Todos destacam principalmente o modelo híbrido de trabalho que veio para ficar, além do avanço da tecnologia e a alteração nas relações
Em 11 de março de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretava oficialmente a pandemia pela Covid-19, e lá se vão dois anos desde que o mundo virou de cabeça. Mas quem sobreviveu está vendo a população ultrapassar a barreira, graças ao esforço da comunidade científica. O mundo mudou, se para melhor, ninguém sabe. Sabe-se, no entanto, que algumas coisas ficaram fora da ordem e nada será como antes.
Marcio Toscani, co-CEO e COO da Leo Burnett Tailor Made e ARC, acredita que a principal mudança no período, e a mais visível, foi o trabalho remoto. “As pessoas passaram a trabalhar de qualquer lugar do planeta. Isso impactou diretamente a operação da agência, que passou a utilizar de forma mais constante ferramentas como Teams, Zoom e outras plataformas de comunicação. Houve uma drástica redução de viagens e deslocamentos, principalmente internacionais”, relembra.
Para ele, algumas coisas vieram para ficar. E não são poucas. “O uso da tecnologia para reuniões é uma delas. Teremos também um retorno ao escritório, mas certamente não será como antes da pandemia, pois não haverá mais a obrigatoriedade da presença física 100% no escritório”. Mas ele lamenta a ausência física do time, pois, para ele, “é essencial para a atividade”. “É muito saudável para o dia a dia de uma agência que as pessoas se encontrem, troquem experiências, debatam ideias na forma ‘analógica’”, diz.
Na opinião de Toscani, até o profissional piorou um pouco o estado de espírito. “No momento que o trabalho invadiu a casa, sem pedir licença, bagunçou demais a vida de todos. Não estávamos preparados para esta nova realidade e precisamos socializar, debater ideais e ouvir as pessoas”.
Sobre o futuro, o executivo acredita que o cenário de pandemia está melhorando, mas a grande preocupação agora é a situação internacional, com o conflito na Ucrânia. “As economias mundiais estavam em uma escalada de recuperação e, com a guerra, podemos ter um impacto ainda maior”.
Já Antonio Fadiga, sócio e CEO da Artplan, crê naquela ideia de que toda crise gera oportunidades. Para ele, nestes últimos dois anos, foram várias evoluções e cita os benefícios da multidisciplinariedade, que promoveu uma maior integração dos talentos, com impacto direto nas entregas; do uso de tecnologia para a viabilização de processos internos, o que imprimiu agilidade nas discussões e decisões; do acompanhamento de performance cada vez mais eficaz, da aceleração do creative data, com os dados como combustível para tudo, gerando insights para os negócios dos clientes; e da potencialização do time de gestão de pessoas.
Segundo ele, algumas mudanças vieram para ficar, a começar pelo trabalho híbrido e colaborativo, que “é muito mais ágil e flexível”. “Para nós, não há mais espaço para o formato de trabalho tradicional, com 100% da equipe nos escritórios. Não nos importa onde o trabalho é feito, mas a qualidade das entregas, e isso independe do lugar que nossos times estiverem”, pontua.
Saudade
Mas Fadiga afirma que tem saudade das pessoas, de circular pela agência. “Isso faz muita falta. Acredito que o contato físico nunca vai perder a sua importância. Sentimos falta do olho no olho nos períodos mais restritos da pandemia e, agora, com o retorno gradual das atividades presenciais, vemos o quanto esse contato é saudável para as relações, oxigenação das ideias e trocas entre os nossos times e parceiros. Certamente, esses encontros vão voltar, combinando com o trabalho remoto”, analisa.
Sobre a mudança no perfil dos profissionais, comparando o antes e o depois, ele fala que todos mudaram, “tanto na esfera pessoal, quanto profissional”. “Mudamos muito a nossa forma de ver as coisas e de vivenciar as nossas experiências. Do ponto de vista profissional, vivemos uma fase de muito trabalho, adaptações, experimentação, união e compromisso. O saldo tem sido bastante positivo, com ótimas performances no modo de trabalhar e nas entregas dos nossos times, mesmo a distância. As pessoas conseguiram gerenciar as suas rotinas diárias, buscar ferramentas para pensar e executar ‘fora da caixa’, a se ajudarem mutuamente. Os aprendizados têm sido valiosos”, garante.
Fadiga comenta também que, muito além da performance das pessoas da sua equipe, as prioridades são a saúde, o bem-estar e a segurança. “Por isso, buscamos realizar diversas ações que aliviassem o momento delicado que passamos. Temos um canal aberto de comunicação e nos mantemos muito próximos dos nossos colaboradores para darmos o suporte que cada um deles precisava”.
Ele fala ainda sobre sua impressão do futuro. Declara que, para garantir a sustentabilidade da indústria, é impossível dissociar a tomada de consciência e responsabilidade das escolhas, do exercício criativo, do dia a dia. “Eu vejo um caminho baseado no exercício do diálogo, da empatia com os consumidores e da busca cada vez mais intensa do propósito das marcas. O futuro das agências será – e precisa ser mesmo – ainda mais inclusivo e diverso. Sem contar que a tecnologia e a publicidade continuarão caminhando juntas, mais do que nunca”.
À distância
Monica Szanto, diretora de cultura e gestão da DPZ&T, comenta que a agência permanece em sistema de teletrabalho desde o início da pandemia. Mesmo com o grande avanço da vacinação no estado de São Paulo, optaram por prolongar o esquema 100% remoto para que o time não corra riscos em seus deslocamentos, ou até mesmo dentro da agência. “É um olhar cauteloso que privilegia a saúde dos nossos colaboradores, mais do que qualquer outra coisa. Em dezembro e janeiro, por exemplo, cancelamos toda e qualquer ideia voltada para confraternizações devido aos casos de Covid-19 que aumentaram no país”, conta.
O grande detalhe dessa história toda é que o trabalho remoto funciona. Segundo ela, o time da DPZ&T “demonstrou isso – um profissional complementa o outro no dia a dia com muita garra, união, trocas de criatividade e conhecimento”. “Um entrosamento robusto que também dividimos com nossos clientes. Ainda não temos uma data definida para o retorno ao escritório, mas, quando todos estiverem mais seguros, o modelo híbrido vai prevalecer, uma vez que valorizamos a flexibilidade e a qualidade de vida possíveis com este modelo, assim como a combinação de autonomia com comprometimento e responsabilidade”.
Ela analisa ainda que outra vantagem do sistema remoto é a possibilidade de contratar profissionais de outros estados. “Como trabalhamos com comunicação, temos a responsabilidade de espelhar a diversidade brasileira em cada campanha que colocamos na rua. E sabemos que essa representação só será bem-feita se conhecermos diferentes culturas e costumes”, diz Monica.
Júlia Melges, head of people and culture da B&Partners.co - The Brandtech Network, leva a conversa para outro lado e conta que a situação de isolamento sem dúvida acelerou o processo de transformação digital, a cultura do uso das plataformas pelas empresas e abriu portas para novos cargos e profissionais. Também ficou claro que expandimos nosso mercado, passando a contratar pessoas de diferentes regiões, tornando o local de trabalho muito mais plural”.
Conforme palavras dela, a humanização nunca foi tão colocada em xeque e foram obrigados a criar novas formas de relacionamento e contato. “Antes tudo acontecia em um local só, você chegava em seu lugar de trabalho e prontamente já iria entender se seu colega estava bem ou saudável. Hoje em dia nosso contato é pela tela, tivemos de aprender a deixá-lo mais humano, pois existem muitos novos sentimentos envolvidos”, relata. Para ela, a empatia pelo outro tem sido o primeiro assunto de qualquer pauta nas reuniões, e diz ter certeza que todos começam uma reunião com a pergunta “Como você está? E sua família?”. “Outro ponto que já falamos muito é o home office, que na cultura de comunicação sempre foi algo em pauta, muito na teoria, mas não na prática, no entanto, se provou eficaz para muitos casos”.
Para ela, a mudança na forma do recrutamento e seleção é um ótimo exemplo do que veio para ficar. Julia comenta que é possível hoje fazer uma entrevista em qualquer horário e em qualquer lugar. E isso é efetivo para o entrevistador e para o entrevistado, principalmente por conta do deslocamento. “O trajeto passou a ser considerado uma perda de tempo e as pessoas reconhecem isso”. Segundo ela, todos passaram a refletir mais profundamente o que tem valor em suas vidas. “E, claramente, como já tem sido muito falado, o modelo híbrido hoje virou um novo comportamento e não vai deixar de existir”.