Premiado com três Grands Prix no Cannes Lions 2013, com o case “The beauty inside”, para Intel + Toshiba, PJ Pereira lançou nesta segunda-feira (25), em São Paulo, seu primeiro livro de ficção: “Deuses de dois mundos: o livro do silêncio”. Dividida em uma trilogia, a obra é inspirada na mitologia dos orixás africanos (leia mais aqui). Neste artigo, PJ conta os motivos que levaram um premiado e reconhecido diretor de criação a se dedicar à atividade de escritor, ressaltando a importância da pluralidade de atividades para manter o frescor diante da desgastante atividade publicitária.
Como (e por que) arrumei tempo para escrever um livro, e a necessidade das atividades paralelas para qualquer profissional de propaganda
por PJ Pereira*
Era sempre a mesma coisa: “como você encontra tempo para escrever um livro, ou pior, três, sendo dono de agência?” Para mim, a pergunta soava como questionar um jogador de futebol sobre o tempo dedicado à preparação física. “Isso é parte do meu trabalho” – eu dizia. Mas ninguém entendia. Então resolvi escrever, porque explico melhor quando digito. Cheguei então a essa lista de cinco razões para todo publicitário ter uma atividade extra, diferente da publicidade.
1- Com o seu talento, há vários. Com suas esquisitices, só você. Nós publicitários cuidamos das marcas dos outros, mas esquecemos da nossa. E aqui vai a dica: uma das melhores formas de ser lembrado, especialmente no início de carreira, é o que não consta no seu currículo profissional. Outro dia entrevistei um diretor de arte japonês. Portfolio lindo, mas lindo é algo que se diz de todos os portfolios de diretores de arte competentes, especialmente os japoneses. No fim da conversa, porém, perguntei ao sujeito o que mais ele fazia. “No tempo livre sou tatuador”, explicou, envergonhado, não sei se por ter tempo livre ou porque a atividade teoricamente não tinha nada a ver com propaganda. Tive que insistir para que ele me mostrasse as tatuagens que fazia. Meu queixo caiu. Acabei chamando toda a criação para ver. Juntou gente em torno do rapaz. E ele, que mal havia sido notado, virou celebridade no andar inteiro. Não contratei na hora porque não tinha vaga. Mas até hoje o pessoal pergunta quando virá o japonês das tatoos. A habilidade de fazer arte sem “undo” de um tatuador certamente impressionou meus diretores de criação e todo o resto do time. Mais que isso, no entanto, deu a ele uma identidade. Uma marca a ser lembrada, um apelido. Sem isso, ele seria só “o japonês”, mas japoneses com bom gosto há muitos. Agora ele é o famoso e venerado tatuador. Muito melhor, não? Lembro também de contratar um outro carinha que enquanto entrevistávamos os candidatos, apelidamos de Bruce Lee, porque ele, como eu, lutava kung-fu. O rapaz era bom, tanto que ganhou dezenas de prêmios depois que foi contratado. Mas antes disso, ele poderia ter virado apenas mais um, só que sua faixa preta lhe deu algo a ser lembrado. Teve outro que sabia tudo de carpetes, porque havia trabalhado anos como vendedor antes de tentar a propaganda, e manteve esse hábito esquisito de falar sobre o assunto. Novamente, uma qualidade exótica que o pôs para dentro da agência, e permitiu que ele ganhasse três Grand Prix em Cannes dois anos depois. Criatividade importa, claro. Capacidade de execução e craft, também. Mas no início de carreira, seus hábitos esquisitos, manias, passatempos, obsessões… são essas coisinhas que te diferenciam dos demais. E criam a sua marca pessoal.
2- Sua cabeça funciona melhor quando você para de pensar. Eu sempre mantive alguma atividade paralela. Há épocas em que estou escrevendo, pintando, praticando artes marciais, cozinhando… (uma de cada vez!) Todas elas têm um efeito equivalente no meu processo de trabalho: elas me destravam. Na nossa profissão, é frequente esbarrarmos num problema que nos deixa empacado como uma formiga numa trilha interrompida por uma folhinha. Como a formiga proverbial, ficamos dando um passo para trás e outro pra frente, sem sucesso, até que, como se para tomar impulso, uma hora damos cinco, 10 passos para trás… e a simples distância nos ajuda a perceber que é só desviar um pouquinho e voltamos todos à trilha original. Esse momento em que damos 10 passos para trás, comigo pelo menos, acontece quando eu paro de pensar no assunto que me prende. Quando vou para a academia lutar, sabendo que se pensar em assunto de trabalho perco um dente; quando sento para escrever e meu personagem não quer saber de resolver aquele briefing; ou quando pensar no job vai me fazer queimar aquele prato que estou preparando há horas. Mais frequente do que não, são essas pausas forçadas que me ajudam a enxergar o caminho ao redor das folhinhas malditas da nossa profissão.
3- Quando o bicho pega, seu hobby será seu oasis, seu spa. Não importa quão incrível seja a sua agência, seus clientes ou seus colegas de trabalho. Uma hora, fica tudo uma merda. Depois pode até voltar a ficar tudo bem, mas para ter tranquilidade necessária para trazer tudo de volta à paz você vai precisar de um tempo só seu, para fugir da pressão e reequilibrar sua cabeça e principalmente suas emoções. Ao longo dos anos, conheci muita gente brilhante que perdeu o rumo e até abandonou a propaganda porque não tinha essa válvula de escape. Em vez de deixar a tensão natural do trabalho ir embora, eles a acumularam a ponto de não conseguirem mais lidar com a frustração. Explodiram. Viraram jardineiros, foram fazer pão… algo sem chefe nem clientes. Bom para eles que com talento nessa indústria se pode fazer dinheiro suficiente para uma aposentadoria exótica e saudável. Mas é triste que essas pessoas não puderam ficar mais conosco, simplesmente por não terem tido a orientação correta no início de suas vidas profissionais.
4- Sua criatividade fica mais aguçada e ágil quando você não usa sempre o mesmo processo mental. Conforme você sobe na hierarquia, os problemas aumentam de forma exponencial. Isso exige que você desenvolva sua agilidade e equilíbrio mental. Suas habilidades de troca de canal e capacidade de pensar rápido sem se degradar emocionalmente podem definir a longevidade da sua carreira. Não sou cientista nem nunca li nenhum estudo a respeito, mas é muito claro no meu próprio processo mental como eu me sinto mais rápido quando estou escrevendo, ou mais calmo quando estou treinando sério. Minha impressão é que quando uso meu cérebro de formas diferentes, com processos distintos de pensar causados por problemas diferentes a resolver, a máquina mental inteira fica mais ativa, irrigada, lubrificada – ou seja lá o que se diz de um cérebro mais ágil. Outro fato interessante, e esse eu realmente li um estudo a respeito, é que forçar a cabeça a trocar de assunto com frequência é um dos grandes fatores criadores de estresse. Essa tensão, que é a essência do trabalho de um diretor de criação ou de qualquer executivo da propaganda com vários clientes para lidar, envelhece a mente: nos estraga, desgasta e, eventualmente, nos mata. Portanto, manter os músculos mentais mais preparados para essas trocas, mas nos seus próprios termos, com projetos que dão prazer e gosto, alongam sua carreira, e sua vida.
5- Inevitavelmente, você vai acabar usando isso também. No mundo de quem dedica a vida a fazer ideias acontecerem, todo estímulo, uma hora ou outra, acaba pintando no trabalho. Porque convenhamos: quando você cria, ou analisa consumidores, ou tenta entender um comportamento ou vender uma ideia, é a sua história pessoal que está sendo colocada na mesa. Minha experiência tomando porrada no tatame sempre me ajuda a falar de estratégias de uma maneira diferente de outras pessoas. Meu tempo dedicado a escrever ficção me ajudou a colocar no ar uma campanha de conteúdo que ganhou um Emmy. Minha mania obsessiva de observar formigas entrou no tópico número dois desse artigo. E não é só comigo. Tenho um amigo (baixinho, aliás) que joga basquete feito o diabo. Um dia pintou um e-mail para uma concorrência de NBA. Ganhou no primeiro round. Outro, que sempre brigou com a mãe, depois com a mulher, porque gostava de passar horas jogando videogame, um dia foi parar na conta de Xbox e arrebentou. Isso acontece. Não por sorte, mas porque todo mundo gosta de ter gente apaixonada ao redor. Suas paixões acabam atraindo oportunidades. Como tema do seu trabalho (como meu amigo gamer) ou como o formato que ele toma (como minha aventura no mundo da ficção). Quanto mais interessante for sua vida, mais interessante será seu trabalho.
*cofundador da Pereira & O’Dell