Georgia Guerra Peixe/Divulgação

A poesia é um mar de inspiração, sempre a encontro, mergulho e ao regressar, volto de alma lavada. Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei.(…), de Manoel de Barros.

Na poesia, a inspiração comparece silenciosa, sem registro racional e muda o rumo da prosa, me colocando em movimento.

Vejo poesia nas palavras, rimadas, geométricas, rítmicas ou desconstruídas, como em amortemor, de Augusto de Campos, que no exercício da repetição da palavra inspira um mundo de interpretações.

Na inspiração, a relação com mudar a métrica, o espaço, o sentido, além da tradução disso tudo, ocupa outra dimensão.

Inspiro-me na poesia que vejo em imagens e nas imagens que vejo em poesias.

E os desenhos, pela destreza das mãos do artista, cada vez mais me inspiram. Principalmente, as imagens que me entregam personagens e comportamentos, livres as minhas interpretações. Em poucas linhas e com traço solto na ilustração de Cariybé, vejo atitude, negritude, força e feminilidade. Isso me desloca e me põe em contato com a leveza do simples estado do sentir através da imagem.

O mesmo me impactou quando caminhava por Salvador e observei cacos de azulejos (formando um mosaico) cravados em uma rocha em forma de pássaros. “De quem é esse trabalho?”. Foi ai que ouvi falar de Bel Borba, desenhista, artista gráfico, gravador, que faz interferências urbanas fluidas e minimalistas. Na busca de conhecê-lo, comprei o único livro que encontrei e, para minha surpresa, era um livro de poesia, em parceria com Claudius Portugal, um poeta, jornalista e contemporâneo de Bel. Em teu nome é uma peça de arte inspiradora e, mais uma vez, a partir de um olhar, encontro a poesia.

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Ainda na inspiração evocada pela Bahia, estive na Galeria Mezanino (SP) e conheci o trabalho de Nilda Neves, um escândalo de artista autodidata e intuitiva, que surpreende com sua obra e uma trajetória, que também mescla os papéis de contadora, manicure e professora de matemática.

Observar pessoas, encontrá-las e trocar experiências é também manifestação da poesia da vida, que inspira meu olhar. Todos os dias, olho diferente para as mesmas coisas. Faço o exercício constante de me sentir estrangeira no próprio universo. Na linguagem documental, cinematográfica, trata-se de ver através do momento (da cena) e extrair um conteúdo que esteja além da conversa. Na linguagem fotográfica (still) busco reler as situações. Daí vem a necessidade de ter sempre uma câmera em punho e com isso registrar momentos e mais momentos sempre de forma espontânea e “estrangeira de mim”.

No momento, me inspiram as nuvens, tema recente do Através.TV, um projeto autoral que concebi para acompanhar processos criativos de movimentos artísticos, incluindo os meus. Inspiração pela troca com outros, próximos ou distantes, conhecidos ou não, artistas de diferentes estilos é também onde vejo poesia. Outro dia, minha manhã começou com uma pitada de criatividade pelo jogo e palavras: NUVEM_SER, que chegou via whatsapp. Uma brincadeira inspiracional entre eu, a diretora de cena Juliana Borges, e o artista plástico Paulo Von Poser, que fez uma peça artística de uma nuvem para o projeto.

Sinto que se vivo estamos, inspirados somos, basta percebermos.

Georgia Guerra Peixe, mais conhecida como Joca, é diretora de cena  da BossaNovaFilms