Na virada do século retrasado para o passado, dos 1800 para os 1900, estabeleceu-se uma discussão patética. Que não fazia mais sentido continuar-se fabricando produtos que quebravam, ou, “morriam”. Que os produtos tinham o dever e a obrigação de durar para sempre. Esqueceram-se das pessoas. Que produtos precisavam mudar e evoluir porque as pessoas, que os compram e usam, mudam e evoluem.

De qualquer maneira, algumas patetices foram cometidas em nome da vida eterna dos produtos. Uma lâmpada. Isso mesmo, a lâmpada mais que centenária, que recentemente converteu-se em página da internet, e permanece acesíssima mais de 120 anos depois, na unidade do Corpo de Bombeiros da cidade de Livermore, na Califórnia… No dia 18 de junho de 2018, ao completar 117 anos, superou a casa de um milhão de horas acesa! Em menos de 10 anos o mundo se deu conta da tolice. Que se os produtos durassem para sempre, as pessoas não teriam empregos e, sem ter o que fazer, muito provavelmente, passariam os dias brigando…

Salta para 2020, e a notícia do que sobrou da Duralex – lembram? – ingressando com um pedido de recuperação judicial. A história da Duralex começa numa empresa com mais de 400 anos, o grupo Saint-Gobain. Impactada, lá atrás, pela ideia de produtos que jamais quebrassem, desenvolveu um material para fabricação de utensílios para a cozinha que não quebrassem, nunca! E assim nasceram os abomináveis pratos e as tigelas Duralex.

Mas, para conseguir esse feito, precisavam abrir mão de outros “features” que fazem parte do que as pessoas compram. Muito especialmente, praticidade, design, acessibilidade e beleza, dentre outros. E assim, aos poucos, os pratos e utensílios Duralex foram caindo em decadência, e recebendo o carimbo de produtos pobres e medíocres, ainda que não quebrassem. E aí o Grupo Saint-Gobain, reconhecendo a tolice, decidiu saltar fora; e a Santa Marina, responsável por Duralex, foi comprada pela Nadir Figueiredo, em setembro de 2011.

E a Nadir Figueiredo, foi vendida no dia 12 de julho de 2019, para o private-equity americano, Hig Capital, por R$ 840 milhões. Levando junto o que sobrou do produto que nasceu para não morrer e não quebrar nunca, a Duralex… E meses atrás, finalmente, o que sobrou da Duralex na França, uma pequena fábrica sediada em La Chapelle-Saint-Mesmin, Loiret, ingressou com pedido de recuperação judicial. Lá fora, a Duralex também passou por um processo de trocas de dono, na medida em que a atratividade de seus produtos despencava num mundo mais que desejoso de novidades.

É isso amigos. José Ortega Y Gasset, jornalista e filósofo espanhol, notabilizou-se, dentre outras frases e pensamentos, por dizer um dia, “Eu sou Eu mais as minhas Circunstâncias”, ou seja, dependemos não apenas daquilo que depende exclusivamente de nós, mas de tudo que nos cerca. As tais das nossas circunstâncias. Com empresas e produtos a situação é rigorosamente a mesma.

E que traduzo, especificamente em relação aos produtos e serviços que fabricamos e vendemos, é que somos o que somos e teremos ótimos desempenhos, na medida em que respeitarmos e respondermos positivamente às nossas circunstâncias.

E nossa circunstância essencial, além de tudo o que existe pelo caminho, chama-se Cliente. E o Cliente, que cada um de nós é, e há décadas deixou de comprar um produto por sua função específica. E sim, além de um desempenho de qualidade, por todos os features e values que traz agregado. Design, embalagem, todas as acessibilidades – preço, física, compreensão e entendimento – e claro e também, desempenho funcional.

O que fora feito para jamais quebrar era um tédio. Não quebrava, mas, morria. E, assim, adeus. RIP Duralex.

Que jamais nos esqueçamos dos exemplos da Lâmpada de Livermore na Califórnia, e daqueles pratos e travessas tristes e pobres da Duralex…

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)