Projeto "The polar Bowl", da Framestore para a Coca-Cola: experiência em segunda tela é uma das apostas da produtora

 

Com a economia derrapante na zona do euro, o que afeta orçamentos para a produção publicitária, a vida das grandes produtoras internacionais não ficou nada fácil e nunca a América Latina pareceu um lugar tão promissor para se fazer negócio. Países como Argentina, Uruguai, México, mas, sobretudo o Brasil, atraem empresas pelo potencial do mercado e pela força criativa da região.

As mais interessadas no país são as britânicas. De acordo com Steve Davies, presidente da associação inglesa APA (Advertising Producers Association), os países que formam o Brics são observados há um longo tempo, mas, com o acelerado desenvolvimento local e a lentidão do mercado europeu, o país transformou-se em um dos mercados centrais na expansão das produtoras. “Antes vínhamos mais concentrados na Índia e na China, mas a economia brasileira está muito quente. O Brasil tem uma história na produção cinematográfica, é uma das indústrias mais organizadas e eficientes hoje. É um país exótico, animador e regulamentado. Não é difícil como a Rússia”, explica.

A chegada das inglesas já começou. No ano passado, a The Viral Factory anunciou parcerias com iThink e Volcano Hotmind. Há três meses, o estúdio de animação Nexus, com sede em Londres, anunciou a brasileira Zohar como representante para trabalhar com agências no pais. A Stink, que acumula 23 Leões nos últimos quatro anos no Cannes Lions, abriu um escritório em São Paulo no mês passado, em parceria com a Delicatessen Filmes. Os primeiros projetos foram com a F/Nazca S&S para marcas como Google e Trident, produzido pelos diretores Jones e Tino, também diretores-associados da produtora. Os dois começaram como dupla de criação na F/Nazca S&S em 2004 e assinam projetos como “Vício” e “República Popular do Corinthians”, os dois da Delicatessen para a Nike.

O objetivo, contudo, é trazer para o país o casting de diretores da produtora. Nesta semana, Daniel Bergmann, fundador da Stink, desembarca no Brasil para encontros com agências e para anunciar oficialmente a entrada da produtora na América Latina. A também inglesa Framestore, vencedora de dois Oscars por efeitos especiais, descarta a abertura de escritório no Brasil, mas sonda oportunidades locais para o desenvolvimento de projetos sob demanda. De acordo com Simon Gosling, produtor executivo da companhia, um dos focos é trazer experiências em segunda tela para o mercado brasileiro, nos moldes do projeto “The polar Bowl”, realizado para a Coca-Cola neste ano durante o campeonato americano Super Bowl. O projeto impactou 9.8 milhões de pessoas e custou 1 milhão de libras.

A animação dos famosos ursos polares da Coca-Cola respondia em tempo real aos jogos, aos comerciais — os ursos dormiam quando entravam as inserções da Pepsi — e a posts no Twitter e no Facebook. “Se você pensar que o Brasil irá sediar grandes eventos esportivos, faz todo o sentido imaginar que haverá marcas e agências buscando projetos como esse”, diz Gosling. “Apostamos fortemente na experiência da segunda tela. O comercial de TV é quem traz awareness, mas é o iPad quem gera a venda”, analisa.

Sem um escritório em vista no Brasil, o executivo considera realizar projetos sob demanda, como foi no caso dos ursos da Coca-Cola. No final de 2011, 80 profissionais da empresa em Londres mudaram-se para Nova York por três meses. “Podemos trazer pessoas para cá pelo tempo do projeto”, explica.

Estratégicos

Os britânicos têm projetos para explorar uma dezena de áreas no país, de construção de escolas públicas e segurança alimentar a transporte, para o qual estão previstos R$ 443 bilhões em investimentos até 2016. Esses setores são os que recebem um grande volume de aportes, mas a indústria criativa desponta como uma área importante. Levantamento do UK Trade & Investiment, órgão do governo inglês, mostra que o setor criativo cresceu 500% no Brasil nos últimos dez anos e hoje representa 7% do PIB nacional, o equivalente a US$ 1,3 bilhão.

As empresas estão de olho nos eventos esportivos, um dos segmentos considerados mais promissores, junto com o mercado editorial e fonográfico. A realização dos dois maiores espetáculos do esporte em 2014 e 2016 abre portas para as empresas de serviços, design, marketing e branding, acredita o mercado inglês. “Sediar a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos em um espaço tão curto de tempo nunca ocorreu antes a país algum”, observa Davies.

De acordo com ele, o Brasil deve atrair cada vez mais filmagens nos próximos anos. Hoje, dois terços das produções inglesas são filmadas fora do Reino Unido devido ao alto custo. Ele afirma que ainda é caro filmar em território brasileiro, mas acredita que isso irá mudar no médio prazo.

Dados da Filmbrazil mostram que o país já é hoje o quarto maior hub de produção do mundo e atrai cada vez mais trabalhos. As agências já observam o interesse pelo país. Um exemplo é David, agência lançada pelo grupo Ogilvy no ano passado para explorar a força criativa e econômica do mercado latino-americano. A agência tem escritórios em São Paulo, Buenos Aires e Nova York, e o foco é desenvolver projetos globais a partir de sua microrede na região.

Para coordenar os trabalhos, Veronica Beach, diretora global de produção integrada da David, deixou Nova York e mudou-se para São Paulo há três semanas. É ela quem está à frente de projetos para Coca-Cola, Sony e Powerade. “O Brasil é um polo de atração para novas empresas, que estão em busca de oportunidades, mas que sabem que é necessário entender o mercado e atuar dentro dele”, explica.

Com novas companhias aportando por aqui, a briga por projetos irá ficar ainda mais acirrada no setor audiovisual. Hoje há 5460 empresas de produção no país, que disputam orçamentos cada vez mais enxutos. Para Sonia Regina Piassa, da Apro (Associação Brasileira de Produção de Obras Audiovisuais), a entrada de novas empresas pode piorar o cenário. Já Steve Davies, da APA, argumenta que a expertise inglesa em produção é resultado exatamente de um cenário altamente competitivo. “É como ter um restaurante em Nova York: para sobreviver, você precisa ser bom. Competição faz bem ao mercado”, avalia.