Em um jogo de futebol realizado em São Paulo, um gesto de um jogador seria simples e esperado, se não vivêssemos no Brasil um momento beirando o caos, com a criminalidade aumentando, a população trabalhadora sofrendo, os empresários idem em sua grande maioria, e parte considerável dos governantes sendo relacionada em delações premiadas.

Nossa carência de justiça social, aliada a revelações de toda sorte de grandes falcatruas com o dinheiro público, enquanto o povo vive as consequências da falta de recursos, nos hospitais e prontos-socorros do governo, além de muitas outras necessidades não atendidas, vem produzindo uma irritação geral e ao mesmo tempo – e por mais incrível que isso possa parecer – um grau de apatia jamais visto em nosso país.

Eis que em meio a essa balburdia, Rodrigo Caio, atleta do São Paulo, corrige o árbitro do jogo do seu time contra o Corinthians, em um lance pelo qual erroneamente o adversário toma cartão amarelo, informando ao profissional do apito que fora ele e não o adversário que contundira o goleiro são-paulino.

Todos se surpreendem, a TV repete o lance, a disputa da bola foi rápida e em curto espaço de terreno, mas a imagem confirma a honestidade esportiva e profissional de Rodrigo Caio.

Ao contrário de aplausos gerais pelo pequeno grande gesto, Rodrigo Caio sofreu críticas, não só de parte da torcida do seu time, como principalmente e mais lamentável, de alguns companheiros do São Paulo e até de dirigentes. A seu crédito, além do comportamento elogiável, o recuo do árbitro anulando o cartão amarelo dado por engano ao atleta corintiano.

 No dia seguinte, jornalistas de diversas plataformas da mídia continuaram aplaudindo Rodrigo Caio e muito provavelmente ele tenha estranhado e até achado um exagero esse reconhecimento, pois, na sua carreira profissional e na vida particular, o seu compromisso com a verdade deve ser rotina.

A questão que surge nada mais é do que um reflexo do estado ao qual chegamos, do péssimo exemplo que importantes representantes dos poderes constituídos têm dado nos últimos tempos, aos 200 milhões de brasileiros que cumprem diariamente com as suas obrigações, vendo e tomando conhecimento pela mídia, que uma minoria em que se depositava tanta confiança, além de votos, tem nos fraudado diuturnamente e desde há muito, levando o país ao caos e a uma crise de confiança que provavelmente desde abril de 1500 não ocorreu com tamanha intensidade.

Sabemos que o gesto de Rodrigo Caio pouco representará para esses farsantes, alguns dos quais inclusive o reprovarão, por representar para eles o “mau” exemplo…

Com certeza, porém, para a maioria do povo brasileiro que tomou conhecimento do gesto instantâneo de Rodrigo Caio, tratou-se de algo a desejar, uma atitude pública enfim de esperança em que nem tudo está perdido e atitudes como essa irão se repetir amiúde no Brasil novo que pode nascer a partir deste período delituoso da nossa história oficial.

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A propaganda não deve torcer apenas para que a crise econômica acabe de vez, voltando aos tempos regulares pré-Dilma, quando os que estavam no poder continuavam praticando erros grosseiros de desonestidade no trato da coisa pública, mas sabiam de certa forma dourar a pílula, que já dava mostras de fadiga do material.

Evidente que o que se pretende é apenas voltar a um país que ficou lá atrás, onde as falcatruas e os crimes de lesa-pátria não eram tão corriqueiros a ponto de ocupar diariamente, como agora se vê, espaços sem fim das diversas plataformas da mídia nacional.

Sabe-se que esse retorno não será fácil, mas necessita e com muita urgência ser restaurado, sob pena de jamais nos reerguemos.

Há sinais na economia de lenta porém desejável recuperação. O que ainda não se vê, é o arrependimento explícito de pessoas que lideraram os vários processos de corrupção no país e que, tentando possivelmente restaurá-los, investem na sua volta ao poder.

E a propaganda deverá assumir o seu importante papel nesse retorno, como já ocorreu em diversas outras fases da nossa história recente, digamos dos anos 1940 para cá. Para que ela contribua de forma imperiosa nesse processo, é necessário que anunciantes, agências e a mídia em geral voltem a abraçar as causas brasileiras, estimulando a multiplicação de serviços indispensáveis à população, como saúde e educação, passando pela segurança pública e para o cultivo e disseminação dos verdadeiros valores da sociedade brasileira, que não são aqueles que os nossos patriotas mais debochados insistem em nos rotular.

O Brasil é maior e mais importante do que alguns dos seus pejorativos apelidos, que acabam obtendo destaque na mídia e até na boca do próprio povo, por falta de melhor orientação de quem é responsável por isso.

É por essa fresta que pode entrar a boa propaganda, ganhando em Cannes, ou não, mas mostrando ao nosso povo que há nele valores muito bem cultivados, mas pouco divulgados. Levando-se em conta que o bom exemplo é o melhor dos ensinamentos, podemos começar ou até continuar por aí, pois essa tentativa já foi feita, mas em épocas de multiplicação dos enganadores, daqueles que fingiam tomar conta do nosso patrimônio cultural para depois assaltá-lo, garantidos por um descuido inaceitável da nossa parte.

Os países mudam constantemente no ranking de satisfação dos seus habitantes. Nele, estamos de há muito em déficit, mas nada nos obriga a mantermos esse quadro deplorável, se bem entendermos a importância das atitudes.

Nesse diapasão, repetirmos velhos erros será imperdoável.

 

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O Editorial desta edição é uma homenagem a Nizan Guanaes, que vem promovendo notório avanço na DM9DDB, mostrando uma vez mais a sua capacidade de falar e fazer.

Armando Ferrentini é presidente da Editora Referência, que publica o PROPMARK e as revistas Marketing e Propaganda