Na semana passada, estive no evento do Grupo de Atendimento (GA) e, enquanto assistia ao painel sobre “O valor das agências”, me lembrei de uma palestra apresentada no SXSW em 2014. Rachel Maddow, âncora da MSNBC, falava sobre a “despersonalização” das guerras, um tema distante da nossa realidade. Ela falou de algo que parecia óbvio naquele momento, mas que aparentemente a sociedade americana não estava vendo: que o fato das guerras hoje serem travadas “ao apertar de um botão”, com baixo envolvimento humano, estava fazendo com que os americanos se importassem muito pouco (ou nada) com elas.
Antes, os soldados iam para o front. Viam a guerra de perto e lutavam por suas vidas. Mães e pais perdiam os seus filhos nos confrontos. A comida era racionada. Agora, na guerra travada pelos drones, a realidade é diferente. Tudo o que se vê é a fumacinha dos alvos inimigos – cheios de gente dentro, mas lááá longe – por meio de uma tela. Muito menos real, muito menos pessoal.
E é justamente aí que os temas dos painéis se encontraram com a minha memória. Parei para refletir sobre o quanto as relações da nossa indústria estão, à sua maneira, se “despersonalizando”. Quando Aurélio Lopes, da FCB, e Agricio Neto, da Sky, falaram sobre a parceria de sucesso de suas empresas, eles destacaram a importância da conversa periódica entre os presidentes da agência e do cliente. Falaram ainda sobre a importância de compartilhar, nesses encontros, as informações sensíveis, de curto e longo prazos, que podem afetar o desempenho do anunciante. E a gente sabe: quando existe dedicação sênior do lado da agência e ela encontra eco no cliente, as relações e o trabalho ganham.
A “despersonalização” é latente, por exemplo, nas concorrências. Vemos clientes convidando de sete a dez agências para participarem de processos com prazos tão curtos que poderiam quase ser renomeados de hackathons. E se hackathons podem ser incríveis para resolver questões específicas, não são necessariamente a melhor forma de se escolher parcerias duradouras. É preciso enxergar valores comuns, haver química, não só entre as necessidades dos clientes e o perfil da agência, mas também entre as pessoas. Já existem metodologias disponíveis para isso – basta disseminar o seu uso. A nossa indústria precisa falar mais entre si se quer melhorar os processos de seleção.
A “despersonalização” está presente também no dia a dia, com períodos curtíssimos para se entregar os projetos, além da famosa pergunta: “mas a agência não trabalha aos fins de semana?” A agência não trabalha. Pessoas trabalham. De longe, ninguém lembra que fazer uma pessoa trabalhar aos fins de semana significa exigir que ela abra mão do convívio com a sua família, do tempo para descansar e de ser, novamente, um profissional competente na segunda-feira.
Por fim, se a tecnologia nos ajuda a ganhar produtividade e eficiência, seja pelo e-mail ou pelo WhatsApp, ela também nos distancia de uma boa conversa. E é com bons papos que sustentamos boas e sólidas parcerias. Penso que uma boa “resolução de final de ano” para o nosso mercado poderia ser aumentar o número de conversas pessoais que temos com os clientes e prospects e o tempo que gastamos conversando. Será desafiador, com certeza, mas é como disse Chacrinha, cuja pérola de sabedoria batizou este texto: nosso preço a pagar por não aceitar o desafio pode ser alto demais.
Juliana Nascimento é CBO da F.biz