A essa altura já há um sentimento uníssono no mercado publicitário de que reflexos sociais e econômicos ocasionados pela Covid-19 estão criando um cenário de “novo normal” para a relação entre marcas e pessoas, que vão impactar em valores e hábitos renovados de consumo.

Em paralelo, há uma busca dos anunciantes e agências por ajustes na comunicação de curto prazo e pelo entendimento mais profundo sobre quais mudanças significativas vão impactar os negócios nas mais diversas indústrias daqui por diante.

Em meio a essas novas necessidades, o setor de planejamento tem assumido a liderança na condução dos projetos de comunicação e surge como fio condutor da reinvenção que as marcas estão adotando em suas estratégias e do desenho de como será o cenário pós-coronavírus.
“O momento é de restart, rever e reorganizar toda a estratégia de marca, tendo em vista que estamos vivendo um cenário sem precedentes. Temos de entender profundamente os nossos consumidores, o nosso papel na sociedade e o mundo à nossa volta para reescrever a história das marcas nesse novo mundo”, resume Renata Bokel, CSO da WMcCann. “A área de planejamento estratégico ganhou ainda mais relevância. Precisamos ajudar os nossos clientes a entender como as marcas podem ter um papel realmente significativo na vida das pessoas durante e depois dessa crise, porque nada será como antes”, avalia.

O setor liderado pela profissional tem assumido a função de alimentar regularmente seus clientes com análises feitas a partir das suas necessidades de negócios e com o ponto de vista dos seus consumidores. A rede McCann tem ajudado a antecipar algumas tendências em países onde a pandemia está mais avançada, como na China e Coreia do Sul. “Além disso, estamos em contato direto com a Itália e a Espanha para tentar entender cenários. E mantendo os clientes informados sobre seu mercado e desenhando uma nova rota, tendo em vista cada atividade econômica. Algumas indústrias vão ter uma ascensão maior durante a Covid-19, mas outras terão de aguardar essa ascensão no pós. Estamos calibrando essas estratégias. Agora, é hora de rever a atitude da marca e se adaptar ao novo normal”, avalia.

Renata Bokel, da WMcCann: “Agora, é hora de se adaptar ao novo normal”

Recomendações
O setor de planejamento tem sido acionado desde o começo da crise, como aponta Tullio Nicastro, vice-presidente de estratégia da Mutato. “Passamos por um primeiro momento em que trouxemos recomendações e colaboramos nas discussões sobre quais ajustes a comunicação que estava no ar deveria sofrer no momento em que a pandemia tomou conta do país. Na sequência, começamos a desenvolver estudos para entender a mudança de comportamento das pessoas e rapidamente entendemos que aquela era a hora de as marcas mostrarem qual é o seu real propósito e qual papel social elas poderiam desempenhar. Agora, já começamos a buscar entender o que está por vir, quais mudanças significativas essa crise vai trazer, que dinâmicas ela vai afetar e como as marcas vão ter de se reinventar para não perder relevância frente a seus consumidores”, resume ele.

Para Nicastro, a área de planejamento é a que mais vem ganhando relevância no geral e a crise vem para acelerar e tornar mais urgente este processo. “Hoje em dia, tudo muda muito rápido e é a área de planejamento, com as ferramentas certas, que consegue conectar a marca às necessidades e manifestações do seu público-alvo. É hora de usar o conhecimento gerado pelo setor e colocar, na prática, o consumidor no centro. Não cabe mais discurso bonito e vazio em forma de propaganda. Mudança de percepção se dá por meio de ações concretas. Vejo um movimento de consumo como ato político cada vez maior”, avalia.

Tullio Nicastro, da Mutato: “Começamos a buscar entender o que está por vir”

Ferramentas
Na Talent Marcel, o momento é de rever estratégias de atuação das marcas, tanto no curto, quanto no médio e longo prazo. A área de planejamento ganha relevância nesse cenário. Qualquer atuação de marca nesse momento sensível, seja uma resposta no SAC, um post ou um filme na TV, precisa ser cuidada e pensada para não gerar residual negativo”, diz Gabriela Soares, diretora-geral de planejamento da Talent Marcel.

“Estamos monitorando tudo que podemos, usando ferramentas de BI, de mídia, acompanhando os números dos clientes, nos aprofundando em relatórios de tendências de comportamento e aplicando tudo isso nos trabalhos que estão saindo. Esse conteúdo gera relatórios diários e compilados que são compartilhados com os clientes, usados nos racionais dos projetos e alimentam os times de marca no trabalho do dia a dia. Planejar a atuação das marcas cuidadosamente, com empatia e pertinência, é fundamental para que elas saiam mais fortes lá no final”, completa.

Ela prevê maior interesse por marcas que sejam úteis, tragam esperança. E que se ausentar nesse momento pode ter um preço. “Não há espaço para discursos agressivos de venda, nem para muita piada ou brincadeira, mas existem, sim, necessidades a serem preenchidas e produtos que podem atendê-las, no tom certo, na hora certa, para assim conseguirem sustentar seus negócios”, diz Gabriela.

Gabriela Soares, da Talent Marcel. “Estamos monitorando tudo”

Frentes
Para Marcio Stangalin, sócio e CSO da CL, o planejamento tem atuado mais fortemente em duas frentes. A primeira é no posicionamento da marca, como falar e o que fazer neste momento, e trabalhos como benchmarks, leitura de cenários, validação de hipóteses e curadoria de conteúdo. A segunda é no relacionamento, em saber como a marca está trabalhando com os seus clientes nos mais diversos canais. “As pessoas têm dúvidas, querem ajuda e precisam de atendimento. É onde nosso trabalho aparece, auxiliando-as a construir o tom de voz, quais informações são relevantes para os usuários, social listening e, especialmente, os dados. Precisamos trazer informações de forma conclusiva, usando as lentes certas na hora da leitura, sem viés, entendendo de fato a situação e conseguindo dimensionar o tamanho dos problemas e oportunidades”, afirma.

Marcio Stangalin, da CL: “As pessoas têm dúvidas, querem ajuda”

Na prática, diz, o trabalho do dia a dia tem sido muito mais próximo dos clientes. “Devemos auxiliá-los em decisões estratégicas em um cenário onde muita coisa perde a importância. O grande papel do profissional de planejamento, agora, é não deixar a marca se perder e fugir de seu propósito. Ideias aparecem de todos os lugares e existe um senso de urgência em realizar ações, ‘fazer alguma coisa’, e isso criar armadilhas que ficam a um passo do oportunismo. Nós, que guardamos a estratégia, temos de ajudar os clientes a entender o cenário e avaliar as melhores opções. Ter o bom senso muito apurado e a humildade de assumir que nestes momentos os movimentos são mais arriscados”, conta.

Já Alex Espinosa, sócio e head de estratégia, inovação e pesquisa da agência CBA B+G, concorda que a área de estratégia assume um papel-chave diante do “novo normal”, ajudando os clientes a entender quais as principais mudanças e, a partir delas, construir valor de uma forma sustentável, que não funcione somente no curto prazo. “É o momento ideal para exponenciar novas formas de colaboração, interação e cocriação, sendo mais ágeis e tomando vantagem da aceleração digital que está acontecendo. Hoje, a ciência e a arte devem dar as mãos para gerar transformações e soluções rápidas, que ajudem a reverter a demanda no curto prazo, mas que permitam criar pilares sustentáveis no médio e longo prazo”.

No caso da agência, já havia o uso de metodologias online para conhecimento do consumidor e execução de expertises de branding, pesquisa, inovação e design, mas agora isso foi rapidamente aperfeiçoado incluindo novas formas de análise. “Estamos utilizando nossa ferramenta de inteligência artificial para monitorar mais de 50 variáveis em todo o Brasil desde março, que nos indicam os novos valores, hábitos emergentes e necessidades da sociedade. Isso nos permite encontrar territórios de atuação que representam uma enorme oportunidade para nossos clientes com um norte muito mais embasado para seguir construindo seu valor”, encerra Espinosa.

Alex Espinosa, da CBA B+G: “É o momento ideal para novas formas de colaboração”