Orlando Marques: publicitário já aprendeu a se organizar por meio do Conar

 

Enquanto nos Estados Unidos a notícia é de campanhas que mostram famílias gays serem cada vez mais exibidas em canais de TV abertos e destinados a diversos públicos, no Brasil da “cura gay” o mercado está às voltas com mais um adendo polêmico a um projeto de lei que tramita em Brasília. No caso, o PL 5921/2001, que tramita pela CCTCI (Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática), pretende banir da publicidade voltada para o público infantil a imagem de “formatos alternativos de família”. A norma determina que comerciais só podem ser protagonizados por “modelos tradicionais de núcleo familiar” e foi apresentada pelo relator do projeto, o deputado Salvador Zimbaldi (PDT-SP), que ainda está com o projeto e não o colocou na pauta.

De acordo com o parágrafo 4º do artigo 6º, “a família é a base da sociedade e, quando exibida na propaganda comercial, institucional ou governamental, deverá observar a unidade familiar prevista no artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal”. O artigo citado afirma que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”, o que exclui famílias formadas por homossexuais ou monoparentais (mãe e filhos ou pai e filhos). Procurado, o relator do projeto, Zimbaldi, não estava disponível em seu gabinete.

Por meio de suas páginas no Facebook e no Twitter, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ), coordenador da Frente LGBT e uma das principais vozes defensoras da causa gay na Câmara, criticou a iniciativa. “Será que esta é a forma de tornar as pessoas mais tolerantes com o próximo e menos preconceituosas ou será que é apenas uma forma de reforçar os preconceitos e a intolerância contra crianças sem o nome do pai ou da mãe no documento? Ou é uma forma de criar uma consequência futura para crianças registradas com o nome de dois pais ou de duas mães, amparada em lei? Temos que dizer não a este absurdo fundamentalista e totalitário”, disse. Wyllys garantiu, ainda, ter pedido ao deputado Paulo Teixeira, membro da Comissão de Ciência e Tecnologia, que se posicione contra o projeto.

“Independentemente do conteúdo ou mérito dessa emenda, eu sou contra ela porque o mercado publicitário brasileiro já aprendeu a se organizar com relação às mensagens publicitárias por meio do Conar. Não precisamos de babás para nos dizer o que pode e o que não pode ser colocado nos anúncios e já mostramos que somos suficientemente responsáveis, comprometidos e sérios na gestão dessa autorregulamentação”, diz Orlando Marques, presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade). Gláucio Binder, presidente da Abap-Rio, diz que a norma parece uma medida pouco inteligente. Para ele, o que parece estar ocorrendo é um ato para dar notoriedade ao legislador, o que ocorre em muitos casos em que projetos de lei são elaborados não para responder a anseios do eleitor, mas sim para dar evidência ao autor. Em sua opinião, um hipotético banimento de “famílias não tradicionais” da publicidade infantil tende a atrair uma discussão tão grande para o assunto que, considerando o interesse de quem fez a proposta legislativa, pode funcionar ao contrário.

“A publicidade – mais do que qualquer tipo de dramaturgia, que pode ser aríete de novos comportamentos – é uma emuladora de comportamentos estabelecidos e que conectam marcas com os seus públicos. É muito raro ela provocar uma ruptura de cultura por uma proposta ousada ou radical. Isto não interessa às marcas. Especialmente no Brasil, onde grande parte da população é conservadora”, afirma Binder. “O que eu quero dizer com isso é que uma família ‘alternativa’ só serve de referência para a publicidade se ela for aspiracional. E uma lei não pode existir para mudar algo que já esteja consagrado pela população”, conclui, ressaltando que toda tentativa do legislativo de tutorar a população “é ridícula”.

J. Roberto Whitaker Penteado, presidente da ESPM, diz que “nossos legisladores praticam regularmente a estratégia de ‘pôr o bode na sala’, para retirá-lo depois”. “Para distrair os cidadãos da fiscalização permanente dos seus crimes, roubos, estelionatos e falcatruas diversas, essas ‘desagradáveis criaturas’ ficam inventando novidades.”

Censo mostra diversidade
De acordo com os dados do censo de 2010, “outros tipos de arranjos familiares” já representam 50,1% do universo de famílias – leia-se aqui pessoas que moram sozinhas, três gerações debaixo de um mesmo teto, casais gays, casais sem filhos, mães sozinhas com seus filhos, entre outros. Foram identificados 19 laços de parentesco – diferente dos 11 listados em 2000. Campanhas publicitárias já vem retratando isso com naturalidade, apesar das polêmicas que volta e meia ainda rondam o tema. A Taterka, por exemplo, criou para a Natura um comercial que defende que “toda relação é um presente” e mostra inúmeros modelos de famílias não tradicionais. Veiculada em abril e maio deste ano, procurava valorizar os vínculos “nem sempre perfeitos” aos olhos de boa parte da sociedade, mas igualmente capazes de emocionar e despertar o desejo de cuidar e celebrar.

“Essa campanha traz luz para as novas estruturas familiares e para todo o tipo de relacionamento dentro da sociedade brasileira”, explica Eduardo Simon, sócio e diretor de operações da agência. Recentemente, uma campanha da Talent para a Max Haus mostrava, em um dos anúncios, um casal de mulheres e a frase “Existia uma parede no amor”. No final do ano passado, a Expedia veiculou na internet um comercial que mostrava um pai indo ao casamento da filha com outra mulher. O filme ganhou forte repercussão e entrou em TV a cabo esse mês nos Estados Unidos. “Você tem que decidir se quer ter com sua filha uma relação maravilhosa para o resto da vida ou se vai perdê-la”, diz o pai no comercial.

Segundo matéria recente no New York Times, isso indica uma tendência entre anunciantes de disseminar peças com temática gay na mídia dirigida à audiência em geral. Um dos motivos é atingir famílias, amigos e “aliados” do grupo GLS. Outro é mostrar abertamente o apoio a esse grupo que vem lutando por direitos de legitimação relativos a imigração e casamento. A lista de empresas que vem fazendo isso já é grande: inclui Amazon, American Airlines, General Mills, Google, Hyatt, Crate & Barrel, Gap, MasterCard, Microsoft, JC Penney, Redhook Ale Brewery, Anheuser-Busch InBev, entre outros.