Tenho um amigo que é sócio de um escritório de advocacia em Miami. Ele se mudou para lá faz alguns anos e raramente nos vemos. Certo dia, estávamos conversando sobre um de seus clientes, um fabricante de cigarros muito baratos, feitos para quem não tem grana e, ainda assim, faz questão de fumar.
Ele me disse que o produto é horroroso: do aspecto à matéria-prima, que tudo é feito da pior maneira possível. Para que eu entendesse o quanto era ruim, ele citou o fabricante. “É muito fácil reconhecer quando pirateiam o meu produto. O pirata é muito melhor que aquele que eu produzo. Já dá pra ver pela embalagem!”, disse ele. Na hora, rimos. Mas até hoje tenho arrepios de pensar que esse é o destino de muitos profissionais, seja de propaganda, seja de qualquer outra área: trabalhar tendo como regra a falta de qualidade.
Para quem, como eu, trabalha em propaganda, a qualidade na execução é a garantia de que, na ponta da linha de produção, sairá algo único e mobilizador. John Hegarty costuma dizer que propaganda é 80% de uma boa ideia e 80% da execução. E ele fala isso porque sabe que a execução é um aditivo para que nossas campanhas realmente tenham seu efeito máximo. A qualidade da execução é fundamental, pois está nela o poder de convencimento. As pessoas tendem a se levar por argumentos que, além de inteligentes, carreguem neles um esforço. E a trilha sonora, o sound design, a locução, a fotografia, o casting – ou os modelos – são esse esforço.
Outra coisa que se comenta pouco é a vantagem competitiva da qualidade na execução. Um filme de Hollywood e um filme publicitário são, ambos, ideias. Uma campanha de um produto não compete contra a campanha de um produto concorrente apenas. Muito pelo contrário, ela compete com todo o conteúdo que é produzido pelo canal de TV em que está sendo veiculada, por exemplo. Um anúncio compete com as fotos das matérias da revista; um spot de rádio com as músicas ou a performance do radialista. Ora, se o pre-roll não competisse com o conteúdo que você buscou no YouTube, não haveria necessidade de uma contagem regressiva no canto da tela te lembrando de quando pode acabar, não é mesmo?
Temos discutido cada vez mais como as marcas passaram a ser produtoras de conteúdo, e não só anunciantes. E não acho que esse papo seja apenas acadêmico, estamos vendo de fato isso acontecer. E, cada vez mais, a propaganda será comparada com o conteúdo que as pessoas escolhem ver: filmes, música, livros, conteúdo editorial, animações e, claro, games. Algumas empresas que estão entrando nessa apostam pesado na qualidade das ideias e da execução. Bem mais que a maioria dos anunciantes e suas mesas de compra, e isso é preocupante.
O Ali Baba, por exemplo, entrou no ramo do cinema e produziu o terceiro filme da franquia Missão Impossível. O YouTube tem investido cada vez mais em talento humano com os seus top creators – nesse caso, talento é a qualidade. Já a Netflix virou sinônimo de qualidade com suas séries e documentários e não tem poupado esforços em atrair atores e roteiristas consagrados para o seu jeito de pesquisar qual conteúdo é relevante, como produzir e distribuir. É com essa turma que a propaganda compete e convive. Por isso acho fundamental ter como inspiração a busca pela qualidade de produção. Precisa ser impecável ou perseguir isso incansavelmente. De uma música a uma foto. De um filme a um livro. De um site a um tuíte brilhante. Se tem qualidade, eu guardo na memória para tentar aplicar um dia com quem me contratou.
Qualidade na execução é o amplificador das boas ideias e a vantagem competitiva na gôndola de emoções que todo consumidor carrega em si.
Felipe Luchi é CCO na Lew’LaraTBWA