A escolha do júri do Prêmio Anuário de Criação, promovido pelo CCSP (Clube de Criação de São Paulo), nunca foi tão tumultuada. Depois que os associados elegeram quem participaria da votação como jurado da 32.ª edição, a direção do CCSP decidiu chamar como convidados de honra Marcello Serpa (diretor de criação e sócio da AlmapBBDO) e Fabio Fernandes (diretor de criação e sócio da F/Nazca S&S), já que eles não apareceram como os mais votados na lista. A diretoria do CCSP, acreditando na relevância da participação desses profissionais, os convidou, o que não agradou alguns associados, segundo fontes ligadas ao Clube. Além disso, Fabio Fernandes disse que o convite para ele não chegou na data informada pela organização do evento, o que o levou a escrever uma carta para Jáder Rossetto, que assumiu a presidência do CCSP após renúncia de Eduardo Martins, direcionada também à sua diretoria. Acompanhe abaixo trechos da conversa entre Serpa e Fernandes, que foram publicados no site do Clube de Criação de São Paulo e podem ser lidos na íntegra.
1.ª carta
De Fabio Fernandes para Jáder Rossetto.
“Devo entretanto informá-lo de que não posso aceitar o convite. E não posso aceitá-lo por várias razões. Minha consciência, minha noção de justiça e minha mania de coerência. Entendo, que ao convidarem a mim e ao meu querido Marcello Serpa na condição de, digamos, notáveis, para nos juntarmos a este júri, vocês inadivertidamente cometem um ato que eu, humildemente, reputo como autoritário. O júri, por decisão desta diretoria, é composto por profissionais de criação, através de sistema de votação direta dos associados do Clube. Assim tem sido nos últimos anos e, independentemente da minha opinião quanto à correção ou incorreção desta fórmula, entendo que ela deve ser respeitada. Não acho simpático, portanto, ver-me imposto num grupo de jurados eleitos por esses votos dos meus colegas, através de um ato posterior e intempestivo, na minha visão, dessa diretoria. (…)
A verdade é que não me sentiria nada bem se aceitasse esse convite. Mais que isso, estaria aviltando uma série de valores, crenças e filosofias que me norteiam e com as quais quero permanecer, sem deles jamais abrir mão. Não. Não quero me sentir oportunista. Não quero me aproveitar da confiança e do prestígio que eu pareço ter junto a essa diretoria sem ter a garantia de que centenas (milhares?) de associados não se sentirão traídos. Muito pelo contrário. Não vou corromper a minha consciência por uma situação ou possibilidade fugaz”. (…)
2.ª carta
De Marcello Serpa para Jáder Rossetto
“Quando recebi o convite da diretoria para fazer parte do júri do CCSP há 3 semanas, aceitei com o maior prazer. Fazer parte desse júri é uma delícia. Ver o conjunto da propaganda produzida no Brasil de uma só vez é um tremenda aula. Quando soube que o Fabio também havia sido convidado na mesma época, fiquei ainda mais tranqüilo, afinal acredito que tanto a sua trajetória profissional quanto a minha servem como um seguro contra falta de critério.(…)
Acho absolutamente legítima a recusa do Fabio em participar do júri. Afinal isso é problema dele e de mais ninguém. O que me surpreende que o faça tanto depois. E numa carta aberta a você, que além de muito bem escrita, traz conceitos muito bonitos sobre valores democráticos, virtudes éticas e morais. (…)
Por isso defendo desde sempre o voto aberto ao público, a defesa de posições claras nos júris mesmo que elas acabem por fechar as portas nas agências que acreditam ser as melhores do mundo. O voto fechado e secreto deixa solto o monstrinho sacana, invejoso que temos em cada um de nós. Sou contra e jamais deixei que se criassem aquelas listas corporativas que definem os jurados de cada agência. Essa minha teimosia nos faz sempre ter um monte de votos espalhados pelos criativos da agência, conceituados e queridos por muitos dos associados do clube, e nos colocam lá no fundão da lista de jurados. Esse parece ser o preço que se paga pela coerência. (…)
Não acredito em democracia com listas, voto secreto e falta de discussão. Acredito num júri formado pelos melhores, escolhido pelos melhores e julgando os melhores. O que me deixa muito triste é ver que, apesar de ser querido pelo Fabio, fui colocado na posição mais que desconfortável de optar entre recusar o convite já aceito há 3 semanas ou aceitar e me tornar um arenista, um Paulo Maluf Biônico da criação Brasileira. Na minha escala de valores pessoal, isso não se faz com alguém querido. Acredito na democracia, mas não na demagogia.” (…)
3.ª carta
De Fabio Fernandes para Marcello Serpa e diretoria do CCSP
“Minha intenção não era entrar em polêmica nem com um nem com outro. Um, porque é a entidade que nos representa nesse mercado tão pouco e mal representado. Outro, porque é um dos poucos ícones profissionais dessa nossa atividade que merecem ser seguidos por seu trabalho e por suas atitudes nesse mercado tão carente de bons exemplos em ambos setores. Mas se aqui estamos, aqui vamos nós. (…)
Marcello, sua premissa está equivocada. Ao contrário de você, que foi convidado há três semanas, eu só fui “cobrado” de uma decisão sobre se aceitava ou não ser jurado do CCSP na última quarta-feira à tarde. Sabe como? Através de um email do Clube, assinado pela Ciça para a minha secretária, pedindo a ela uma intervenção para que eu desse essa resposta “urgente” porque ela precisava “anunciar a lista de jurados”. (???) Não entendi. Resposta a o que? Além disso eu conhecia a lista de jurados, informada pelo próprio CCSP há mais de um mês, através de seu próprio site. E eu não estava nela.
Me informei e então fiquei sabendo do tal convite para que eu e você nos juntássemos a este júri. Não recebi, portanto, até o dia da cobrança da resposta a uma pergunta não feita, nenhum convite, através de quem quer que seja, do CCSP. (…)
Diferente de você, Marcello, eu não chego a achar uma delícia participar deste ou de outros júris. Faço isso por dever de ofício, com a esperança até de que em algum momento eu consiga me divertir. Mas, normalmente, eles, os júris, me tiram muito tempo da agência, que já toma quase todo o tempo da minha família – e ambos, agência e família, me cobram um bocado cada segundo roubado. (…)
Eu tenho o monstrinho da inveja dentro de mim, Marcello. E ele grita para mim todos os dias em que alguém faz algo melhor do que eu: “Fábio, você é um bosta”. Ele não me manda matar o que é bom. Ele não me manda fingir que não vi. Ele não me manda elogiar o trabalho para o autor e falar mal para destruí-lo quando o autor se afasta. Ele só grita pra mim: “Fábio, você é um bosta”. Para ter paz com o monstrinho eu só posso fazer uma coisa: tentar fazer melhor. Se não ele continua gritando.(…)
Por isso, encerro aqui afirmando que em momento algum eu tive a intenção de me indispor com o Clube ou com o Marcello. Nem muito menos, tive a intenção de colocar este último em uma posição delicada. Para mim, parecia óbvio que esse era um convite inaceitável. Por isso achei que qualquer um concordaria comigo. Tá aí: mais uma para a minha lista de consequências com que eu vou ter que arcar na vida por pensar como eu penso e agir como eu ajo”.
4.ª carta
De Marcello Serpa para Fabio Fernandes
“Fabinho,
Obrigado pela resposta. Continuo achando que isso não se faz a quem se conhece e se respeita a tanto tempo. Assumir que a sua visão do mundo é a única certa e que qualquer outra seja inaceitável não é a melhor maneira de lidar com amigos ou colegas.
Te conheço há muito tempo, já vivemos juntos muitas coisas nessa profissão e defendemos os mesmos valores em inúmeras ocasiões. Te conhecendo como conheço consigo também ler nas suas entrelinhas um discreto pedido de desculpas que não tenho problema algum em aceitar. E por favor, sem mais cartas públicas entre a gente, tá começando a ficar meio gay”.