Os efeitos do novo coronavírus são sintomáticos não só na saúde, mas também na economia. E esse impacto está na pauta de governos, iniciativa privada e pessoas. Na semana passada, o ministro Paulo Guedes, que comanda a equipe econômica do governo Bolsonaro, enfatizou que a iniciativa privada será o pilar da retomada diante do comprometimento do orçamento, que só vai cumprir diretrizes da responsabilidade fiscal pela possibilidade legal de gastar mais para suprir as necessidades da saúde.
O clamor pela retomada não é irresponsável. Requer estratégia. O estado de São Paulo sinalizava com a reabertura parcial a partir da próxima segunda-feira (11), mas o isolamento abaixo de 70% motivou adiamento da decisão. Outros estados e cidades estão propensos à reabertura do comércio, indústrias e serviços. Muitos segmentos clamam por essa decisão porque nesses dois meses de paralisação empresas estão encerrando operações e demitindo.
Há luz no final do túnel com a provável retomada, que está animando o mercado, mas a palavra de ordem que acompanha as prováveis medidas é cautela. “Nosso mercado emprega direta e indiretamente mais de 600 mil pessoas, e precisamos agir com responsabilidade, seguir as orientações dos órgãos de saúde e preservar a saúde das nossas equipes, famílias e parceiros. A nossa operação está funcionando perfeitamente, de forma remota, e já temos um plano de retorno desenhado para ser colocado em prática no momento certo, sempre preservando nossas pessoas, clientes e operação. A partir do momento em que as pessoas mudam sua rotina, os hábitos de consumo mudam e automaticamente as marcas e a propaganda são impactadas. Todos teremos de reaprender muita coisa, todos os dias, nos reinventar na medida em que a sociedade se transforma”, argumentou Marcia Esteves, CEO da Lew’Lara\TBWA.
Mario D’Andrea, presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) e da Dentsu, explica que os estados que deram início à abertura do comércio e shoppings vão ajudar a irrigar a economia. Mas pede prudência. “Comunicar essa reabertura será fundamental. As marcas deverão ser muito equilibradas em sua comunicação, evitar clima de festa porque não se pode comemorar nada ainda. A serenidade e a transparência na comunicação trarão segurança ao consumidor e à sociedade. As marcas devem ajudar nesse propósito, e as agências são as maiores especialistas nesse assunto.”
Filipe Bartholomeu, CEO da AlmapBBDO, aguarda as decisões oficiais. “Essa é uma crise que afetou todas as indústrias e com a da comunicação não é diferente. Por outro lado, o posicionamento das marcas ganha ainda mais importância neste período. Apesar de muitas empresas estarem cortando investimentos, confesso que nunca trabalhamos tanto e fomos tão demandados pelos nossos clientes. A saída da quarentena, ainda que gradual, vai certamente permitir uma melhora na economia, porém o impacto mais significativo será no jeito como trabalhamos internamente e com os nossos clientes. E esse é o grande legado do que estamos vivendo: a ressignificação de nosso valor para os nossos clientes e, talvez como nunca antes, a ressignificação do nosso valor para a sociedade.”
Presidente da Ampro (Associação de Marketing Promocional), Alexis Pagliarini recomenda protocolos e responsabilidade. “Há alguns setores que simplesmente zeraram seus negócios. Alguns vêm conseguindo crédito para superar essa fase crítica, mas não suportarão um período muito longo. Estamos na fase de geração de protocolos, com os setores da economia estabelecendo critérios para uma retomada com responsabilidade”, frisou Alexis, que comanda o segmento das ativações live, que sofreu retração com a restrição ao eventos presenciais.
Lígia Vulcano, COO da BFerraz, ressalta que a “indústria e o varejo sofreram grande impacto e, apesar de alguns negócios terem sido beneficiados por sua natureza, mas a postura política do governo também não tem contribuído para a segurança de investidores.” Ela acrescenta: “Segmentos que se beneficiaram nesse período, como e-commerce, serviços on demand, delivery e entretenimento online/live devem se fortalecer e ocupar seu lugar definitivamente na economia e na preferência das pessoas. A comunicação voltou a valorizar a boa ideia e a criatividade, não importando de onde ela venha, mas na sua viabilidade e na sua capacidade de impactar e conectar. Pra quem está aproveitando esse momento de retração para rever seus processos, modelos e valores, certamente terá grande chance de ter uma retomada mais sólida e um negócio mais eficiente em 2021.”
“A reabertura, mesmo que gradual, é melhor do que o confinamento total”. É o pensamento de Geraldo Rocha Azevedo, CEO da Execution. “Apesar de necessário, é extremamente danoso para todos e vai deixar marcas profundas nas empresas, nas pessoas e na sociedade”, ponderou Azevedo. “Quem imagina uma companhia aérea conseguindo pagar custos com viagens internacionais mantendo uma distância de dois metros entre os passageiros, ou seja, um passageiro por fileira?”
A proximidade com clientes aumentou, como observa Miriam Shirley, CEO da Sapient AG2, que ela define como plataforma de transformação digital. “A reabertura da economia é um passo importante, já que para se manter uma sociedade é necessário que as pessoas tenham os meios para subsistir; que os meios de produção e os setores econômicos permaneçam vivos. Mas é importante que se entenda que antes da questão econômica estão as pessoas. Sem pessoas não se gira a economia.”
Eduardo Lorenzi, CEO da Publicis, reconhece que a flexibilição é necessária, mas acompanhada de conhecimento dos efeitos na sociedade. “Do ponto de vista do negócio, temos de nos preparar para essa retomada considerando as particularidades de cada um de nossos clientes. Há setores que foram menos impactados pela crise e outros que tiveram de parar ou diminuir drasticamente a sua atuação. Todos, sem exceção, já iniciaram um processo de reinvenção considerando o cenário da crise e este ‘novo normal’ que emergirá dela. Como parceiros estratégicos que somos, estamos lado a lado com os clientes nessa empreitada, com a missão de oferecer soluções de comunicação e de negócios que os ajudem a encontrar novos caminhos de crescimento.”
O executivo Luiz Fernando Musa, CEO do Grupo Ogilvy, está atento às possibilidades de abertura econômica. Na semana passada ele encaminhou comunicado aos funcionários no qual afirma que a reabertura das atividades comerciais, quando for autorizada, vai exigir reflexão ponderada. Em sua opinião, a volta ao escritório será seletiva.
“Tem muita gente que usa transporte público. Portanto, ficam mais expostas. Não seremos prematuros, mas consistentes. A ideia é fazer o retorno físico de forma alternada e em turnos. A iniciativa privada tem de dar exemplo. Principalmente no Brasil, onde a irresponsabilidade política é clara. O foco total é para dentro dos nossos clientes. Nunca fomos tão próximos. A dedicação é intensa. Mesmo porque a necessidade mudou. Estávamos participando de várias concorrências antes da crise, mas isso deixou de ser prioridade para a Ogilvy”, finalizou Musa.