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Aos 72 anos de idade, óculos escuros (tem uma problema de visão e precisa evitar luz direta nos olhos), o inglês Neil French, um dos mais famosos redatores da publicidade mundial, foi uma das atrações do segundo e último dia do ElDorado, festival de criatividade colombiana, que acontece em Bogotá.

French fez um rápido histórico de sua vida – ele foi expulso da escola aos 16, vendeu livros e trabalhou com a banda Judas Priest, antes de começar na publicidade. Depois de dezenas de prêmios e uma enorme fama por anúncios fortemente marcados por longos textos, ele deixou a Ogilvy, do grupo WPP, em 1998. Atualmente, atua como  uma espécie de consultor de ideias e redação.

Irreverente, polêmico e com postura crítica às regras e obviedades, French deixou aos participantes do ElDorado uma lição repetitiva de um mesmo verbo, semelhante ao clichê de que a publicidade tem três objetivos: vender, vender e vender.  Para French, porém, quem está nesse mercado de agências com a responsabilidade de agitar a mídia, precisa seguir o seguinte mantra: Rebele-se!, Rebele-se! e Rebele-se!

“Seja rebelde! Lembre-se que você é apenas um publicitário. Não é médico nem bombeiro nem enfermeiro. O que você faz não é tão importante”, pondera French.

O redator inglês defendeu o poder dos clientes – “Não há clientes ruins. Eles são o dono do dinheiro” – e disse ser impossível prever o futuro da publicidade. “O que dá para saber é que não haverá espaço para coisas chatas.”

Como exemplo de bom conteúdo publicitário, ele mostrou o curta-metragem “As pequenas coisas”, uma ação de branded content da cerveja espanhola Estrella Damm. No filme, o ator francês Jean Reno atua em um roteiro à la James Bond.

 

SEM ROCK STARS

Em contraponto à rebeldia proposta por Neil French, a brasileira Janaína Borges, presidente e diretora de conteúdo da Contagious Brasil, disse não haver mais espaço para o perfil “rock star” de profissionais de comunicação. Ela fez uma apresentação sobre a “guerra” entre agências e anunciantes. “Os rock stars não são motivadores e não empoderam suas equipes. É um perfil que revela profissionais inseguros e nesses tempos de mudança, eles ficam mais receosos. Se uma pessoa como essa tem espaço dentro da agência é porque a  cultura de trabalho da empresa permite isso”, diz Janaína.

No relacionamento entre agências e anunciantes, Janaína ressaltou que é importante esclarecer que é o cliente que tem o poder. “É preciso deixar de acreditar que parcerias existem. Não há parceira onde só uma parte domina. É o cliente que aprova tudo. Eles precisam admitir o poder”, diz.  Segundo ela, o atual panorama mostra uma “cultura de medo” na qual a agência é colocada sempre em uma posição de risco de perder a conta. Ela também mencionou importância de remuneração adequada aos serviços prestados pela agência e de trabalhos desenvolvidos em processos de colaboração, “o mais importante para as agências neste momento.” Entre bons exemplos de trabalhos desenvolvidos de forma colaborativa entre agências, outras empresas de comunicação e os próprios anunciantes, ela mencionou o case “Madden NFL”, uma série de jogos eletrônicos desenvolvida pela EA Sports em parceira  com Google, Heat e Grow; e “The next Rembrandt”, o mais premiado neste ano em festivais internacionais, desenvolvido pela J. Water Thompson, Microsoft e ING.

 

FELICIDADE

O ElDorado acontece em sua quinta edição e neste ano, o tema do festival  é “Amor e Paz” estrategicamente escolhido diante do histórico acordo de paz feito entre o governo colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O acordo foi votado em um plebiscito realizado no último dia 2 de outubro que teve um surpreendente resultado com a vitória do “não”.

Mas, independentemente do resultado e dos atuais trâmites para a votação de um novo acordo, o tema “Amor e Paz” não poderia deixar de ter, durante o festival, uma apresentação sobre “felicidade”.  Uma das boas atrações desta terça-feira também foi a apresentação do egípcio Mo Gawdat, diretor de negócios do X, braço de inovação do Google.

A partir do início do próximo ano, Gawdat vai entrar em um sabático de seis meses para se dedicar ao lançamento de seu livro “Solve for happy – engineering your path to uncovering the joy inside you” (em tradução bem livre algo como “Resolva para ser  feliz – fazendo a engenharia para descobrir a alegria que existe dentro de você”).  O lançamento está previsto para 12 de janeiro de 2017.

O título pode soar como mais um daqueles  recursos banais de autoajuda. Mas, tanto o background quanto a realidade de Gawdat colocam o livro em uma posição que pode merecer maior atenção.

Engenheiro e “apaixonado” por matemática, ele afirma que desde 2001 vem se dedicando a pesquisa e estudos sobre felicidade.  No livro, ele expõe seu algoritimo -ou equação – para o tal estado de satisfação.

Com um currículo que inclui passagens por grandes empresas e grandes marcas multinacionais, Gawdat fez fortuna muito cedo. Mansões, carros e outras “amenidades” de quem ganha muito dinheiro entraram rapidamente na lista de seu patrimônio.  Também casou e teve filhos ainda jovem. “Mesmo com tudo isso, estava infeliz e deprimido. Sentia-me um miserável”, ele conta, justificando o início dos estudos sobre felicidade há 15 anos.

O estado de tristeza e depressão o levou a iniciar os estudos para encontrar um “modelo de software para que o cérebro possa rodar e te deixar feliz”.  Gawdat conta que, particularmente, até os 18 anos de idade nada o desanimava e que ele era “sempre feliz”. “Mas, o meu sistema de felicidade parou de funcionar e ele não é como uma máquina com chances de consertar.”

O executivo do Google diz que os estudos e pesquisas feitos a partir de 2001 o levaram  a um nova conquista de felicidade. “Em 2009, eu já me sentia o homem mais feliz do mundo. Ficava feliz até mesmo na longa espera dos procedimentos de segurança, nos aeroportos, já que meu nome conta com um Mohamed Ali”, ele brinca.

Bem longe das brincadeiras, ele enfrentou uma difícil realidade que, por outro lado, pôde comprovar a lógica do “algoritmo” de felicidade que ele havia criado. Em 2014, ele perdeu o filho de 21 anos repentinamente diagnosticado com apendicite e que teria sido vítima de uma série de erros médicos.

“Eu tinha uma proximidade e intimidade muito fortes com meu filho. Éramos muito amigos, tínhamos uma relação de pai e filho e também de irmãos porque quando ele nasceu e cresceu comigo eu ainda era relativamente jovem. Mesmo com todas as dificuldades de perder um filho, eu não fiquei triste. As pessoas mais próximas, meus amigos, me diziam que eu estava louco por não demonstrar tristeza diante de tamanha tragédia”, conta o egípcio.

Para entender o algoritmo da felicidade criado por Gawdat é preciso acompanhar o seguinte raciocínio proposto por ele: Em primeiro lugar,  todas as pessoas nascem felizes – é um estado padrão, que vai sendo alterado no decorrer da existência diante de valores, situações, pressões sociais e circunstâncias culturais e emocionais.  “Instalamos aplicativos no nosso cérebro que vão transformando o modo default que nascemos”, diz.

Segundo Gawdat, a felicidade é igual à ausência de infelicidade.  A felicidade, ainda de acordo com ele, se manifesta quando os fatos e acontecimentos da vida ocorrem de acordo com as nossas expectativas. A felicidade portanto é maior ou menor de acordo com o que vai ao encontro das expectativas de cada pessoa.

Junto às expectativas de cada evento, entra ainda o pensamento. “É o pensamento que faz você infeliz e não o evento propriamente dito.  Pensamentos sobre o medo do futuro e sobre eventos do passado que não estiveram de acordo com nossas expectativas nos deixam infelizes. A maioria das pessoas tem mais pensamentos negativos do que positivos para alimentar o nosso sistema de proteção e sobrevivência”, explica.

De acordo com ele, as pessoas também mantêm o que é chamado de “momentos suspensos” dos pensamentos negativos (sofrimento) e positivos (felicidade). “É quando você sai para dançar, beber ou quando faz sexo””, exemplifica.

PRÊMIOS

O ElDorado 2016 termina daqui a pouco, com a cerimónia de premiação das peças publicitárias inscritas no festival. Concorrem apenas trabalhos produzidos e veiculados na Colômbia, que foram avaliados por um júri presidido pelo argentino Pablo Del Campo, ex-Saatchi & Saatchi (atualmente sem agência em período de non-compete).  Além de Del Campo, o júri contou com outros seis integrantes: a brasileira Fernando Romano (Malagueta), Nick Law  (R/GA), Jaime Rosado (J. Walter Thompson/Porto Rico), Luca Panesse (Saatchi & Saatchi Nova York), Laura Visco (72andsunny/Holanda) e Alvaro Becker (Prolam Y&R/Chile) .