Em boa hora e graças a dois fatores preponderantes, em meio a muitos outros pontuais, o Cannes Lions resolveu tomar sérias providências já a partir da próxima versão do festival (18 a 22/6/18), no sentido de atender à comunidade publicitária mundial que dele participa anualmente, consagrando-o até aqui como o mais importante evento de premiações e palestras do setor em todo o planeta.

O PROPMARK, anteriormente Asteriscos, cobre o famoso festival desde o fim dos anos 1960 e, nesse longo período, só o viu crescer. Para os que não o acompanham de lá para cá, sempre é bom lembrar que teve início premiando apenas comerciais (filmes), em uma réplica ao famoso Festival do Cinema de Cannes e criado pela junção de produtores, exibidores e distribuidores em uma entidade de sigla SAWA (Screen Advertising World Association).

Havia também um movimento político no surgimento do festival, criando uma força de combate à proibição de muitos países europeus à projeção de comerciais nas salas de cinemas.

A Itália era mais rigorosa nessa proibição e muito por isso o festival no seu início passou a se realizar um ano em Cannes, outro em Veneza. Mas a crise política vivida pela Itália nesse período fez eclodir uma greve geral durante o festival de 1973 e os delegados de outros países viram-se em palpos de aranha com o país paralisado. A partir daí, adeus Veneza.

O primeiro país sul-americano a participar do festival foi a Argentina, cujas vitórias no mesmo e a mudança de um empresário alemão que atuava nesse país, vindo morar no Brasil, forjaram nosso interesse na competição. Refiro-me ao saudoso Victor Petersen, da CP Cinema e Publicidade do Brasil, cujos sócios majoritários eram os membros da família Severiano Ribeiro.

Agências e produtoras passaram a inscrever seus primeiros filmes em Cannes e poucos foram os prêmios nesse início da participação brasileira. Já se disse aqui que tínhamos problemas sérios de produção e dublagem para o inglês, apesar das nossas boas ideias e roteiros.

Vaias para alguns comerciais brasileiros mexeram com nossos brios e a partir daí aumentou-se o cuidado com a finalização dos comerciais, inclusive com as produtoras investindo muito em novos equipamentos.

Quando o Cannes Lions resolveu abrir para outras mídias, o Brasil transformou-se em concorrente respeitado no festival. Nossos avanços em outras mídias já estavam solidificados, tínhamos uma população profissional de excelentes ilustradores nas agências, um respeitável parque gráfico e, principalmente, doses elevadas de criatividade, no que o brasileiro sempre foi destacado.

Os anunciantes, que antes desdenhavam de Cannes, passaram a frequentá-lo, podendo assim não só exigir mais das suas agências, como também serem mais rigorosos na aprovação dos trabalhos.

Afinal, havia material lá fora para ser comparado.

Por outro lado, se o Cannes Lions já havia abrangido todas as mídias publicitárias, mudando de mãos resolveu abocanhar outros segmentos da comunicação, aumentando ainda mais o seu poder de fogo através da revolução proporcionada ao advertising pela mídia digital.

A fixação definitiva do festival em Cannes acelerou o seu processo de expansão, com a criação de novas categorias nas competições, a multiplicação de palestras de notáveis, com filas imensas às portas dos auditórios e a expansão do seu lado social, com deslumbrantes recepções ocupando os salões dos hotéis célebres da região, seus restaurantes campeões do Michelin e até mesmo uma invasão, embora controlada, das restritas areias das praias de Cannes.

O crescimento do Cannes Lions não se deteve, proporcionando à sua empresa concessionária lucros jamais revelados, mas facilmente imaginados.

O aumento de delegados de todo o planeta trouxe um novo/velho problema que circunda esses megaeventos famosos: a falta de acomodações para todos os inscritos no festival. Isso acabou por se transformar em “somente” mais um dos grandes problemas do Cannes Lions.

Mais recentemente, com a crise econômica mundial atingindo em cheio o setor publicitário, os financeiros das agências, produtoras e anunciantes passaram a apertar os responsáveis pelos diversos setores dessas empresas, pedindo contenção, algo difícil de ser atendido em uma atividade ainda glamorosa, que muito depende de ter seus players bem representados, em qualidade, mas também em quantidade.

Caberia a um grupo hoje mundial, mas de origem francesa, alertar os organizadores do festival para o risco do mais ser menos. O Publicis Group deu o alerta durante o Cannes Lions deste ano: até 2018 não participará de premiações onerosas, inclusive o Cannes Lions.

Entendendo o recado, o novo presidente da empresa organizadora do festival, o brasileiro José Papa Neto, até pela sua origem de um país que não se resolve entre a glória dos grandes feitos e a tragédia atomizada da nossa miséria diária, arregaçou as mangas e pôs-se a trabalhar para não só trazer o Publicis Group de volta a Cannes, como evitar que outros conglomerados multinacionais seguissem o tradicional comedimento francês.

Assim, viajaremos a Cannes em 2018, saindo de todas as partes do planeta, na certeza de que cinco dias serão suficientes para nos aprimorarmos em relação a tudo o que a comunicação do marketing mundial exibirá no Palais. Com a garantia de que voltaremos a rever tão somente o creme de la creme mundial, sem a gaiatice de figurantes inscritos apenas para fazer número, colaborando com o excesso e não com a vantagem fundamental que somente os ótimos podem oferecer.

Porque não foram reduzidos apenas os dias do Cannes Lions, mas algumas categorias criadas muito provavelmente para aumentar a arrecadação dos organizadores.

 

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Este Editorial é em homenagem a João Livi, que tem mantido nos produtos finais da Talent Marcel a qualidade criativa brasileira que encanta o mundo. Exemplos dessa assertiva são os seus recentes trabalhos, como os anteriores, para Postos Ipiranga e Tubos e Conexões Tigre.

Armando Ferrentini é presidente da Editora Referência, que publica o PROPMARK e as revistas Marketing e Propaganda (aferrentini@editorareferencia.com.br)