Podcast não é novidade no Brasil. Um dos cases de maior sucesso é o Nerdcast, do Jovem Nerd. Em 2020, porém, um formato diferente ganhou o grande público: o bate-papo ao vivo, sem edição.
A inspiração é antiga. Data de 2009 e nasceu com o comediante e apresentador Joe Rogan. Seu podcast The Joe Rogan Experience, recentemente vendido para o Spotify, pode ser considerado o pai dos programas brasileiros.
Aliás, por aqui, o mais representativo neste formato é o Flow, tocado por Bruno “Monark” Aiub e Igor “3K” Coelho.
Os dois defendem que o show “não é uma entrevista”, mas um bate-papo de boteco. Sem pauta, eles navegam por diferentes extremos. Se numa determinada semana entrevistam Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), na outra trocam ideia com Sâmia Bonfim (PSOL-SP).
Com quase 270 conversas, o Flow nasceu no fim de 2018 e contabiliza mais de 254 milhões de views. A atração vem conquistando marcas ao longo do tempo. Recentemente, a Amazon promoveu o Prime Video divulgando o lançamento de Um Príncipe em Nova York 2 no podcast. O merchan vem acompanhado das particularidades do formato. Um exemplo? Ao elogiar a plataforma, Igor Coelho foi sucinto: “O bagulho é foda”. A espontaneidade é também um dos segredos do sucesso.
Tocado por Igor “Igão” Cavalari e Thiago “Mitico” Marques, o Podpah é outro exemplo. O projeto nasceu em 2020 nos estúdios do Flow e ganhou vida própria. Segundo Igão, a inspiração em Joe Rogan é verdadeira, mas o objetivo era fazer algo com “o linguajar da quebrada”. “Que é de onde viemos”, completa Mitico.
“O ao vivo ajuda muito, fica aquilo de pode acontecer qualquer coisa. Um dia estávamos fazendo com o Predella, que é um rapper, ele trouxe um cara que tinha descolorido o cabelo dele e estava com o pó descolorante. Ele perguntou se queríamos descolorir e topamos. O ao vivo deixa essa sensação de pode acontecer qualquer coisa. Tinha o Nerdcast, mas faltava alguém para conversar com a quebrada”, diz Igão.
Recentemente, o programa contou com o Habib’s como patrocinador. A rede teve um incremento de 35 mil pessoas no programa de fidelidade pelo link que o Podpah deixou na descrição. “Um dia estávamos comendo Habib’s e comentamos: ‘Habib’s, olha pra gente’. E eles olharam”, diz Igão.
Segundo o apresentador, sua única exigência ao financeiro do podcast é: quando você for conversar com alguma marca, pedir para eles não pontuarem o que será falado. “Óbvio, por exemplo, com o Habib’s uma hora vamos falar deles, teremos a inserção, mas eles não vão dizer: ‘Não quero que vocês falem palavrão’. Vamos falar porque é uma conversa à vontade, queremos o convidado à vontade. É muito mais interessante o Habib’s entrar numa dessa do que engessar o conteúdo, do contrário não tem por que contratar o Podpah”, explica.
“A ação do Habib’s durante a live trouxe excelentes resultados para a rede. O perfil do ouvinte do Podpah é o nosso público-alvo e nada melhor do que estar junto deles nesse momento de restruturação da marca que estamos vivendo. Acabamos de lançar o nosso clube de fidelidade e já alcançamos mais de 35 mil cadastros só com essa parceria. Os ouvintes foram presenteados com 40 pontos no clube de fidelidade, que depois poderão ser trocados por produtos”, destaca Rafael Polachini, superintendente de marketing do Habib’s.
Já o Inteligência Ltda. é o caçula dos podcasts ao vivo que estão nos holofotes. O show é tocado pelo mais velho entre os apresentadores: Rogério Vilela, comediante e desenhista, de 41 anos. O profissional criou o programa em outubro de 2020 e já contabiliza mais de 260 mil inscritos.
Com mais de 20 anos dedicados à internet, Vilela foi um dos criadores do saudoso Mundo Canibal e aproveita sua network para trazer convidados de peso. Quando perguntado sobre a influência de Rogan, afirma que seu formato é bem diferente do dele. “Cenário, andamento, e tal. Muitos falam que o meu é mais próximo talvez por ser uma pessoa só. Normalmente são dois anfitriões. É um elogio que aceito de boa. Acho o cara uma referência, mas minha forma de conduzir é diferente”, explica.
Sua atuação em áreas diversas traz diferenças aos bate-papos. O comediante aposta numa abordagem mais pessoal nas conversas. Num dos últimos episódios, feito com o comediante Thiago Ventura, os dois choraram e a conversa terminou após cinco horas. “Depois de meia hora de papo você esquece do mundo lá fora. Todos os convidados acham que falou uma hora e quando vai ver foram cinco”, explica.
O Inteligência possui cenário diferente dos outros. “A galera foi muito no tradicional do podcast, cortina, mesa e microfone com braços. De cara, eu sabia que, para me destacar neste universo da podosfera, o cenário precisava ser diferente”, diz Vilela, que tentou criar algo onde tudo conversasse entre si. “Como sou formado em publicidade e sempre trabalhei em agência, nunca foi separado criar um produto da embalagem. Pra mim, como empacotar o negócio sempre foi muito presente, veio até antes da ideia do podcast. Quando comecei a pensar se ia ser filmado ou não eu já tinha uma ideia do nome e do logotipo. O cenário poluído, como se fosse uma nave espacial velha, um porão”, conta.
Sobre monetização, o Inteligência, assim como os outros, tem o adsense que vem do YouTube e é uma fatia grande da receita. “Temos patrocínios master e ações. Fizemos com uma marca de pizza e uma de livros. E já fechamos patrocínio master que deve entrar no meio do mês ou no outro. Ainda estamos na parte de contrato para fechar tudo. Mais para frente também pretendo fazer a lojinha, com produtos como camisetas e canecas”, revela.
No Podpah também há planos para uma loja de produtos, além do merchan e ações integradas. “Também podemos comercializar posts no Instagram. O podcast é um formato e vemos maneiras diferentes de fazê-lo. Fizemos um de 24 horas com patrocínio do Banco Pan, Habib’s e English University. Casamos a venda de stories, posts no feed, tanto no meu como no do Podpah. Tudo vira negócio”, avalia Igão.
O público participa das conversas pagando. No Flow, essa participação cresceu com a ajuda da Twitch. A cultura da plataforma de streaming normaliza que o usuário pague para aparecer, algo que está amadurecendo no YouTube. Além de financiarem a produção sendo integrantes e subs, é possível pagar para fazer uma pergunta ou para fazer propaganda dentro da atração. Os preços variam de podcast para podcast. No Flow, pequenos negócios costumam comprar a leitura de mensagens por R$ 1 mil, o que daria 10.000 flowcoins, moeda criada pelo próprio podcast para comercializar mensagens.
Recentemente, o IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau) e a Nielsen realizaram a segunda edição da pesquisa sobre o impacto da Covid-19 no mercado publicitário brasileiro. Entre os respondentes, 23% dos entrevistados de buy side esperam aumentar este ano os investimentos destinados para áudio digital e podcasts.
“A expectativa de aumento em estratégias com influenciadores e formatos como áudio e podcasts mostra que os anunciantes veem a importância do digital para a construção de uma marca, geração de conversas e uma conexão mais profunda com o seu consumidor”, avalia Cris Camargo, CEO do IAB Brasil.
A Kantar Ibope, em 2020, investigou os avanços deste setor no país e revelou que, enquanto em 2019 13% da população se declarava ouvinte de podcasts, um total de 21 milhões de brasileiros com 16 anos ou mais, esse percentual passa para 17% da população, ou 28 milhões de pessoas, em 2020.
Será que a pandemia acelerou este crescimento? Se sim, então qual será o futuro dos podcasts em formato ao vivo no Brasil? Para Vilela, eles devem perdurar.
“Não estamos no ápice ainda, mas numa curva ascendente. Assim como o stand up, que subiu e agora deu uma estabilizada. Depois que estabiliza, ele vai ter altos e baixos, mas há uma linha que se mantém no meio que nunca mais vai mudar muito. É a mesma coisa do Porta dos Fundos. Ele é forte como foi há cinco anos? Não. Mas ele está lá, existe este formato, a galera curte e tem um público fiel”, avalia.
“O podcast já é rentável há mais de 10 anos. Agora ele se tornou mainstream. Depois que as coisas voltarem ao normal, tende a continuar sim”, prevê Mitico, um dos apresentadores do Podpah.