Meu time do coração é o Palmeiras. Meu pai e meu irmão, Carlos e José Carlos, torciam para o São Paulo. Minha irmã, Luiza, que chegou depois, também aderiu ao verde; mas, sem muito entusiasmo. Mas minha verdadeira paixão, mesmo, era o clube da cidade. No meu caso, Bauru, o BAC (Bauru Atlético Clube), onde tive o privilégio de jogar sob o comando de Waldemar de Brito, no infantil do Baquinho, junto com o Zoca, treinando todas as semanas contra o juvenil e trombando pelo campo com ele, Pelé.

E ainda, paixão redobrada pelo melhor time de futebol que vi jogar em minha vida, que quem não viu jamais verá qualquer manifestação próxima ou semelhante. O Baquinho do Pelé. Aquele mesmo que enfiou 8×1 no que supostamente era o melhor clube juvenil do país, o Flamengo, num domingo de manhã no campo do Juventus, na cidade de São Paulo. Assim era o Brasil, a Itália, a Inglaterra, a França, a Espanha, a Argentina. As primeiras gerações de torcedores apaixonavam-se pelos times mais próximos. Os da cidade ou da região. E aí a profissionalização foi tomando conta das principais agremiações, investidores começaram a se dar conta do valor de suas marcas, suportadas e impregnadas pela paixão de seus seguidores, e os clubes, muitos clubes, nesses países, converteram-se em tremendos negócios.

Nas duas últimas décadas, o futebol acabou servindo de lavanderia para o dinheiro do crime. Dos crimes de colarinho-branco e dos crimes da contravenção pesada, mesmo. E assim, rapidamente, os investidores russos foram se tornando donos de times e marcas da Europa, muito especialmente da Inglaterra e da França. E o que se viu é que os torcedores desses times, os apaixonados pela narrativa, tradição e história, independentemente de quem seja o novo dono, preservaram-se apaixonados. E até, de certa forma, gostaram das notícias e da injeção substancial de dinheiro para contratações, não importando a fonte, a origem, a procedência.

Até que semanas atrás veio a notícia. A China, um newcomer no território, que vem barbarizando o futebol global inflacionando ao inimaginável, e, acredito, insuportável, o valor e remuneração dos atletas, decidiu comprar o Milan. Por onde um dia, puxando a fila, brilharam os brasileiros Elisio Gabardo e Vicente Arnoni, nos anos 1930, egressos do Palmeiras; e na sequência José Altafini, que saiu daqui como Mazola, e Kaká, Dino Sani, Cafu, Dida, Leonardo, Serginho, Sormani, Thiago Silva e Amarildo, entre outros.

De verdade, há muito o Milan deixou de ser uma sociedade esportiva de sócios: era propriedade do empresário e político Silvio Berlusconi. E precisando de dinheiro para injetar em suas empresas decidiu vender o clube para um consórcio de investidores chineses liderados pelo bilionário Robin Li, fundador da empresa Baidu e sexto homem mais rico da China. O consórcio comprou 70% do Milan de Berlusconi por 400 milhões de euros. E ainda assumiu mais 400 milhões de euros em dívidas.

O que vai acontecer? O mesmo que com as empresas quando compradas por investidores sensíveis, inteligentes, capazes e acima de tudo conscientes do que compraram. Infelizmente, por enquanto, uma minoria. Preservam os motivos e razões que tornam marcas objetos de desejo, paixão e adesão, de seus seguidores, apóstolos e disseminadores. Preachers! Não alteram nem tentam reescrever a narrativa.

Apenas permitem e fortalecem sua sequência e continuidade. Muitas vezes, na maioria das vezes, preservando no comando pessoas que fazem parte da narrativa. Que ajudaram a escrevê-la. No caso de empresas, seus fundadores ou pessoas da família. No caso dos clubes, das marcas do futebol, os heróis responsáveis pelas principais e mais emblemáticas conquistas. Goste ou não, assim é o terceiro capítulo que vai se revelando da história do futebol. Ou ludopédio, como queriam e tentaram sem sucesso os tais de puristas da língua portuguesa incomodados com o anglicismo. Outros tempos. Enquanto existir a paixão, as marcas sobreviverão. Ainda que a propriedade legal seja de bandidos e contraventores.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)