Uma das mais criativas e influentes agências de publicidade do mundo nas últimas duas décadas, a Droga5 foi adquirida no começo deste mês pela Accenture, por meio da unidade Accenture Interactive.
O movimento despertou, mais uma vez, as atenções do mercado de comunicação para a consultoria norte-americana, que já havia promovido notícias bombásticas nos últimos anos, inclusive no Brasil, com as compras de AD Dialeto em 2015, e New Content, no ano passado, e contratações como de Eco Moliterno e Eduardo Bicudo, em 2017.
Após o “susto” com a notícia, o mercado começa a absorver o movimento e o que se notou nas conversas com líderes da indústria da publicidade é que a aquisição ajuda a sinalizar o futuro da indústria com a integração das visões de criatividade, negócios e tecnologia.
“Fica mais uma vez comprovado que talento não é commodity. A comunicação de marca de serviços e produtos gira em torno de pessoas. Posso ter a melhor tecnologia e o maior banco de dados do mundo em mãos, mas sem criatividade não servem para nada. Fico feliz de ver que uma gigante como a Accenture trouxe ao grupo uma das agências mais criativas do mundo nos últimos 15 anos. Dados e tecnologia são meios, mas não o fim. Eu parto do dado, uso tecnologia como estrada e ser humano é o destino, e ele deve ser impactado pela criatividade”, afirma Mario D’Andrea, presidente da Dentsu Creative Group e da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade).
Para o publicitário, o movimento reforça crenças do mercado de comunicação. “A aquisição, sem dúvida, valoriza muito o negócio de agências. E digo mais: fortalece inclusive o modelo brasileiro, um dos poucos que coloca mídia e criação sob o mesmo teto. O movimento da Accenture é icônico e será interessante ver essa junção de tecnologia e dados com criatividade”, reforça.
No âmbito da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda), segundo seu superintendente Alexis Pagliarini, já havia há pelo menos três anos a certeza de que as agências precisariam desenvolver uma atuação sintonizada com as consultorias.
“Esse movimento da Accenture reforça que há uma área cinza de consultorias pulando para o lado de agências. Agora, a agência deve fazer esse movimento também e ocupar essa área cinza, o que inclui rever sua atuação e partir para algo mais com cara e até modelos de negócio de consultorias”, diz.
Marcelo Sousa, presidente da Abradi (Associação Brasileira dos Agentes Digitais), aponta que a compra da Droga5 indica muito sobre o futuro do mercado, que será galgado em criatividade, tecnologia e negócios.
“O modelo será composto pelas grandes agências e sua criatividade, consultorias e o guarda-chuva de transformação digital e empresas de tecnologia mais nichadas ou donas de grandes plataformas que compõem a entrega de comunicação. Para as agências, será essencial integrar sua criatividade com a profundidade de execução das consultorias”, afirma o executivo.
“São movimentos como esses que mostram que a indústria tem um grande futuro. Mas mostram também que esse futuro é bastante diferente do que estamos acostumados hoje”, define Marcelo Bicudo, CEO da Epigram Superunion. “Ao comprar uma das agências mais criativas do mundo, a Accenture conecta o lado esquerdo e direito do cérebro e mostra que a criatividade precisa trazer resultados, e que as experiências do consumidor se dão de forma mais abrangente do que as agências entregam”, diz.
Capacidades e talentos
Brian Whipple, CEO global da Accenture Interactive, afirma que, com a aquisição da Droga5, a Accenture Interactive amplia as suas capacidades em serviços criativos, incluindo estratégia de marca, produção de conteúdo, campanhas integradas e marketing de performance.
“A Accenture Interactive está adquirindo o Droga5 por causa da excelente reputação criativa da agência, além de ter uma visão compartilhada sobre o futuro da publicidade”, diz o executivo.
O processo de integração, prossegue Whipple, pressupõe que a Droga5 poderá agora oferecer um conjunto mais amplo e profundo de serviços digitais a clientes que buscam aprimorar sua experiência integrada com o cliente. Do lado da Accenture, a empresa vai discutir com os clientes como poderão aproveitar melhor o talento da agência.
“Já compartilhamos vários clientes mútuos e esses relacionamentos serão fortalecidos por essa aquisição. Para qualquer cliente Droga5 com o qual a Accenture já não trabalhe, trabalharemos caso a caso e com a devida consideração. E novos relacionamentos serão formados à medida que formos para o mercado no futuro”, avalia Whipple.
Na prática, a aquisição coloca a Accenture Interactive em uma posição em que não apenas projeta a experiência do cliente, mas define a melhor maneira de comunicar e executar a entrega por meio dos canais.
“Atuamos desde a estratégia de negócios até a ativação, tudo impulsionado por uma forte narrativa criativa de marca e sólido backbone de tecnologia. Teremos as capacidades holísticas de que precisamos para construir grandes experiências para o cliente”, avalia o executivo.
Estrutura
Em termos estratégicos, a Accenture afirma que não vai adotar para a área Interactive uma estrutura de holding como WPP, Publicis, Omnicom, Interpublic e outros concorrentes.
A empresa vai se amparar em uma equipe de gerenciamento e no comprometimento das lideranças das agências em manter a força de suas operações. “Ao contrário das tradicionais holdings de publicidade, nós não compramos empresas para crescimento”, afirma.
De fato, apenas 2,5% do crescimento da Accenture no ano de 2018 foi não-orgânico, ou seja, fruto de aquisições e fusões. O resto do crescimento ocorreu por força das operações já existentes.
“Nós estamos criando um novo modelo de agência, adequado às necessidades em evolução do CMO de hoje, que une parte de consultoria de negócios, parte de agências de criação e parte central de tecnologia”, finaliza.
A Accenture afirma que quase a totalidade de seus 100 maiores clientes estão na casa há mais de dez anos. A empresa é dividida em cinco unidades de negócios: Strategy, que ajuda executivos a moldarem o futuro das empresa; Consulting, que fornece experts para auxiliar as empresas em programas de transformação; Technology, que implementa as ferramentas de TI necessárias para a gestão, em parceria com players como SAP, Oracle e Salesforce; Operations, que fornece serviços de infraestrutura, cloud, segurança e processos de negócios; e, finalmente, a área Digital, onde está o braço Interactive, que ajuda os clientes a entregar as melhores experiências aos consumidores, durante toda sua jornada e em todos os canais.
A Accenture, cuja origem dos serviços remonta aos anos 1950, foi fundada como um negócio independente em 1989, se chamando Andersen Consulting (o nome atual surgiu em 2001).
A empresa faturou US$ 41,6 bilhões em 2018, uma alta de 12% em relação ao ano anterior. Para efeitos de comparação, o grupo líder de comunicação, o WPP, chegou a US$ 20,6 bilhões ano passado, com uma ligeira queda em relação a 2017. Em 2007, a Accenture era do tamanho do atual WPP, com faturamento próximo a US$ 20 bilhões.
Brasil
O Brasil e o mercado de marketing digital são vitais para o crescimento futuro da empresa. O país é um dos 4 países citados dentre os que lideraram o crescimento dos chamados “Growth Markets”, ao lado de Japão, Austrália e Cingapura.
Além disso, dos US$ 658 milhões empregados em aquisição pela Accenture, 70% foram investidos na Accenture Digital. Dentro dela, a Interactive teve como principais movimentos a adição da Mackevision (Germany), Meredith Xcelerated Marketing (Estados Unidos), HO Communication (China) e Altima (France).
A última, por exemplo, é uma agência full service digital com foco em e-commerce. A americana Meredith é uma agência de conteúdo, movimento similar ao da New Content no Brasil.
Droga 5: agência de cultura popular
Quinto de seis filhos de uma família australiana, David Droga abriu em 2006 sua agência Droga5 (o número é homenagem à estampa que sua mãe colocava em suas roupas para identificá-lo), após uma carreira que começou a despontar no começo dos anos 2000, com passagens pela Saatchi & Saatchi do Reino Unido e Publicis Nova York. Um de seus primeiros grandes “hits” publicitários foi a ação “Still Free”, que mostrou vândalos depredando o Air Force One, algo depois revelado como fake, mas que ajudou no desenvolvimento do cliente Ecko Unlimited. Depois, veio o “Unicef Tap Project”, ação que pedia aos restaurantes de Nova York que pagassem US$ 1 para água de torneira que, em geral, não era cobrada.
O dinheiro seria revertido para famílias atingidas pela seca. Com posição política bem clara, Droga criou “The Great Schlep”, em que a comediante Sarah Silverman pedia a jovens judeus para convencer seus avós a votarem em Barack Obama – acredita-se que a pequena diferença pró-Obama de 170 mil votos no estado da Flórida possa ter ocorrido em parte por conta da ação.
Em 2010, “Decode Jay-Z for Bing” fez a festa no Festival de Cannes, que vendeu a autobiografia de Jay-Z, em ação para o mecanismo de busca Bing. Depois vieram ações como “Day 1”, ação da Prudential para mostrar as angústias dos recém-aposentados, “Puma Social”, que desvirtuou as campanhas sobre atletas, saindo do alto rendimento para falar sobre as pessoas comuns que praticam seu esporte sem compromisso, como boliche. E “I Will What I Want”, para Under Armour, que teve Gisele Bündchen entre as protagonistas para mostrar o poder de superação de mulheres para conseguir o que querem. Rihanna, Taylor Swift, Robin Williams, Jay-Z e diversos outros ícones pop passaram a figurar em campanhas de uma agência que aprendeu a se colocar na conversa com a cultura popular através de criatividade.