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A crise econômica levou muitos publicitários brasileiros, principalmente os criativos, a trabalharem no exterior e o resultado é que, hoje, com o dólar na casa dos R$ 4, eles passaram a ganhar o dobro do que se estivessem aqui, na comparação proporcional aos seus salários. Apesar da crise, o país está na moda quando o assunto é propaganda e cada vez mais surgem convites de agências internacionais para os brasileiros, cujo estilo de trabalho “surpreende” os estrangeiros. Vivemos praticamente um êxodo de talentos criativos.

“O salário no Brasil era melhor que aqui, corrigindo para o dólar, há quatro anos, quando o dólar estava 2 por 1. Agora que está 4 por 1, o salário no exterior ficou bem mais atrativo porque praticamente vale o dobro que quatro anos atrás”, conta Renato Fernandez, diretor de criação mundial para Gatorade na TBWA/Chiat/Day Los Angeles, onde está há quase quatro anos.

“Temos um estilo de trabalho que surpreende os ‘gringos’. Aqui muita gente trabalha o quanto der de 9h às 5h da tarde. O brasileiro trabalha pelo resultado. O melhor trabalho. Custe o que custar. Culturalmente, no entanto, temos vantagens e desvantagens. Trabalho com esporte e saio na frente toda vez que o assunto é futebol, mas tive que aprender muito sobre as sutilezas e idiossincrasias de outros esportes como basquete, baseball e futebol americano. Não estou falando das regras, mas dos códigos culturais”, acrescenta ele. Renato é irmão gêmeo de Roberto Fernandez, que também está trabalhando fora do país, como diretor de criação da BBH Londres.

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Outra vantagem expressa é que a “escola brasileira” ajuda a se “virar” em qualquer lugar. “O brasileiro faz seu trabalho acontecer com o cliente e o orçamento que for, porque esse é o único jeito de se sobressair. A competitividade para entrar e se firmar numa agência no Brasil é bem maior. Então, a gente já chega aqui treinado. Mas apesar da excelente reputação criativa do Brasil no mundo, é preciso entender que no exterior a cultura, os processos e objetivos são bem diferentes. E tem gente que não se adapta tão facilmente”, disse Fabio Seidl, que está desde o início de 2014 na Leo Burnett USA/Lapiz, em Chicago, como VP e diretor de criação executivo.

Segundo Christiano Neves, integrated creative director na JWT London, os convites para trabalhar fora são cada vez mais frequentes para os brasileiros.  “O fato de o Brasil ser uma das três maiores potências da propaganda mundial, com profissionais multidisciplinares, sempre munidos de uma imensa fome criativa, tem ajudado e muito para que esses convites no exterior aconteçam cada vez mais”, diz Neves.

Sangue nos olhos

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Tem também a chamada síndrome do underdog. “A gente trabalha mais, reclama menos. A gente tem muito mais sangue no olho que a média aqui, então acaba se dando bem. Acho que as gerações anteriores construíram uma excelente reputação em relação ao nosso trabalho criativo, por isso a gente é super bem visto”, opina Ronaldo Tavares, que está na Saatchi & Saatchi de Londres como associate creative director.

Além disso, há ainda o chamado efeito “bola de neve”. “O brasileiro está, a cada dia que passa, se sentindo mais confiante. Cada um que sai e dá certo, serve de exemplo para vários outros e acaba virando uma bola de neve. Eu saí do Brasil porque primeiro, eu queria ter uma experiência internacional na carreira. Segundo, eu fiquei tentado pelo que tinha visto, lido e ouvido sobre o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho fora do Brasil, principalmente na Europa. Acho que ser dono de agência no Brasil agora deve estar mais difícil, porque a propaganda sempre perdeu talentos para outras áreas criativas, mas agora é a propaganda do Brasil perdendo para a propaganda de outros lugares”, avalia Tavares. Ele, que trabalha em Londres desde o começo deste ano, não faz planos. “Não tenho planos de voltar no momento. Sinto que acabei de chegar e não realizei nem 1% do que pretendo aqui. Ainda estou me acostumando a trabalhar em outro idioma, outro ritmo”.

Outra vantagem citada é a carga horária menos puxada. “A primeira (vantagem) é a quantidade infinitamente menor de horas que você trabalha. Isso dá espaço para tanta coisa, inclusive para ser mais eficiente. Quando você abre espaços, você acaba entregando mais e melhor em menos tempo. Outra é que aqui, tudo é mais organizado. Cliente, agência, atendimento, mídia, planejamento e fornecedores são de longe melhores administradores do tempo. Isso significa mais prazo, processos claros e entrega mais consistente”, completa Tavares.

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Em comum, os entrevistados dizem que aconselham os mais jovens a terem uma experiência internacional. “Além das vantagens de vida, que essas são impossíveis de numerar, temos a profissional, com a formação de um profissional mais global e muito mais completo, em razão de uma nova cultura, língua, mercado, dinâmica. Já as desvantagens, que existem, é claro, estão o processo que é mais longo, reuniões e muitas pesquisas, que acredito que vem também para fortalecer a casca do profissional. Viver estes lados tão distintos da moeda e sair satisfeito com o trabalho desenvolvido, me dão a sensação de que, independente de vantagens e desvantagens, vivi modelos e experiências que me fazem acreditar muito no que ainda está por vir”, avalia Neves, que está desde 2008 fora do Brasil.

“Base” brasileira

Além da crise e dos salários melhores no momento, a vontade de ter uma experiência fora como parte do crescimento profissional continua sendo um dos motivos que levam tantos publicitários para outros países, porém, os mais experientes lembram sobre a importância de ter uma “base” brasileira. “Acho válido. No caso dos talentos mais jovens, para mim é meio como o futebol: só acho um desperdício sair sem ter uma ‘base’ brasileira. Para quem é mais novo, antes de pensar em sair, vale tentar trabalhar e aprender com os craques no Brasil: Nizan, Washington, Fabio Fernandes, estar numa Almap, Ogilvy, FCB, numa Leo. Nem sempre é possível, claro, mas pode mudar sua maneira de pensar e se qualificar”, contextualiza Seidl.

Seidl vive hoje em Chicago sua segunda experiência internacional. “Saí duas vezes. A primeira para a Europa, para a McCann Portugal, para poder viajar, conhecer outras culturas, aprender a fazer as coisas de outro jeito. Esta segunda, para a Leo Burnett nos EUA, teve o lado pessoal, da família, e o profissional, pela a oportunidade de estar à frente de um projeto ambicioso em uma grande agência global. Estou feliz nos EUA e focado em fazer um bom trabalho aqui. E depois de algum tempo, aprendi que além do ‘quando’ e ‘por que’, é fundamental se perguntar também o ‘onde, como e com quem’, qualquer que seja o país”, completa ele.  Antes de partir para Chicago, Seidl integrou a equipe criativa de elite que levou a Ogilvy São Paulo a ser Agência do Ano em Cannes em 2013, com “Retratos da real beleza”, para Dove, um dos cases mais premiados na história da publicidade mundial.

“Queria uma experiência internacional na minha carreira. Fiquei na AlmapBBDO por 11 anos, um sonho para mim, mas eu precisava dar um passo adiante. Estava buscando também entender sobre uma nova ótica como trabalhar com grandes marcas, e como trabalhar com mídias sociais e digitais com mais profundidade, e os Estados Unidos são o benchmark nessas áreas. Mas creio que o que pesou mais foi a oportunidade de transformar meus filhos em cidadãos do mundo. Quatro anos depois, tenho certeza que fiz a coisa certa”, acrescenta Renato Fernandez.

“Bope da propaganda”

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A performance criativa da propaganda brasileira em print é reconhecida internacionalmente, o que também contribuiu para os convites aos diretores de arte brasileiros. “É ótimo estar aqui como diretor de arte. Diretores de arte brasileiros são considerados os melhores do mundo. Nossa escola de mídia impressa é muito forte. O que faz a gente ter um pensamento muito mais conciso e objetivo. Sem falar que somos treinados no Bope da propaganda mundial. Se você sobrevive a uma agência brasileira, você sobrevive em qualquer agência do mundo”, reforça Lucas Heck, associate creative director/art diretor da J.Walter Thompson Atlanta há quatro meses.

Heck também cita as “horas mais amenas de trabalho”.  “Aqui nos EUA saio todo dia às 17h30 da tarde e consigo ver minha família. Não lembro no Brasil um dia que saí antes das 21h da noite da agência”. O ritmo também é outro. “Um trabalho seu provavelmente vai demorar seis meses a um ano para você ver na rua. E a campanha que você tinha três dias para fazer no Brasil, aqui você tem três meses”, completa Heck, que faz dupla na agência de Atlanta com o brasileiro Marcos Piccinini.

Para Piccinini, sempre houve demanda de criativos bons no exterior, “mas só atualmente que a maioria das agências começou a perder medos e derrubar barreiras culturais e linguísticas”. “No passado, nas agências de fora que busquei oportunidade, a resposta sempre foi: ‘é difícil contratarem redatores que não sejam nativos em inglês’. Parece que começaram a perceber as várias vantagens e as poucas desvantagens, e por isso oferecem mais vagas”, falou ele.

O criativo diz que sua impressão é que há um respeito maior pelo setor, dentro e fora da agência. “Os clientes dão mais prazo, mais verba, e escutam bem mais. E por isso, todos os passos da agência são planejados, e horários são respeitados. A desvantagem disso é que estamos tão acostumados com a pastelaria que pode ser um pouco frustrante não ver suas coisas na rua de imediato. Outra desvantagem é o óbvio: família e amigos. Tive a sorte de vir com um grande camarada, que forma dupla comigo, e ainda encontrar mais um amigo de longa data aqui. Mas a distância pesa”, finaliza Piccinini.