O patronato adora uma cartilha que faça os colaboradores convergirem em algum pensamento que aumente a produtividade, de preferência com menos pressão de ganho salarial. Atualmente estão em voga no mercado diversas correntes de labor filosófico, buscando instalar no consciente coletivo a ideia de que nem o patrão é vil porque trabalha para obter lucro, nem o empregado é mercenário porque trabalha pelo salário. Ambos estariam engajados em “propósitos” seja lá oque isso signifique.
Se um dia as causas foram mais “palpáveis”, ainda que muitas vezes um tanto distantes da vida urbana, como “salvar as baleias”, por exemplo, hoje tudo é bem mais uma questão de suposições. Sim, eu posso fazer a diferença no derretimento da calota polar desde que traga a minha canequinha de casa e a empresa não precise comprar copinhos descartáveis. Tudo gira em torno da sustentabilidade do planeta. Devo dedicar parcela do meu dia a esse pensamento: encontrar fórmulas de salvar o meio ambiente. Ok. Mas salvar de quem? A tese é a de que devo salvar de mim mesmo, da minha falta de consciência ecológica e, portanto, devo “fazer a minha parte”. Não deixa de ser um belo gesto. Mas é pura fantasia para a consciência.
Falta dizer nessas pregações “do bem” que, na verdade, o que fazemos não significa nada de prático na salvação do planeta, que depende de decisões que passam muito longe de nós. Decisões do Trump, por exemplo. Ou do Putin. Ou, ainda, do Li Keqiang, primeiro-ministro da China.
Isso quando se fala apenas da face “humana” visível da ameaça. Porque esses cidadãos, por sua vez, trabalham em favor dos interesses de grandes corporações que dão sustentação econômica e poderio às nações a que eles lideram e a seus aliados.
São os movimentos desse conjunto de interesses que fazem avançar ou recuar a perspectiva de futuro para a humanidade, na medida em que autorizam a emissão desse ou daquele poluente, a exploração irracional de recursos em extinção, a pesca predatória, o uso indiscriminado de conservantes químicos e agrotóxicos, por exemplo.
Interessante é que nos discursos que buscam motivar uma atitude responsável nos ambientes das empresas, essa associação óbvia e imediata não é feita. Reduz-se o problema ao risco representado por quem não traz a canequinha. Ou seja, a uma brincadeira bem-intencionada para as crianças na escola. Melhor seria que fossem distribuídos livros de história, política e filosofia entre os colaboradores para que eles tivessem uma chance de, mesmo na circunstância alienante do emprego, compreender-se no macroambiente da existência. E se tornassem capazes de estabelecer relações fundamentadas entre fatos e consequências.
Assim, evitaríamos que tanto tempo se perca falando bobagens com alto índice de ingenuidade. Que, aliás, os mais espertos captam desde logo e passam, por isso, a estabelecer uma relação hipócrita com elas no âmbito das empresas. Enfim, não acredito em nenhuma ação bem-intencionada que não tenha um cético no comando.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimir@gmail.com)