João Alberto Silveira Freitas foi morto numa loja do Carrefour em Porto Alegre. O assassinato do rapaz negro ocorreu na véspera do Dia da Consciência Negra e causou revolta em todo o Brasil. A rede varejista precisou se posicionar rapidamente. Além de um pronunciamento do presidente do grupo no Brasil, Noel Prioux, na TV, em horário nobre, a companhia anunciou um fundo de R$ 25 milhões no combate ao racismo estrutural e a formação de um Comitê Externo de Livre Expressão sobre Diversidade e Inclusão composto por Rachel Maia, Adriana Barbosa, Celso Athayde, Silvio Almeida, Anna Karla da Silva Pereira, Mariana Ferreira dos Santos, Maurício Pestana, Renato Meirelles e Ricardo Sales.
Num 2020 repleto de protestos contra o racismo, a tragédia é uma mácula que deve ficar incrustrada na marca Carrefour por um bom tempo. Na opinião de José Conrado, professor de publicidade e propaganda da Universidade Presbiteriana Mackenzie, um dos problemas é a recorrência. “Isso se conecta a outros eventos passados negativos que também aconteceram. Você acaba reforçando uma imagem negativa da marca”, explica relembrando o caso da cadela Manchinha, morta por um segurança do supermercado em 2018.
Patricia Galante de Sá, coordenadora acadêmica e docente de branding e sustentabilidade da FGV, ressalta que o aquecimento da pauta racial e a recorrência de acontecimentos negativos cria a “tempestade perfeita” e traz um “profundo abalo para a reputação da marca e a percepção de uma empresa com problemas estruturais, arraigados na cultura corporativa, e não meramente circunstanciais”.
A tragédia também deve refletir com os investidores, conforme explica Tom Mendes, gerente-geral do ID_BR. “Para as pessoas comuns, que não têm tanto acesso a informações corporativas, alguns termos como ESG (Environmental, Social and Governance), que pode ser considerada uma métrica para nortear e delinear boas práticas corporativas, não fazem sentido, mas para investidores, que são a base das empresas listadas na bolsa, isso é de suma importância, e o Carrefour vai precisar correr muito para alinhar essa relação com seus investidores e parceiros. As práticas que envolvem sustentabilidade, por exemplo, já se tornaram parte da estratégia financeira das empresas e em 2020 as boas práticas para a causa da igualdade racial entram com força nos parâmetros a serem avaliados. As grandes instituições têm uma preocupação enorme com a reputação e a rentabilidade das instituições das quais são acionistas, e têm cobrado cada vez mais um posicionamento coerente, contínuo e propositivo das empresas. Negar a existência do racismo é algo hoje impraticável”, diz.
Levando todas as críticas em conta, Ad Junior, head de marketing da Trace Brasil, é pragmático em sua análise. “O que aconteceu de diferente neste posicionamento: pela primeira vez, uma marca tem um presidente, em cadeia nacional, assumindo que é um branco privilegiado. Isso você nunca ouviu antes. Então, é muito importante olhar esse avanço”, observa.
“A reputação hoje vive um ciclo de formação e destruição cada vez mais encurtado. A pandemia criou uma relação muito desafiadora para as empresas, que é baseada fundamentalmente na confiança, como apontaram os estudos recentes What’s Next do Group Caliber e Edelman Trust Barometer. O Carrefour só vai reconquistar essa confiança com muito trabalho de autoanálise e transformação interna”, finaliza Patricia.