pediu a Magalhães uma ajuda em nome da relação entre as respectivas famílias. O banqueiro quis saber o que, afinal, ele queria. “Bem, eu tenho o dinheiro para pagar a dívida. Mas quero que você não cobre os juros, uma parte menor do total…”. Magalhães respondeu: “Vou fazer diferente. Não pague o principal do empréstimo. Pague apenas os juros. Isso eu posso e devo fazer em nome da amizade que uniu nossas famílias. Mas dos juros não admito abrir mão. Juro é sagrado”.
O que isso significa? Vou usar uma frase que me marcou no filme No Tempo das Diligências. Uma velha índia disse: “Se você não entende, não vai adiantar eu explicar”. Em outra ocasião, eu estava viajando com o presidente do Citibank, meu cliente, e quis saber como uma pessoa com tanto poder convivia com os rapapés e ouropéis de seu cargo, sem se deslumbrar. Ele respondeu: “Procuro levar a sério o que eu mesmo digo para minhas filhas: a gente tem de saber o que realmente tem importância”. Voltando ao dr. Magalhães. Ele tinha um pequeno quarto na sede de seu banco no Rio de Janeiro, onde numa poltrona tirava uma sonequinha depois do almoço. Achava que dormir era fundamental para se ter calma e enfrentar com tranquilidade as porradas que a vida nos dá.
Hoje descobri que Trump e Bolsonaro dormem pouquíssimo. Não sei se isso encerra alguma lição. Mas parece que os médicos apontaram que a falta de sono pode prejudicar o raciocínio das pessoas, tornando-as mais nervosas e com tendências a destemperos. É algo a se pensar. A exceção que conheço a essa teoria sou eu mesmo, que durmo bastante e nem por isso sou exemplo de tranquilidade e ponderação. De qualquer forma, uma coisa é verdade e não admite exceções. Enquanto se dorme não se tuíta. E isso, em alguns casos, pode ser uma tremenda vantagem.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)