No país do futebol, a paixão pelo esporte tem sido, paradoxalmente, um dos impedidores para o desenvolvimento do negócio. Essa é a visão dos players do mercado com base nos resultados financeiros dos clubes. Apesar de movimentarem bilhões, os times ainda sofrem com a gestão, muitas vezes, emocional e política.
Segundo dados da consultoria SportsValue, os 20 maiores clubes geraram em 2018 receita de R$ 5,3 bilhões, dos quais os direitos em TV correspondem pela maior parcela (R$ 2,01 bi), seguida por transferências de jogadores (R$ 1,3 bi), clube social (R$ 632 mi), patrocínios (R$ 523 mi), bilheteria (R$ 421 mi) e outras (R$ 403 mi). Com números expressivos, ainda assim, clubes passam por problemas econômicos. No ranking dos mais endividados, segundo a consultoria, o Botafogo lidera com dívida de R$ 730,6 milhões.
Um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 27 de novembro, que agora segue para o Senado, pretende mudar o esquema dos clubes no Brasil, que hoje são enquadrados como associações desportivas sem fins lucrativos. A ideia é torná-los clube-empresa, permitindo, entre outras questões, a sociedade com marcas e investidores, como ocorre em times europeus. O Bayern de Munique, por exemplo, tem 25% de suas ações compartilhadas entre Audi, Adidas e Allianz.
O processo, se aprovado, pode abrir um caminho de profissionalização e, consequentemente, atrair oportunidades com patrocínios. É o que defende Amir Sommogi, da SportsValue. “Se não fizer uma boa gestão, não há marcas parrudas patrocinando o futebol. Há muitas críticas a respeito de polêmicas fora de campo e a ideia de que as diretorias não cuidam dos patrocínios. Não à toa, hoje a modalidade representa 10% das receitas. Em 2017 era 13%. Estamos em um patamar equivalente a 2003”.
Na opinião de José Colagrossi, diretor-executivo do Ibope Repucom, os números refletem o pouco amadurecimento dos dirigentes na relação com as marcas. “Lembro-me da minha primeira reunião com um clube, em 2011, quando abrimos nossa operação no país. Um VP de mar-
keting de um grande time do Rio de Janeiro me disse: ‘Patrocinador bom é aquele que envia o cheque todo mês e não enche o saco’. Havia muita prepotência e arrogância. Quase como se os clubes fizessem um favor de deixar as marcas patrociná-los”.
Passados quase 10 anos, a relação evoluiu e alguns times se fortaleceram ao estabelecer uma boa parceria com as marcas. Sobretudo, explorando projetos que vão além da exposição em camisa. O Flamengo, campeão da Libertadores da América e do Campeonato Brasileiro deste ano, figura entre os que melhor têm aproveitado essa relação.
Com a MRV Construtora, por exemplo, o clube acaba de veicular em seus canais sociais a série Porteiro do Mengão, branded content que narra a saga de Adelson Barbosa e seus amigos que foram a Lima, no Peru, acompanhar o time na final da Libertadores da América. O clube é líder de seguidores nas redes sociais, totalizando mais de 25 milhões de fãs.
Agora, com a nova lei, a expectativa é que a estrutura de comunicação dos clubes saia fortalecida. “Departamentos de marketing, comercial e comunicações, que em muitos casos servem apenas de cabide de empregos no modelo associativo mal gerido, se tornam prioridades no modelo empresarial. As consequências são imediatas e impactantes, tanto no aumento de receitas quanto no controle de custos”, defende Colagrossi.
Patrocinadora da CBF e da Copa América 2020, a Semp TCL avalia como positiva a profissionalização do futebol. Segundo Patrícia Vital, head de marketing da companhia de eletrônicos, o patrocínio enquanto disciplina do marketing está se reinventando, e precisou se adaptar à nova realidade trazida pelo digital.
“Como patrocinador não me contento em ter minha marca bem exposta. Nosso papel é se munir de informações que justifiquem esse valor, e quem está pedindo o patrocínio deve fazer esse report”, defende. “Clubes e organizações precisam ajudar a compor os conteúdos de marca da melhor forma possível. Eles são os maiores conhecedores de seu torcedor, então podem contribuir para que essa relação seja mais customizada”.
Para Sommogi, o desafio do marketing no futebol passa por uma mudança de mentalidade coletiva. “Não é matemática simples. Patrocínio é um conceito mais amplo, não é só placa de campo nem exposição em camisa. Tornar clubes em empresas não garante que tudo vá funcionar. O processo é mais complexo”.