Mas como, já é Natal? Ontem mesmo era Carnaval. Graças a Deus não tenho mais que escrever anúncios de Natal. Nem cartões de Natal. Acho que devo ter escrito alguns milhares deles, a maioria muito ruins. E dos poucos que me orgulho não guardei nenhum. Pena. A minha caixa de entrada já começa a receber coisas sobre a data. Tão ruins como as que eu fazia antigamente. Piegas, alambicadas, falsamente otimistas. Tá bom, tá bom, assim como as minhas obras, algumas mensagens são inteligentes. As chamadas honrosas exceções. Um dos textos que recebi há dois natais, imprimi e guardei. É uma história muito engraçada reproduzindo a cartinha para o Papai Noel escrita por um garoto muito mal-educado. Quem me mandou achou que, pelo estilo, o garoto deveria ser eu mesmo. Não, não fui eu quem escrevi. Mas bem poderia ter sido eu, há muitos anos, quando eu acreditava em Papai Noel e no PT.

Aqui está a tal carta:

Carta-resposta a Noel – Você, na certa, vai achar estranho te escrever hoje, 26 de dezembro. Mas quero falar da minha reação ao receber os presentes que você deixou na minha árvore ontem, dia de Natal.

Como você bem se recorda, eu tinha pedido uma bicicleta, um trem elétrico, um videogame, um smartphone e um par de patins.

Pois bem, quero lhe informar que durante o ano passado me matei de estudar, fui um dos primeiros da turma, tirei dez em todas as matérias. Ouso afirmar que ninguém se comportou melhor do que eu, nem com os pais, nem com os irmãos, nem com os vizinhos.

Tem mais. Cumpri as minhas tarefas e obrigações sem cobrar. Ajudei velhinhos a atravessar as ruas. Esforcei-me de verdade para ser bom e gentil com os meus semelhantes. Doei sangue, participei de mutirões para limpar o rio do meu bairro e levei um quilo de alimento não perecível para todas as festinhas que meus colegas fizeram. Além de bom menino fui bom cidadão, pois o futuro da sociedade depende de nós.

Mesmo assim, com uma tremenda cara-de-pau, você, Papai Noel de bosta, me deixou debaixo da árvore a porcaria de um pião, uma porra de uma corneta e uma merda de um par de meias. E um livro falando de um garoto que se perdeu na floresta. Seu barrigudo miserável de uma figa! Eu me comporto como um imbecil de merda o ano inteiro e você me faz uma putaria dessas? E, o que é pior, ao filho da vizinha, esse escroto sem educação, malcriado e desobediente, que grita com a mãe e chama o pai de corno, para esse anormal você trouxe tudo o que ele pediu.

Por isso eu estou desejando, do fundo de minha alma, que aconteça um terremoto para irmos todos à puta que nos pariu, já que com um Papai Noel incompetente e retardado como você é melhor que a terra nos engula. Mas não deixe de vir no Natal do ano que vem, pois eu pretendo arrebentar a pedradas as putas das tuas renas. Começando pelo Rudolph, que é uma bicha enrustida, covarde. Tem chifre de viado, focinho de viado, pata de viado, olhar de viado e afirma que não é viado. É rena. Vou denunciar você para uma ONG de proteção aos animais e tirar elas de seu domínio, explorador pançudo, para que você tenha de andar a pé como eu, velho broxa!

A bicicleta que eu pedi era pra ir à escola, que fica longe pra cacete da merda da minha casa.

Eu não quero e nem devo me despedir sem mandar você tomar no seu cu.

Espero que quando você estiver no seu trenó, aquela bosta vire com você dentro, para que você se arrebente no chão feito um pacote de cocô, gordo e vermelho.

Isto é um aviso. No ano que vem, você vai ficar sabendo o que é um garoto mal-educado, doido pra se vingar.

Atenciosamente

Joãozinho (12 anos)

PS. O pião, a corneta e o par de meias e o livro estão à sua disposição aqui em casa para que você possa vir buscar e enfiar no seu cu!

Lula Vieira é sócio da Mesa Consultoria