Se há uma palavra que representa o atual momento do mercado publicitário brasileiro para Marcello Serpa, sócio e diretor de criação da AlmapBBDO, ela é “perversa”. Esse foi o termo mais utilizado em sua palestra no Festival do CCSP (Clube de Criação de São Paulo), neste domingo (2), em que tratou de temas polêmicos que dominam o setor, como pesquisas, concorrências, prêmios e desafios, e afirmou que a indústria, incluindo criação, agência e cliente,  “está com medo”.

Segundo Serpa, no caso do anunciante, o receio é de que o consumidor não goste da campanha. “Tem que ter vontade e saber o que quer”. Sobre concorrências, ele disse que já pediu e pede “às agências para que discutamos mais profundamente esse processo para ver como isso prejudica o nosso mercado”. De acordo com o profissional, hoje há processos em que cerca de 10 agências disputam uma conta com investimentos em torno de R$ 2 milhões. “Isso não faz sentido”, para depois completar: “eu não acredito em concorrência”.

Quando a Almap optou por não participar dessas disputas, de acordo com ele, o setor apontou um certa arrogância, logo que a agência já trabalha com clientes grandes. Serpa argumentou, contudo, que a opção surgiu por não querer entregar o trabalho da agência de graça e, além disso, por não desejar criar um espaço dentro da Almap dedicado às concorrências. “Hoje, as agências gastam 1/3 do seu tempo com um jogo que muitas vezes já está definido anteriormente”.

Para ele, o mercado está se vendendo muito barato e aceitando coisas, em nome do crescimento, de ser mais premiado ou de ser melhor que outras agências, que não seriam “aceitáveis”. Esse quadro, denominado de “perverso”, acaba por contaminar toda a cadeia produtiva — ao passo que as agências grandes aceitam entrar neste jogo a situação repercute também nas médias e pequenas. “Isso impede que o mercado se abra porque as agências estão sempre com a corda no pescoço”.

O publicitário também criticou o atual sentimento para o mercado quando o assunto é a conquista de prêmios. “Nós estamos vivendo uma momento completamente distorcido do que um prêmio significa para a nossa profissão”. O problema, de acordo com o profissional, surge a partir do momento em que a premiação vira um objetivo, que garantirá um resultado financeiro ao vencedor, e não retrata mais a busca pelo reconhecimento de um trabalho. Isso decorre de um mundo repleto de política de metas, algo visto em vários setores do economia global. “O que significa para um diretor de criação tem uma meta? Que as pessoas farão qualquer coisa para obter os seus resultados”.

Segundo Serpa, que está entre os mais premiados criativos do país, essa é a principal discussão do mercado sobre o item, ocupando a atenção dada aos chamados “fantasmas”. O sócio da Almap acredita que os “fantasmas” sejam perversos para a alma da agência e, no médio e longo prazo, por fazer com que os profissionais não tenham comprometimento com as campanhas que vão para a rua. “O Brasil não está passando imagem ruim. Acho que o mercado publicitário como um todo está passando a imagem ruim de si própria”.

Outra questão que envolve o estado das coisas da profissão são as pesquisas, sobre as quais o publicitário também teceu os seus comentários. “Eu sou contra e bato todos os dias em pesquisas quando percebo que funcionam apenas como salvaguarda para os executivos. E sou a favor quando permitem conhecer os consumidores e dá ideias para criarmos campanhas maravilhosas”.

Para o sócio da Almap, as mudanças na economia brasileira elevaram o país a um patamar que traz consigo mais exigências e para o qual as agências não estavam preparadas, o que inclui as pesquisas.  “Precisamos aprender a jogar a partida de gente grande”. Ele salientou que os outros países também passam por isso e, da mesma forma, os profissionais de tais mercados sabem “que é uma idiotice” que funciona como uma “rede de segurança para o terceiro nível do management” das empresas. “Acho que todos nós devemos lutar por um tipo de pesquisa que é saudável”.

Desafios

Entre os desafios da indústria apontados por Serpa, o maior deles é receber o valor correto pelas “ideias”, que seria a “única maneira de defender o nosso negócio”. Para isso, o publicitário defendeu que o mercado precisa criar mecanismo que garanta o recebimento adequado por suas ações.

Ele pediu aos profissionais que se assumam como vendedores, em uma atividade em que a ideia é a ferramenta para trabalhar a percepção de marca dos clientes. “O nosso negócio é vender e fazer isso bem”. De acordo com o criativo, é preciso quebrar o ciclo de campanhas medíocres para o dia a dia e ideias brilhantes apenas para ganhar prêmios. E ainda que os criativos cobrem das agências que não “baixem tanto as calças”, seja em concorrências ou em “campanhas”.

Ele elencou, por fim, a falta de empreendedorismo das novas gerações de publicitários. Lembrou que na sua época as agências criaram o futuro do mercado, período em que despontaram nomes como Washington Olivetto, chairman da WMcCann; Nizan Guanaes, chairman do Grupo ABC; Fábio Fernandes, presidente e diretor de criação da F/Nazca S&S; e ele próprio — algo que não aconteceu com  a geração que os sucedeu, com raras exceções como José Borghi e Erh Ray. “Estamos em um momento de encruzilhada, com um gap geracional que considero muito grave. Estão faltando as coisas acontecerem”.