Fernandez: língua ainda é barreira, mas menor do que antes

 

Foram 21 Leões em sete edições do Radio Lions, desde que a competição entrou para o festival. Uma média de três prêmios por edição que, se não parece muita coisa, também não coloca o país atrás de muitos outros. Apenas Estados Unidos e África do Sul conquistaram muito mais Leões do que o Brasil nessa competição do Cannes Lions. Este ano, caberá a Roberto Fernandez, diretor executivo de criação da JWT Brasil, tentar superar essa média, como representante brasileiro da área de rádio. Barreiras como o idioma devem continuar existindo. Ainda mais quando o assunto é o meio rádio, que não conta com imagens para fazer com que os jurados compreendam melhor um determinado trabalho. Porém, na opinião do criativo, o momento pelo qual o país passa pode fazer com que ele seja melhor visto pelos seus companheiros de júri. Fernandez também alerta as agências brasileiras em relação à produção: “seria legal pensar em rádio como pensamos em design, como passamos a pensar em branded content, para que surja uma big idea nessa mídia”.

Indicação
“Recebi com muita alegria. Nós sabemos da importância do Cannes Lions para a indústria e para os profissionais. E estar na lista de quem irá representar o Brasil é muito legal. É também um reconhecimento ao meu trabalho e ao que a agência tem feito. O fato de ter sido nomeado para o júri do Radio Lions reflete as conquistas da JWT Brasil na competição, já que a agência tem sido uma das mais premiadas da área. É também uma experiência riquíssima para a carreira. Já fui jurado de alguns outros festivais internacionais e é sempre enriquecedor discutir e trocar ideias com gente de alta qualidade. E tem também a responsabilidade, pois trata-se de um festival relevante e temos que trabalhar sério para que o nosso jeito de fazer propaganda tenha voz.”

Troca de experiências
“Ainda não conversei com os ex-jurados brasileiros de rádio, porque no momento a agenda está apertada para todo mundo. Estamos às vésperas do prazo final das inscrições no festival e isso dá um trabalho imenso. Pois não basta inscrever, é preciso fazer ‘um trabalho do trabalho’ para que todos entendam sua peças. Seja um videocase, uma tradução mais primorosa. Também estive fora por duas semanas: fiquei uma semana em Nova York, onde estive na revisão das campanhas globais da JWT, e na outra estive em Londres, como jurado de mídia impressa no D&AD. Mas já marquei com alguns, não só os antigos jurados do Radio Lions, mas também com os profissionais brasileiros que estarão esse ano em Cannes, nas demais áreas, para a gente poder ter uma sintonia de pensamento. Mas tenho também uma boa noção do que irei encontrar. Vou ao festival há alguns anos, já trabalhei com alguns ex-jurados da área, como o Mario D’Andrea e o Flávio Casarotti, com de outras áreas, caso do Ricardo Chester, e tem meu irmão mesmo (Renato Fernandez), jurado de Press em 2010. Mesmo nunca tendo sido jurado, é nítido que Cannes é mais global, pela própria quantidade de jurados que existem em cada área. No D&AD tinham sete profissionais no júri de minha área. Indo para o Brasil, o Anuário do CCSP (Clube de Criação de São paulo) é a mesma coisa. Cannes gira em torno de 20, 25 membros. Isso dificulta o diálogo. Também tem a língua. Nem todos dominam a língua inglesa, o que provoca um desnível no júri. Não no que diz respeito à qualidade profissional, claro, mas sim a troca de ideias.”

Diferencial
“O mercado tem muitos festivais, mas tem aqueles que possuem critérios que mais agradam e com isso ganham mais credibilidade no mercado. E nesse time, eu colocaria, além do Cannes Lions, o D&AD e o One Show. Esse último é mais criterioso do que Cannes, só que mais americano, e valoriza principalmente os códigos de valores dos Estados Unidos. D&AD a mesma coisa, só muda a cultura: britânica. Isso faz com que os dois sejam difíceis para quem não é americano ou inglês. Ao passo que o festival da Riviera Francesa acaba sendo mais reconhecido pelo mercado porque celebra a diversidade criativa do mundo. No D&AD, por exemplo, escutamos de bastidores que deixaram de premiar uma peça ‘por ser latina demais’. Ora, um festival que se diz global, por que vai podar um trabalho por isso? Uma das peças que ganhou na categoria que eu estava era um prato de John Smith, tirando um sarro dos pratos usados no casamento do príncipe William. Que é algo totalmente britânico. Então por que bretão demais pode, latino não? Isso não é pauta em Cannes. Ainda existe o velho assunto do ‘lobby anglo-saxão’, mas está cada vez menor. A própria propaganda brasileira é analisada com mais cuidado do que antes, não só pela sua qualidade, mas também porque o país é um assunto mundial.”

Norte
“Cannes é uma bússola do mercado e mostra a direção para qual ele caminha. Há 15 anos tínhamos apenas áreas de filme e impressa. Hoje, multiplicou suas categorias e as próprias agências diversificaram a forma de fazer comunicação muito em função disso. Abriram o escopo de trabalho e passaram a buscar todas as formas que existem dentro do cenário da comunicação. Os próprios festivais importantes que existem no mundo estão seguindo a mesma ótica. Dou um exemplo da própria JWT Brasil. No ano passado, ganhamos um Leão de ouro no Design Lions com o ‘Livro Emiliano’, para o hotel Emiliano, de São Paulo. Outras agências de propaganda já ganharam Leões em Design, mas, geralmente, com trabalhos publicitários inscritos na área. Nós ganhamos com uma peça de design. Porque o fato de existir em Cannes o Design Lions faz com que a agência pense que essa é uma forte ferramenta de comunicação. Hoje o consumidor foge de propaganda. Eu mesmo, assistindo ao Oscar, estava mais interessado nos comentários que rolavam no Twitter do que na própria TV. A relação com os meios mudou e, nesse cenário, o design é um recurso fantástico. Uma das maiores campanhas publicitárias dos últimos anos se chama iPhone. E já viu a propaganda clássica do produto, seus anúncios? É chata, não tem nada demais. A grande publicidade do iPhone é o design do produto. E isso é comunicação e muitas vezes pode ser mais forte do que qualquer outra peça. Por isso que eu falo que, definitivamente, Cannes dita tendências.”

Idioma
“Essa categoria tem duas dificuldades em relação ao idioma. Em relação ao júri, como falei anteriormente, nem todos dominam o inglês e, na área de rádio, é onde esse fator vai acabar aparecendo mais. E, por conta disso, há um predomínio maior de prêmios destinados aos países de língua inglesa (Estados Unidos e África do Sul são os dois grandes vencedores do Radio Lions em Cannes). E sempre que a publicidade é centrada no texto, como é o caso do meio rádio, há uma valorização maior da cultura local. Ao contrário de imagens, que abrem o mundo para todos. O Brasil, historicamente, tenta resolver isso por meio da música – seja ela internacional ou brasileira –, inserindo-a dentro da ideia, pois a música é reconhecida pelo mundo e faz com que a ideia seja entendida mais facilmente. Outro caminho alternativo que nós usamos é brincar com a mídia, como foi o caso daquele trabalho vencedor para Cultura Inglesa (criado pela Lew’LaraTBWA, o spot ‘Dial’ foi Leão de ouro em 2010 e legendava, no dial dos rádios dos automóveis, a música cantada em inglês). São ações que fogem do diálogo no spot, onde perdemos força. Porém, o festival está evoluindo e ficando cada vez mais global, o que me faz querer ver até que ponto spots que trazem conversas e que tenham a nossa cultura possam ser celebrados em Cannes.”

Leões
“É difícil prever prêmios. Apesar de termos uma ideia do desempenho do país pela média de conquistas dos festivais anteriores, cada ano é diferente. Depende da diretriz do presidente do júri, de sua bandeira (esse ano é o sul-africano Rob McLennan). Eu, lógico, estou indo para trabalhar não pela JWT, mas, sim, pelo Brasil, para tentar destacar o que temos de melhor em rádio. A partir da próxima semana vou começar a fazer uma varredura para identificar os melhores trabalhos que nós temos. Alguns eu já conheço. Mas rádio tem o problema de ser uma mídia muito dispersa. Os grandes filmes e anúncios acabam chegando até nós. Já a chance de você perder um spot por ele não estar na programação na hora em que está ouvindo rádio, é bem grande. Estou entrando em contato com as agências para me passarem os trabalhos mais relevantes. E se conseguir trazer de lá essa média de Leões que o Brasil tem conquistado, estarei bem contente.”

Jurados
“Ainda não conheço meus companheiros de júri, mas também irei entrar em contato com eles logo mais. Quanto mais você conhecê-lo, mais fácil fica para entender a razão de seus argumentos. Uma mesma expressão, por exemplo, pode ser entendida de formas diferentes, dependendo do que você sabe sobre aquela pessoa. Se dar bem com os jurados é fundamental para um bom trabalho no júri.”

Estados Unidos e África do Sul
“Os dois países continuam fortes e favoritos no Radio Lions. Até porque um spot vindo de um país de língua não inglesa, por melhor que seja traduzido, já começa com um degrau no meio do caminho. E a própria indústria da propaganda tem a cultura anglo-saxã como protagonista. Se eu não souber quem é o presidente dos Estados Unidos ou o príncipe da Inglaterra, sou uma besta. Se alguém de fora não sabe quem é a Dilma Roussef, normal. Agora, estou falando de presidente. Imagine outras características. Assim, um jurado de um festival internacional de propaganda tem que entender de códigos culturais, políticos e econômicos anglo-saxões. E mais um problema é que o rádio talvez seja o meio mais interessante para se trabalhar com a cultura local, pois ele conversa com o consumidor de forma próxima. Em uma cidade como São Paulo, muitas vezes sua única companhia no trânsito é o rádio. Não adianta tentar ganhar prêmio com uma piada que o inglês não vai entender. Por isso que eu disse estar interessado em ver como os gringos vão analisar a nossa cultura, cada vez mais difundida devido ao momento que o país passa. A cultura brasileira está muito mais conhecida hoje do que há cinco anos. Mudou muito a situação nesse curto período. Outro dia, no D&AD, os jurados estavam conversando comigo sobre a Dilma. Viramos agenda. Talvez isso influencie um pouco no contexto da avaliação de nossos trabalhos. Não sei quanto e até que ponto.”

Humor + produção
“O bom humor é bacana, ‘pero no mucho’, em se tratando de resultados. Volto ao tema anterior: nem toda piada nossa será compreendida. Ao contrário do humor inglês, difundido no mundo e que nós também conhecemos. Pego como exemplo a Talent, uma das agências que mais venceu o Profissionais do Ano (prêmio da Globo voltado a comerciais de TV), e nem sempre foi reconhecida com os mesmos filmes, apesar de mais fantásticos que sejam, lá fora. Com relação à produção o Brasil não é um dos grandes players em categoria nenhuma. Em filmes a gente vê como padece em competir com Estados Unidos e Inglaterra, que trazem produções milionárias. Tanto que nossas ideias mais celebradas tem como diferencial a sacada, e não a produção. Em rádio a diferença de custo diminui. Não é preciso de grana para fazer o barulho de um disco voador no rádio. E isso nos aproxima dos demais países em produção. Mas daí temos a distância da língua, mesmo tendo os trabalhos traduzidos por pessoas que falam inglês fluentemente. Sempre há diferenças em relação a quem é nativo lá fora. Produção é realmente uma das grandes fortalezas do rádio, e aí tem mais um porém: as agências brasileiras não apostam tanto no rádio. Seria legal pensar em rádio como pensamos em design, como passamos a pensar em branded content. Pode, sim, surgir uma big idea no rádio, e isso não será possível se pensarmos nesse meio apenas como uma mídia para veicular spots, ou fazer a extensão da campanha.

Desestressar
“Tenho dois, para acelerar e desacelerar. O primeiro é esportes. Jogo tênis e, principalmente, futebol. É até algo que o mercado sabe, pois jogo sempre no torneio que ocorre durante o Festival de Cannes. E para desacelerar, a pintura. É algo que dei uma parada há um tempo, por causa do tempo que toma o dia a dia na agência. Eu pintava à óleo, e isso requer tempo, pois a tinta não pode secar. Mas agora, graças ao iPad, eu voltei a pintar no tablet, que é algo que tem me encantado e é bem divertido.