A organização que deu início ao inferno astral da mídia digital, a P&G, voltou a ser notícia nas últimas semanas. No começo deste ano a empresa, a maior anunciante do mundo, denunciou problemas sérios no digital, como a falta de critérios unificados de visibilidade, a ausência de padrões reconhecidos e auditoria por terceiros de pesquisas e mensuração de resultados, uma quantidade excessiva de fraudes e mais o problema da falta de garantia de que as suas mensagens não seriam publicadas em ambientes inadequados (como sites pornográficos e promotores do racismo e do terrorismo).

A essa denúncia, a empresa acrescentou as decisões de boicotar as alternativas mais duvidosas e mais inseguras, além de reduzir seus investimentos na mídia digital enquanto a situação não se alterasse de forma substancial.

Não demorou muito para que seu grande concorrente global, a Unilever, fizesse declaração na mesma linha, e outros importantes anunciantes mundiais seguissem essa postura e ação.

Na onda de rever seus investimentos em publicidade, a P&G e a Unilever anunciaram que iriam buscar um relevante ganho de eficiência, diminuindo o número de mensagens produzidas, a quantidade de agências empregadas e a racionalização na gestão e emprego da mídia em geral.

Mesmo o meio que elas indicaram que seria revalorizado, a televisão, seria submetido a um cuidadoso escrutínio de seu uso e não mais automaticamente o destino dos recursos economizados em outras plataformas e mídias.

No caso da P&G, a empresa divulgou que, no último trimestre, os cortes na mídia digital chegaram a US$ 140 milhões, mas essa redução não impediu uma performance de crescimento orgânico de suas vendas em cerca de 2% globalmente (desconsiderando as variações de câmbio e de desinvestimento em algumas linhas).

Esses resultados animam, evidentemente, a organização a seguir em seus planos de racionalizar os investimentos em publicidade no geral e no digital, em particular. Inclusive porque o duopólio que controla a mídia digital – Google e Facebook – tem feito muito pouco em termos concretos para modificar para valer os quatro problemas apontados no início desta coluna. Outras importantes empresas e instituições do setor digital têm se esforçado bem mais para resolver esses problemas, mas a imensa participação do duopólio (quase 80% da receita total) impede que a transformação ocorra, até agora, no ritmo e na amplitude necessária.

Só mesmo atitudes, ações e exemplos dos maiores anunciantes do mundo poderão acelerar essa mudança. A Unilever, que também reduziu os seus investimentos no digital no último trimestre, mas não relevou quanto, informou ter crescido orgânicos 3%. Outros concorrentes de áreas correlatas (K-C, C-P, RB e Johnson & Johnson) anunciaram redução de investimentos em mídia, mas não reportaram nem em quais isso ocorreu nem o efeito em evolução das vendas.

Isso nos lembra que todo o cuidado é pouco quando se pensa em diminuir as aplicações em mídia. Se a mídia é essencial no modelo de negócios das marcas (caso de TV, jornal, rádio, revista, OOH e até certas opções digitais), essa redução pode ser improdutiva ou até contraproducente.

Mas se a mídia está sendo utilizada sem a devida lógica e os necessários cuidados para uma mensuração precisa e efetiva de seus resultados, muito provavelmente a melhor decisão é realmente não utilizar essas alternativas ainda não dominadas com efetividade ou que não sejam capazes de comprovar seus efeitos reais e seu valor em termos de ROI para os anunciantes.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)