Há alguns anos, os rappers colocaram os pés pela primeira vez na TV Globo, sob aplausos e protestos dos adeptos do gênero. A vez agora é dos evangélicos, com a música gospel. Na maior investida desse segmento na emissora, a Globo alcançou 13 pontos de audiência no Ibope, no domingo, 18 de dezembro de 2011, ao exibir um especial com trechos do Festival Promessas, gravado no dia 10 do mesmo mês, na capital fluminense. Lá, os números foram ainda melhores: 20 pontos.

A realização do Festival do Rio de Janeiro ocorreu sob a batuta da Globo, com produção da Geo Eventos e curadoria da Som Livre, responsável pela seleção dos artistas. Entre as atrações, Fernanda Brum, Ludmila Ferber, Diante do Trono e Regis Danese. A ação, com ampla cobertura por veículos das Organizações Globo, reuniu cerca de 20 mil pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar. Causou surpresa para muitos e furor entre os próprios evangélicos: alguns favoráveis. O polêmico pastor Silas Malafaia aproveitou a circunstância para alfinetar a Record, no Twitter:  “A Record não acreditou nos evangélicos, a Globo acreditou e arrebentou na audiência!!!”. Em novembro, a Geo Eventos já havia promovido a primeira edição do Troféu Promessas para premiar os melhores artistas da música gospel.

Para a Globo, essa é uma demonstração da postura “laica” da emissora. Uma forma de dar atenção a um gênero em ascensão. “Como tal, [a Globo] procura abrir espaço de acordo com o interesse público. Não podemos deixar de reconhecer a força artística crescente desse segmento da música popular brasileira. O segmento gospel, ao lado do sertanejo universitário, é um dos mais populares e que mais crescem no Brasil. É um fenômeno de cultura popular fortíssimo. Nada mais natural também do que uma presença maior no nosso vídeo”, afirmou a Central Globo de Comunicação à reportagem.

A emissora carioca lembra ainda que músicos do gênero gospel já passaram por programas como Faustão, Xuxa e Show da Virada. E finaliza com: “o festival é um passo a mais nesse sentido e esperamos que seja apenas a primeira de muitas iniciativas do gênero”. O surgimento do Padre Marcelo Rossi como ícone pop da igreja católica, com a renovação carismática, arregimentou um público católico para a emissora até os dias atuais. Hoje, o religioso conta com programa na TV Globo e na Rádio Globo. O seu livro “Ágape”, lançado pela editora Globo, aparece entre os mais vendidos, além do CD homônimo, pela Sony Music.

De qualquer forma, o que a Globo faz é olhar um público em ascensão, tanto pelo viés de número de adeptos quanto pelo potencial financeiro. “As emissoras percebem esta possibilidade e abrem uma nova programação. É uma forma de começar a trazer novos anunciantes também. Há uma oportunidade de negócios e o universo dos shows deve ser um primeiro passo”, analisa a professora Selma Felerico, coordenadora de comunicação na pós-graduação da ESPM. Para ela, é também uma forma de apresentar um produto sem assumir uma postura religiosa.

A reportagem do propmark entrou em contato com o SBT, que afirmou não ter em vista nenhum produto para atender a este público. A Record não quis comentar o assunto. A emissora, do bispo Edir Macedo, estreia no próximo dia 24 mais uma minissérie inspirada em histórias biblicas: “Rei Davi”, com investimento de R$ 25 milhões. Anteriormente, já foram veiculados “Sansão e Dalila” e “A história de Esther”.

Mapa da religião

Atualmente, os protestantes representam mais de 20% da população brasileira, de acordo com o levantamento do “Novo Mapa das religiões”, de 2009, coordenado pelo economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas). O número representa quase três vezes o número de habitantes de Portugal. Pelo Relatório do Futurismo, de A Ponte Estratégia, o número de evangélicos chegaria a 50% da população em 2020, se mantivesse o fôlego da expansão vista nos últimos 40 anos. André Torretta, sócio-fundador da consultoria, aponta que o número agora será menor, devido ao arrefecimento a partir de 2007. Independentemente disso, não é possível desprezar uma quantidade elevada de pessoas, com identidade tão forte.

“As primeiras marcas que estabelecerem diálogos com este público terão uma resposta bacana de retenção deste público”, afirma Leonardo Ganem, presidente da Geo Eventos, empresa resultante da parceria entre as Organizações Globo e o Grupo RBS. Como exemplo, ele cita a Som Livre que em 2008 começou a abrir espaços para artistas do universo gospel. O próprio nome “Promessas” vem de um projeto de coletânea de música gospel desenvolvido pela gravadora. “A receptividade é enorme”, diz Ganem, que presidiu a Som Livre antes de assumir a Geo.

Em 2010, o mercado gospel registrou faturamento de 1,5 bilhão. Para 2011 – número não fechado ainda –, a estimativa de crescimento era de 33%, com o número atingindo a cifra de R$ 2 bilhões. A área de produtos  cristãos tem faturamento estimado em R$ 12 bilhões anualmente. A produção de livros religiosos apontou alta de 39,2% em 2010.

Para o executivo da Geo, o mercado publicitário tem dificuldade para dialogar com  os evangélicos. “Acho que o mercado ainda está tateando uma aproximação com cuidado. De maneira geral, não é que as marcas tenham um problema específico com o público evangélico. Elas não querem se associar definitivamente com nenhuma religião por medo de, com isso, se distanciar de outros grupos”, disse, ao ser questionado sobre obstáculos para captação de patrocínios. De acordo com ele, em alguns mercados, como o de telecomunicações, a tensão, com o receio de perda de público ao patrocinar eventos para esta comunidade, é menor. “À medida que as marcas forem se acostumando a ver que este é um grande segmento e, na verdade, é um público consumidor gigantesco, eu acho que nós iremos romper essa barreira que existe hoje naturalmente”.

O crescimento em visibilidade dos evangélicos está muito associado à própria expansão econômica do país. Muitas das pessoas que chegaram à nova classe média são praticantes de igrejas evangélicas. “Este empoderamento passa também pela religião. Nós precisamos segmentar mais. É um processo de um país que fica rico. Onde o capitalismo é mais avançado, existe mais divisão”, explica Torretta. De acordo com ele, há também um processo inverso: a mudança de perfil nos grupos evangélicos. Hoje são menos “radicais”, uma forma de atrair mais pessoas. Como exemplo, a Bola de Neve e a Renascer. Para ele, a grande surpresa é a “Globo entrar” neste campo de diálogo. “A tendência é falar com todo o Brasil”, diz o publicitário, ao abordar que, assim como nos Estados Unidos e na Europa, os veículos precisam conversar mais com a população de nível médio.

Mesmo com o potencial crescente, Torretta apresenta um olhar menos pragmático sobre o fenômeno. “Não necessariamente as marcas precisam focar neste público, mas também não precisa espantá-lo”. Ele afirma, porém, que em alguns segmentos, como o vestuário feminino, as marcas devem ter, sim, uma atenção: roupas mais recatadas, por exemplo. O mercado de bebidas deve ser um dos mais impactados com a expansão do protestantismo.

Júnior Monteiro, diretor do Ministério de Louvor Diante do Trono, que conta com a banda Diante do Trono, afirmou que as marcas devem ser zelosas aos valores evangélicos ao desenvolverem ações destinadas a este público. “Somos consumidores com valores cristãos e, por consequência, qualquer ação de marketing que busque ser eficiente em nos atingir deve levar em consideração os valores éticos e comportamentais dos evangélicos para criar e desenvolver sua comunicação com esse público”. E completou afirmando que esse é um mercado que merece “o máximo possível” no desenvolvimento de ações pelas marcas.

por Marcos Bonfim