A natureza do cidadão Jair Bolsonaro é polêmica. Se ele fosse um jogador de futebol profissional, seria louvado pela crônica, pois gosta de entrar em todas as divididas.
Hoje, porém, cabe-nos analisar o presidente da República e não apenas o cidadão. No mais alto posto da nação, para o qual foi eleito após uma campanha sórdida de alguns dos seus adversários, teve um primeiro dia de leão, lembrando uma frase atribuída a Benito Mussolini: “Mais vale um dia de leão do que cem anos de carneiro”.
O lado da nação que o elegeu presidente da República exultou, por ter trazido de volta nesse dia festivo para o país e o mundo (Dia da Confraternização Universal) referências aos símbolos maiores da pátria, como a bandeira, o hino e um patriótico discurso enaltecendo os valores da nossa nação gigantesca.
Teve ainda como coadjuvante, uma apresentação gloriosa da sua jovem mulher, expressando-se em libras (sigla de língua brasileira de sinais) e encantando não só o público presente ao ato, como também a milhões de telespectadores e usuários da internet, que reacendiam suas esperanças em um país melhor, liberto principalmente das práticas de corrupção que haviam se tornado infelizmente comuns em governos anteriores.
Ainda sofrendo as consequências de uma tentativa de homicídio, o presidente eleito e já empossado significava a esperança de um novo caminho para a condução dos destinos da pátria brasileira.
Seus primeiros dias de governança foram difíceis, pois a recuperação da sua saúde ainda deixava a desejar. Mas, aos poucos, o presidente Bolsonaro foi conseguindo se firmar no cargo, difícil de ser exercido se o titular tem a saúde abalada. No caso dele, abaladíssima.
Venceram, porém, as competências médicas e hospitalares, além da sua inegável força de vontade em recuperar-se fisicamente, voltando aos poucos a uma situação senão ótima, ao menos boa de saúde.
A partir daí, o presidente Bolsonaro passa lenta, mas gradativamente, a trazer-nos de volta à lembrança alguns atos espetaculosos de figuras presidenciais que foram já em sua época tidas como folclóricas. A principal delas para nós foi Jânio Quadros, que eleito presidente da República em fins de 1960, após carreira política meteórica (vereador, prefeito e governador em São Paulo), tomou posse em janeiro de 1961 e renunciou em fins de agosto desse mesmo ano, surpreendendo senão toda a nação, ao menos aqueles que não o conheciam bem.
Durante a sua curta permanência na Presidência da República, proibiu rinhas de galo e o uso de biquínis nas praias, além de condecorar Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul (na época Guevara ainda não era um mito como hoje, alimentado pelas esquerdas internacionais) e assinou dezenas de decretos-leis que fariam corar de vergonha qualquer brasileiro minimamente bem informado.
Jânio Quadros, na verdade um político calculista, gostava de “causar”, pois sabia que boa parte da nossa população ficava admirada com esses arroubos.
Foi pensando assim que decidiu renunciar, em um episódio que até hoje não encontra uma explicação lógica para o tresloucado gesto. Em busca de uma razão, que passava até por um momento de porre, viralizou-se uma saída que ele próprio usou em sua carta-renúncia: forças ocultas.
Estas jamais foram identificadas, mas permaneceram como uma desculpa frequente, quando encetou sua volta às lides políticas.
Não nos move aqui nenhuma intenção de comparar o presidente Jair Bolsonaro com Jânio Quadros, até porque são épocas completamente diferentes, mas vemos uma certa coincidência na atitude de “causar”, escolhendo como um dos seus alvos principais a publicidade, pois sabe, inteligente que é, que ao mexer com a atividade publicitária, mexe com a mídia, principal responsável pela formação da chamada opinião pública.
Ainda em janeiro, poucos dias passados da sua posse, condenou a prática das BVs (bonificação de volume), usual no mercado publicitário, garantindo às agências de propaganda um xis a mais na sua remuneração, através da frequência de uso dos meios de comunicação pelos clientes-anunciantes das mesmas.
Essa intenção de S.Exa. foi alvo de extenso editorial do PROPMARK, em nossa edição de 14/1/19 (data de capa).
O mercado reagiu, as agências, através das suas entidades, protestaram, alguns clientes-anunciantes manifestaram-se em defesa das suas agências, nenhum deles (ao menos publicamente) contra, e vida que segue. O presidente Bolsonaro desistiu da ideia, não mais tocando no assunto.
O mercado e o próprio público, porém, têm notado um esvaziamento na publicidade de governo, cuja soma total de verbas atinge mais de 10% do total dos investimentos publicitários em nosso país, sejam eles de empresas privadas ou de estatais, aqui incluídos os órgãos de administração direta do próprio governo (federal).
Mesmo nas de economia mista, onde prepondera o governo, a ação publicitária – uma das mais importantes ferramentas do marketing – ou desapareceu por completo ou tornou-se tão tênue que não marca presença.
Esse fato, lamentado por marqueteiros, publicitários, empresários e o público consumidor, que tem estranhado essa ausência, provocou um outro editorial nosso na edição de 15 de abril, sob o título Publicidade de Governo.
Nele, atribuíamos boa parte do distanciamento da Presidência da República e dos Ministérios a ela subordinados, além das empresas de economia mista, como a Petrobras, ao desgaste sofrido pelo próprio governo, relembrando o inesquecível Abelardo “Chacrinha” Barbosa: “Quem não se comunica, se trumbica”.
Os índices das recentes pesquisas de opinião aí estão para confirmar essa verdade palpável: a popularidade do governo Bolsonaro tem diminuído e nem de longe se fala em motivos espúrios.
Temos para nós que grande parte dessa reprovação pública se deve à ausência do governo nas mídias, através da publicidade.
Como se isso não bastasse, temos agora a participação direta do presidente da República, suspendendo a campanha do Banco do Brasil, após a veiculação (uma das mais curtas da história recente do banco) do comercial Selfie, justificado pela própria ação dos personagens do comercial, tirando selfies com facilidade, lembrando a mesma facilidade para abrir uma conta no Banco do Brasil. Uma ideia simples e convincente.
Chegamos a ouvir de uma pessoa bem informada junto as hostes governamentais que a diversidade apresentada no comercial está mais para a filosofia petista do que a do novo governo…
O comercial teve curta exposição na mídia, tendo sido retirado, segundo todo o noticiário da imprensa diária e nossas próprias fontes, por ordem direta do presidente da República ao presidente do Banco do Brasil, que a executou demitindo inclusive o diretor de marketing do anunciante.
Para emoldurar ainda mais esse quadro, no encerramento desta edição chega-nos a notícia de que, daqui para frente, todas as campanhas de governo (federal) deverão ser submetidas previamente à aprovação da Secom, comandada pelo ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz.
Temos para nós que não se trata da decisão mais correta, tendo em vista principalmente o volume da publicidade de governo, se essa importante ferramenta do marketing (no caso, oficial) for de fato utilizada devidamente.
A questão toda neste momento se resume em saber se o governo federal deseja mais ou menos luz.
Voltando ao Velho Guerreiro, quem não se comunica…
Armando Ferrentini é presidente da Editora Referência, que publica o PROPMARK e as revistas Marketing e Propaganda (aferrentini@editorareferencia.com.br).