Handel criou o hit Aleluia numa aparente abundância de louvores ao altíssimo para pagar dívidas de jogo. Michelangelo precisou vencer uma concorrência do Vaticano para “ganhar o pitch” da capela Sistina.

Para isso impressionou os emissários papais que foram testemunha ocular de sua habilidade. Num só golpe do lápis, num papel estendido sob a mesa, desenhou um círculo perfeito. Deu a figura geométrica aos emissários e disse: mande para os seus matemáticos.

Ele queria que os matemáticos atestassem a perfeição geométrica de seu traço, já que a capela deveria ser pintada com o artista pendurado em andaimes. Ganhou o job.

Vale para a vida. Vale para arte e comunicação. Vale para uma agência independente ou para carreira de executivo numa multi. Para ficar em pé a gente aprende que precisa de dois apoios e equilíbrio entre eles. E, de preferência, movimento contínuo em frente.

Para um publicitário erguer uma carreira, a mesma coisa. Precisa ter um equilíbrio entre dois apoios: prestígio e grana. Gerar prestígio para os clientes e para si. Assim mostra a sua relevância. E gerar grana para os clientes e para si. Assim tem fôlego para os altos e baixos da profissão.

A ideia de que apenas prestígio pode dar ao criativo uma carreira brilhante já iludiu muita gente talentosa que, acreditando nisso e apenas nisso, acabou por ter carreira breve ou não conseguiu decolar em negócios próprios. O “mundo lá fora” é duro. Pagar contas, gerir pessoas, perder clientes, levar “não” para campanhas incríveis e até ter a sua opinião dispensada pelo cliente por ele acreditar que você é irrelevante são coisas que acontecem.

Se a sua carreira está bem gerida, você supera, pois vai ter tempo para isso. Observando bem, a formiga e a cigarra fazem uma bela dupla. Prestígio e grana. Às vezes os dois ao mesmo tempo. Às vezes um de cada vez. Mas nunca um só o tempo todo.

Só grana você perde a mão do bom trabalho e logo é descartado por quem faz melhor. E só prestígio, com o tempo, você acaba não sendo levado a sério, perde o contato com o mundo real, com a geração de resultados e com o tempo é descartado também.

Um publicitário ou agência para os dias de hoje precisa ser completamente comprometido com o orçamento. Tanto do cliente quanto do seu. E também procurar a originalidade das ideias, pertinência e excelência de produção. O job do dia é o que você tem. Busque o prestígio que ele pode lhe dar, sem descuidar da grana. É o círculo sobre a mesa em frente aos emissários do papa. É a música para pagar as contas.

A partir do momento que o publicitário entende que não existe lanche grátis e alguém sempre vai pagar a conta, precisa saber que o trabalho mais importante em que deve colocar toda a sua criatividade é o mesmo que paga as contas e gera receita para a agência poder pagar os salários. Não são duas pilhas de job. É a pilha de se fazer o job.

Trabalhando assim: prestígio e grana, talvez você não tenha muitos Leões tão cedo na carreira. Mas muito provavelmente vai ter uma carreira longa para tentar ganhar todos que achar que deve. Prestígio e grana. Grana e prestígio.

Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech and Soul
(flavio.waiteman@techandsoul.com.br).