Uma revista de bordo publicou uma reportagem sobre a vida dos comissários. E, entre outras coisas, mencionou uma espécie de doença que é possível surgir em quem trabalha na chamada tripulação de cabine.
Acho que se chama “Horror de passageiro” ou “Ódio de passageiro”, uma coisa assim. Os sintomas são claros: a pessoa que “pega” essa síndrome não pode mais ver um passageiro pela frente. Quer agredir, tem crises de choro, começa a tremer.
Terrível. Eu fico pensando se essa doença dá aos poucos, de maneira que você possa ir sendo preparado, ou acontece de repente, quando você menos espera. Imagino a comissária pegando o microfone e cumprimentando a todos com aquele jeito profissional e destrambelhando no meio do texto:
“O comandante Graça e sua tripulação dão as boas-vindas a bordo. Nosso tempo de voo está estimado em nove horas e quarenta minutos (longa pausa). Meu nome é comissária Maria e eu e nossa equipe estaremos à disposição para tornar este voo o mais agradável possível (outra pausa). Queiram agora apertar os cintos de segurança, colocar o encosto de suas poltronas na posição vertical e irem todos à puta que os pariu!” E desanda a chorar.
Depois que eu li a matéria fiquei pensando em outros casos semelhantes que eu vi acontecer.
Conheci um mídia que começou a ter problemas com o pessoal de veículo. Era só o cara dizer que tinha audiência qualificada, que atingia o formador de opinião, que ele começava a suar frio.
E rezava baixinho (era de formação religiosa) para não rasgar a tabela de preços da Rádio Catuaba do Sul (a líder da baixada do Viamão do Norte), do Berro de Sapopemba (o semanário mais ouvido na região) ou do Correio dos Surdos-Mudos (a voz dos que não têm voz) na frente de seu incauto representante.
Conheci um dono de restaurante que desenvolveu profunda ojeriza a freguês e um garçom que chorava de ódio cada vez que um frequentador simulava intimidade com ele. Um diretor de pessoal de uma empresa de ônibus me contou que já lidou com motoristas que um dia descobriram sentir profunda repulsa a todos passageiros.
Aliás, hoje é ladrilheiro, pois queria matar todo passageiro que encontrava.
Mas para que eu escrevi tudo isso?
Ah! Estou desenvolvendo o mesmo tipo de síndrome. Mas é contra flanelinha. Eu não posso ver um flanelinha que sinto incontrolável necessidade de esganar, torturar, atropelar. Preciso de socorro urgente. E está piorando.
Chego a andar quilômetros só para não ficar à mercê desses caras. É um exagero, eu sei. Mas é quase mais forte que eu. Mas tenho de confessar uma coisa. Durante algum tempo eu só tinha desejos homicidas contra flanelinhas.
Ultimamente a coisa está se alastrando. Sinto o mesmo com gente que fala “agregar valor”.
Falou “agregar valor” perto de mim eu fico com vontade de agregar um murro. Parceria é outra palavra que me irrita. Lembra-me sempre tomar no rabo, não sei por quê. Gente que fala meio português e meio inglês me dá vontade de to kill na hora. Estou ficando com medo. De mim mesmo.
Outro dia um cara me disse que estava estruturando o “eixo argumentativo” para um candidato seu cliente. Quase rosnei.
Também tenho vontade de estapear gente que fica escrevendo mensagens no celular dentro do cinema. Preciso de ajuda. Rápido.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor