Livi: vejo que há um esquecimento do rádio nos planos de mídia

 

O júri de Radio Lions terá novamente a presença de João Livi, diretor-geral de criação da Talent. O profissional, que integrou o time em 2007, chegará à Riviera Francesa em 2013 com ainda mais experiência e uma bagagem especial: o Grand Prix da área no ano anterior, com o case “Rádio repelente”, para a revista Go Outside – prêmio até então inédito e até improvável para o Brasil, já que Radio é a disciplina do festival na qual a barreira de línguas e culturas não anglo-saxãs pode fazer a maior diferença no resultado. Sem previsões para este ano, frente aos cinco Leões que o país conquistou em 2012 (além do GP, um ouro, duas pratas e um bronze), Livi lamenta um certo esquecimento da mídia radiofônica nos planos de comunicação dos clientes brasileiros, o que gera, consequentemente, um menor volume de grandes trabalhos e inscrições. Porém, faz questão de ressaltar: “O rádio pode fazer milagres por algumas marcas”.

Particularidades
“Todas as áreas de Cannes são complexas e ganhar um Leão é realmente uma mistura de consistência, sorte e criatividade, porque o volume é sempre imenso. Para o Brasil, Radio é especialmente difícil porque tem a barreira da linguagem. Algumas coisas da regra que pouca gente sabe: você é obrigado a inscrever o trabalho na língua original – depois você pode anexar uma gravação em inglês, mas o jurado só ouve se quiser; é ainda a única área do festival, até onde sei, que o roteiro chega ao jurado com o país de origem daquele trabalho destacado – o que tem um tom informativo, para facilitar a contextualização, mas também serviria para um jurado ou grupo de jurados mal-intencionados desprestigiar um país, por exemplo. Além disso, o Brasil inscreve pouco. Liguei para alguns colegas diretores de criação que já me disseram que estão mandando pouca coisa. É uma pena, porque, como se pôde perceber no ano passado, dá sim para fazer boas coisas por aqui para esse meio.”

Grand Prix
“Acho que uma agência que ganha o Grand Prix não imagina que aquele trabalho em si será o Grand Prix, porque é uma coisa totalmente imponderável. Geralmente, você sabe que tem uma peça incrível, mas que ela pode nem entrar no shortlist, já que Cannes é uma conjugação de fatores, pessoalidades e experiências dos jurados que acaba tornando o processo muito randômico. Claro que a tendência é que coisas boas acabem no final da peneira, mas acho que ‘Rádio repelente’ podia inclusive ter saído de lá sem shortlist, porque ela é diferente de mais – o que no ano passado, especificamente, isso nos beneficiou. De um ano para outro – não só pela passagem do tempo, mas pela mudança do grupo de jurados –, a ‘jurisprudência’ sobre o que é melhor ou pior muda completamente. É interessante observar que as coisas vencedoras em um ano acabam aparecendo, em grande quantidade, inscritas no ano seguinte por gente que quer fazer ‘tipo aquilo’, mas que não tem o mesmo sucesso.”

Júri
“Conheço o presidente do júri (Ralph van Dijk, cofundador e diretor de criação da produtora de som londrina Eardrum), é um bom amigo e foi jurado comigo uns anos atrás. É um cara muito bacana, engraçado e profundo conhecedor de mídia auditiva, mas nada além isso. Inclusive tivemos opiniões bastante divergentes no júri que participamos, então não é ninguém com quem contar ou não contar – até porque ele estará fazendo o trabalho dele visando não ser criticado e gerar imparcialidade. Os outros jurados não conheço, mas vou conhecer na hora. Vai haver concordâncias e divergências totais, com certeza, porque júri é isso aí: debate – inclusive, às vezes, em um nível irracional, que beira o estresse. E nesse processo, o principal é dar espaço para o debate, porém, cuidando sempre para que o looping que você eventualmente entre não transforme o critério de forma completamente fantasiosa. Sempre tem que se voltar à realidade. Um exemplo: no júri que participei anteriormente em Cannes, existiam dois candidatos a GP, com debate e votações intermináveis. Uma hora eu peguei a pontuação das duas peças na primeira etapa e descobri que uma tinha sido a primeira colocada entre as duas mil peças, enquanto a outra tinha sido a 16ª. ‘Olha o que analisamos enquanto estávamos ainda de cabeça fresca’, mostrei. E isso foi uma das coisas que encerrou a discussão. Debates são ótimos, mas não se pode deixar que gerem reações emocionais demais. Manter a ‘sanidade’ é muito importante.”

Utilização
“Por um lado, a área de Radio mudou. Acho que nosso GP ano passado, por exemplo, foi para um trabalho de utilização de mídia bastante inusitada. Porém, me lembro agora que lá em 2007, no meu júri, já havia algumas peças que lidavam com o meio rádio de alguma forma muito legal, inclusive uma campanha de Smart que era uma mistura de criação e mídia – a qual, entre um spot e outro de uma rádio, o narrador só falava ‘Smart’ e, ao final do intervalo, era destacado a assinatura ‘Cabe em qualquer lugar’. Sempre acho que um meio é tão revolucionário quanto o que você colocar nele. Eu vejo coisas nas novas mídias hipercaretas e vejo coisas nas mídias tradicionais super-revolucionárias. Não é uma questão do meio especificamente, mas da ideia, do uso, da proposta e do carisma. Um dos últimos trabalhos que achei espetacular foi a campanha de Dove dos retratos falados (“Retratos da real beleza”, criada pela Ogilvy Brasil). Não interessa em que mídia ela está, se na TV ou na internet, mas sim que a ideia é boa, contundente. Em qualquer mídia tem espaço para ser inovador, e o rádio, até por esses dois exemplos, se mostra dentro disso. Falando dele, especificamente, o que está acabando é a era da piada. Claro que pode ter humor, mas antes dele é preciso ter conteúdo.”

Potencial
“Eu vejo que há um esquecimento do rádio nos planos de mídia sim. Mas isso significa, literalmente, ‘não lembrei’, e não necessariamente ‘não é bom’. Vejo algumas marcas que se constroem apenas pelo investimento em rádio. Localmente, pelo interior do Estado de São Paulo e do Brasil, então, nem se fala. Infelizmente, muitos desses cases são contados com campanhas muito ruins – às vezes porque a agência não é boa, ou o cliente quis economizar em produção, ou ainda porque está em um centro com recursos mais escassos. Mesmo assim, por repetição e frequência – uma característica básica dessa mídia –, você pode pegar uma loja da Santa Efigênia, de fios e cabos, e torná-la um hit. Porém, se houvesse uma realização mais criativa, mais carismática, esse resultado com certeza seria algumas vezes superior. Acho que o rádio deveria ser mais lembrado, porque ele te oferece algumas características muito únicas e interessantes – voz, música, drama, humor, truques que só funcionam nele e que podem ajudar muito uma marca, principalmente algumas menores e que têm uma dificuldade maior de dar aquele tiro de canhão nas grandes mídias. O rádio pode fazer milagres por elas.”

Perspectivas
“Vou começar nesta semana a ver e ouvir trabalhos. Já entrei em contato com alguns profissionais, vou inclusive me encontrar com eles para ter maior entendimento de alguns trabalhos, mas o resultado de uma área em Cannes é absolutamente incógnito. Você pode até conhecer o trabalho do seu país, mas você não sabe o que os outros países vão enviar, se a média vai estar fortíssima ou se estará meia-sola. Outro ponto importante é que alguns trabalhos são como pessoas: você ouve uma vez e tem uma opinião. Depois ouve de novo, com mais atenção, e acaba pensando: ‘Sabe que essa campanha é boa pra caramba?’. Acho que o conceito sobre uma peça não é instantâneo, mesmo para o jurado. O grande desafio de um trabalho em Cannes é passar pelo shortlist, porque aí ele será ouvido de novo, debatido. A primeira vez é um tiro, para uma nota alta, média ou baixa. Se três ou quatro no grupo não entenderam muito bem, eles não vão nem ouvir de novo, consideram mal explicado e tchau. Quando passa, você vai ter um número bem menor de peças, que pode dar atenção melhor e conversar sobre elas. E dentro de uma discussão sobre ouro, prata e bronze, você vai ter maior conhecimento e, se ela for realmente boa, estará mais forte. A primeira peneira é cruel demais, e com certeza deixa um monte de coisa espetacular fora. Até por isso, é impossível fazer qualquer prognóstico. O que podemos analisar previamente, pelo que ouvi até agora, é que tem pouca peça do Brasil em relação a outras áreas, e acho que os brasileiros deviam confiar que dá para fazer coisa boa em rádio. Se cada agência colocasse lá cinco ou seis spots muito bons, a gente teria, ao correr dos anos, um desempenho cada vez mais forte, sem dúvida.”

 

Dia a dia
“Sou um cara preocupado em ganhar experiência sem perder a criatividade e a vontade de fazer coisas diferentes. Acho que, no nosso mercado, existem dois fenômenos ruins para o destino dos profissionais: um é o cara continuar Peter Pan e não querer assumir outros compromissos e outras leituras da profissão publicitária, que vai trazer para esse cara um futuro frustrante; o outro é um criativo que vira executivo sem criatividade, e ele vai acabar caducando também. Por mais que os clientes valorizem um criativo, você tem que se manter relevante, irreverente, levando coisas que incomodam, porque se você achar que se tornou um executivo de prestígio, bacanão, está perdido. Esses clientes vão embora, eles se aposentam. Você nunca pode se descuidar de seu portfólio, das coisas que você fez – e não só da sua equipe. Como enfoque da minha vida profissional, tenho como objetivo amadurecer, ganhar experiência, saber conversar sobre outras áreas e não perder nunca o que um criativo precisa para ser criativo.”