Pedro Reiss, CEO da Wunderman Thompson, acredita que a função das agências não mudou nesse período de isolamento social: somente o ambiente em que ela acontece. Outro ponto reforçado pelo executivo é que, diante dessa nova realidade, a profissão também está voltando a dar o devido valor à criatividade e à construção de marca, algo que será muito valioso no futuro. “O que faz diferença é a criatividade, a estratégia,
a capacidade de conectar com as pessoas. Acho que nossa indústria vai sofrer, mas vai se recuperar. Será um ‘back to the basics’ com modernidade”, diz. A seguir, Reiss também fala sobre humanização das relações, a importância da transparência com clientes e colaboradores, algumas perspectivas para os próximos meses, novos negócios e possíveis modelos de trabalho.

Pedro Reiss: “estratégia não mudou, mudou o ambiente em que a gente opera”

Como foi a mudança para o formato home office e como está o dia a dia da agência?
Conseguimos colocar a Wunderman Thompson em home office rapidamente e, nesse sentido, o que mais me surpreendeu positivamente foi nossa capacidade de adaptação. Conseguimos direcionar toda nossa energia para que o trabalho em home office acontecesse. Ao meu ver, se a gente conseguir replicar essa energia para todas as transformações dentro da agência – sem ter de passar por todo o sofrimento desse momento -, será incrível. O isolamento social teve também um lado positivo que diz respeito à humanização, as pessoas passaram a ter sua vida pessoal e de trabalho um pouco mais misturadas. Era meio esquisita essa cisão que existia antes, mas entendo que dependendo da situação essa mistura pode ser muito pesada. O desafio é encontrar o equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal, entendendo que ele será diferente para cada um e mudará ao longo do tempo.

Qual sua expectativa para o trabalho pós-pandemia? Alguma mudança veio para ficar de vez?
Não sei se vamos saber dizer com clareza o que é o pós-pandemia ou o novo normal. Cada vez mais teremos de compreender que a realidade é o que ela é hoje, o que será amanhã, um dia de cada vez. Isso é o que a gente aprendeu com a pandemia: as coisas podem mudar rapidamente. Daqui para frente acho que estaremos mais preparados para lidar com essas mudanças. Tudo indica que não vamos ter um dia marcado para o fim da pandemia. Acho que o legal é a gente focar nas coisas boas e nos apegar a elas. Nesse sentido, a nova produtividade encontrada, a simplicidade das relações entre as pessoas, relações interpessoais mais cuidadosas… isso veio para ficar. E com certeza o home office do jeito que é hoje será substituído por algum “novo equilíbrio” entre um trabalho mais flexível no escritório, em casa ou em qualquer lugar, para ter uma forma de trabalho com mais mobilidade. A pontualidade, a produtividade, o foco no que interessa e menos perda de tempo com o que não interessa são coisas para se manter. E isso é ótimo.

Qual a perspectiva para o segundo semestre?
A expectativa é que até antes do segundo semestre a gente comece a se reencontrar com os nossos objetivos para o ano. Tivemos um primeiro impacto muito forte em março, estávamos tentando entender o que estava acontecendo, mas em abril e com certeza em maio a gente começa a replanejar e enquadrar os planos para a nova realidade.

Os eventos que foram adiados devem ser realizados?
Eu não acredito que grandes eventos, com aglomerações, serão retomados no segundo semestre. Acho que essa é uma mudança que vai demorar muito mais para se readequar. Grandes eventos virtuais, como foi o show do Travis Scott no Fortnite, e as lives, por exemplo, me levam a crer que novas oportunidades aparecem em tempos de crise e já estão aparecendo.

Como vê a profissão hoje? Que reflexão faz a respeito do que é ser publicitário brasileiro nesse momento?
A publicidade está se concentrando no que é essencial. Acho que estávamos carecendo disso, então eu enxergo com bons olhos que a publicidade esteja se focando em mensagens mais verdadeiras e relevantes, e em formas de se comunicar que conectem de verdade com os consumidores. Tanto na vida pessoal quanto na profissional e em todos os setores do consumo, as pessoas nesse momento estão se voltando para aquilo que consideram essencial e a publicidade está fazendo isso também. O que faz diferença é a criatividade, a estratégia, a capacidade de conectar com as pessoas. Acho que nossa indústria vai sofrer, mas vai recuperar. Será um ‘back to the basics’ com modernidade que vai fazer muito bem e garantir que nossa profissão seja longínqua. Vamos voltar a dar o devido valor à criatividade, à construção de marca e entender qual o verdadeiro valor da propaganda.

Em relação à profissão, ao dia a dia “normal” das agências, do que você mais sente falta?
Sem dúvida nenhuma o contato com as pessoas – apesar de a gente estar mais em contato do que antes -, faz falta. O olho no olho, o sentir a energia da agência, sentir a temperatura das salas, estar com os clientes… Estou sentido falta desse contato. Não acho que a gente está menos em contato entre as pessoas, mas o calor e a temperatura dos momentos e dos contatos sem dúvida nenhuma é o que faz falta.

Como avalia o tom que as marcas têm usado para continuar conversando com seus consumidores?
No primeiro momento o impacto do coronavírus deixou tudo meio igual, a mensagem foi homogênea, todas as marcas queriam assumir um lugar de responsabilidade e acabaram se comunicando com pouca diferenciação. Agora cada marca vai encontrar uma forma de ser relevante na vida dos seus consumidores e públicos. Isso perpassa pela necessidade de entender o que é importante nesse momento e o que faz sentido para os envolvidos considerando o que a gente está vivendo.

A agência tem participado de concorrências? E do desenvolvimento de novos negócios?
Não temos participado de concorrências no Brasil. A última foi pré-coronavírus e a gente já vinha reduzindo muito a nossa participação em novas por entender que devemos focar energias em nossos clientes. Iremos participar de concorrências quando a gente entender que são negócios que nos interessam muito, que o formato nos pareça justo e as chances pareçam boas. Estamos superenvolvidos no desenvolvimento de novos negócios com nossos clientes, alguns desses até em formato de pequenas concorrências. Hoje o foco é grande nos clientes da casa, sempre atentos às oportunidades, mas com muito cuidado para garantir que nossa energia vá para o lugar certo.

Houve saída de clientes e/ou demissões? Que medidas estão sendo tomadas para evitar isso?
Não tivemos saída de clientes e nem demissões por conta da pandemia. Para evitar que isso aconteça estamos focados em nossos clientes. Estamos conversando francamente para combinar com muita clareza o que é o trabalho, o que é o escopo, quais são as oportunidades e qual é o investimento de ambas as partes. Rediscutindo como será o trabalho esse ano, redefinindo contratos (uns aumentam outros diminuem). É possível que o time diminua no futuro, mas em virtude de novos acordos com os clientes e não como estratégia preventiva de proteção do resultado financeiro.

Como líder, que mensagem você quer passar para o time da agência? O que a equipe deve guardar desse momento em relação às lideranças?
A principal mensagem é que nossa estratégia não mudou, mudou o ambiente em que a gente opera. Continuamos tendo de ser a melhor agência para nossos clientes e nossas pessoas.

Há perspectiva de data para sair do home office?
Vamos trabalhar sempre com 30 dias de antecedência e por enquanto não temos nenhuma perspectiva de voltar. O nosso negócio não depende de atendimento ao público então certamente a gente não precisa ser dos primeiros a voltar, não precisamos aumentar a densidade na rua e colocar o nosso pessoal em risco. Acho que a agência vai voltar mais tarde em relação a outros negócios. E não será voltar simplesmente, não vai ter um dia que vai acabar o home office. Talvez a gente volte com modelos mais flexíveis, com mais mobilidade para que o escritório cumpra, sim, um papel de encontros, de reuniões. Para algumas pessoas o escritório segue como local de trabalho, para algumas outras talvez não, ou não sempre. Então eu não acho que exista esse dia de sair do home-office, acho que existe o dia de poder voltar a frequentar o espaço físico da agência. Esse dia a gente ainda não tem perspectiva de quando será.