Ferreira: a situação mais comum era a autocensura

 

Nesta segunda-feira (31), o golpe militar que culminou na instauração da ditadura no país completa 50 anos. Muitas pessoas foram torturadas e mortas por se oporem ao regime, que fechou o Congresso Nacional três vezes, censurou a imprensa e outros setores da economia – como a propaganda, que tinha que driblar a fiscalização dos generais. Um dos fundadores da DPZ,  Roberto Duailibi, por exemplo, contou que teve algumas experiências com a censura durante a ditadura. De acordo com ele, “todas dramáticas, embora, muitas vezes, hilárias, tal o desespero e o desconhecimento da publicidade por parte de alguns censores”.

Duailibi lembrou que, na primeira vez que enfrentamos a censura, ela era recém-imposta ao país e, portanto, ninguém tinha prática alguma. “Vivíamos um ambiente com atentados por parte da guerrilha urbana, um erro de cálculo político brasileiro. Naquela ocasião, nos anos 70, tínhamos como cliente o supermercado Peg-Pag, que estava completando 17 anos. Então, fizemos um anúncio cujo slogan era ‘Loucuras que a gente faz aos 17 anos’”.

Duailibi: desconhecimento da publicidade por parte de alguns censoresO publicitário explicou que, em uma página, a peça trazia as “loucuras” que um rapaz fazia aos 17 anos e, em outra, as “loucuras” que uma moça fazia nessa idade. Entre as ações do rapaz estava pegar a chave do carro do pai e dar uma voltinha. Já entre as loucuras da moça, namorar atrás da igreja. “Nada demais, porém, a agência foi chamada a prestar declarações na sede da Polícia Federal. Eles alegaram que a peça incitava os jovens ao crime. Abriram um processo contra os envolvidos. Havia, na verdade, uma clara intenção de enquadrar a propaganda dentro dos valores que eles achavam válidos”.

Duailibi contou que foi preciso contratar o advogado José Carlos Dias, naquela época envolvido com a defesa dos perseguidos políticos, para defender a causa. Além disso, três pessoas foram chamadas como testemunhas de defesa: o poeta Mário Chamie, o professor Pietro Maria Bardi, idealizador e criador do Masp (Museu de Arte de São Paulo), e Jô Soares. “Essas testemunhas foram extremamente corajosas e, no final, fomos absolvidos”. Segundo Duailibi, como os censores não tinham conhecimento algum sobre propaganda e a perseguição foi implacável em relação a diversos colegas, “uma tentativa absurda que só criou angústias, despesas e chateações”.

O publicitário Neil Ferreira também lembrou os reflexos da censura na publicidade. Mas, segundo ele, a principal retaliação começava em casa. “A situação mais comum era a autocensura da maioria dos executivos das agências e da quase totalidade dos executivos dos clientes”. No entanto, ele cita alguns casos reais de censura que marcaram sua carreira. Um deles aconteceu quando era diretor de criação da SGB e a principal conta em São Paulo era a da Fábrica de Brinquedos Estrela. A marca ia lançar um jogo e todo o pacote de comunicação foi solicitado pela censura para aprovação. Depois de três meses e de nenhum retorno dos militares, ele contou que a agência ficou sabendo que a liberação pela censura havia empacado no nome do produto: “Opinião”. Segundo os censores, o termo podia gerar “pensamentos subversivos”.

Outro acontecimento foi quando ele foi contratado para ser diretor de criação da Norton Publicidade, que era presidida por Geraldo Alonso. Na ocasião, Ferreira foi incumbido de contratar os melhores profissionais para trabalhar na agência. “Para divulgar as tais contratações, foi criado um anúncio, intitulado ‘Os subversivos’, para ser publicado em mídia de massa em pleno regime militar, em que só de pensar nessa palavra dava cadeia”. Segundo Ferreira, eram cinco os contratados. Além dele, havia o Carlinhos Wagner, Anibal Guastavino, José Fontoura da Costa e Jarbas José de Souza. “Por conta da peça, a agência foi chamada para prestar esclarecimento e teve que ter muito jogo de cintura para ser liberada”.

Autocensura

Olivetto: enorme prepotência dos censoresO publicitário Washington Olivetto, chairman da WMcCann, também reforçou que a propaganda sempre foi, por si só, uma atividade extremamente autocensurada. Segundo ele, antes de chegar ao público, ela é avaliada pelos próprios criadores e, principalmente, pelos anunciantes. Mas, além disso, na época da ditadura, ainda havia vários problemas com a censura oficial, a governamental. “A maior parte deles, gerados pela profunda ignorância e enorme prepotência dos censores”, reforça.

Ele lembrou que, no lançamento do absorvente higiênico O.B., da Johnson & Johnson, por exemplo, os censores ameaçaram recolher a revista Veja das bancas. Segundo o publicitário, tudo aconteceu porque o texto do anúncio de lançamento do produto trazia escrita a palavra “menstruação”. “Depois de muita negociação, a revista não foi recolhida, mas a palavra teve de ser eliminada dos textos dos outros anúncios da campanha”.

Outra situação lembrada por Olivetto foi por conta de um anúncio de jornal, criado por ele. A peça trazia o texto: “Venha ver os ricos caírem do cavalo”, e não pôde ser veiculada uma segunda vez, devido a ameaças anônimas. “Mais uma prova da ignorância, da prepotência, da arbitrariedade e do provincianismo”, classificou. Olivetto lembrou ainda que o governo usava bastante a propaganda para se promover, mas a maioria dos profissionais via as campanhas com enorme desprezo, como “Brasil. Ame-o ou deixei-o”, ou “Este é um país que vai pra frente”. Para ele, “muitas dessas campanhas eram criadas por militares brincando de publicitários”.

Hiran Castelo Branco, vice-presidente institucional da ESPM, contou que, apesar de todos os percalços, foi um ano de crescimento bastante acelerado. Segundo ele, a economia ia muito bem, o que acabou alavancando muitos setores, inclusive a publicidade, que era uma ferramenta importante para a conquista do mercado e na disputa comercial entre as marcas. Ele lembrou também que as agências tinham um mercado criativo forte e dinâmico e, de uma maneira geral, ficavam longe do que acontecia na política.