Qualquer observador crítico das “tendências” dos últimos anos está vendo os sinais de enfraquecimento das grandes marcas, algumas seculares, diante das transformações geradas pela tecnologia digital, mudança de hábito dos consumidores e o fortalecimento dos megaoperadores digitais, como a Amazon, e até de alguns varejos tradicionais que se movem nessa direção.
Esse movimento já ocorreu antes, por razões conceitualmente semelhantes, mas estruturalmente diferentes e em abrangência e ritmo de transformação bem menores. Caso, por exemplo, do setor de pneus, cujo controle do mercado deixou de ser dos fabricantes e passou para os grandes varejistas especializados. Ou do setor de “linha branca” de equipamentos domésticos, na qual as marcas tradicionais perderam a maior parte do seu poder para os varejistas, que impõem suas condições, controlam o processo decisório dos consumidores e até “sequestram” a verba publicitária dos seus “fornecedores” para compor a sua.
No setor de produtos de alto consumo, em especial alimentos, bebidas e todo o espectro de cuidados pessoais, esse movimento vem se intensificando, inclusive por culpa direta dos seus fabricantes, que têm abandonado parte das mídias tradicionais para apostar em formatos digitais com muito menor impacto e poder de fortalecer marcas na escala adequada.
Na esteira desse movimento de recuo das marcas que construíram a riqueza do século 20 há a expansão do comércio pela internet, inclusive com projetos, a maioria mal-sucedidos em termos de volume e valor, de adotar modelos “direct to consumer”. Enquanto isso os gigantes digitais ocupam o espaço mental das marcas seculares na mente dos consumidores, ficam com parcelas crescentes de participação de mercado e, muito perigoso, estão erodindo o valor monetário de várias categorias.
E, apesar de vender agressivamente seus ativos publicitários digitais, esse setor investe cada vez na mídia que tem maior poder de construir marcas, que é a televisão, e já estão entre os maiores investidores neste meio.
Recentemente, um primeiro sinal veio do CEO global da Coca-Cola, James Quincey, que decidiu reforçar e agilizar o processo de aquisição de marcas nacionais e regionais que tenham valor ao redor do mundo, de modo a manter a vitalidade de seu portfólio.
Depois veio a notícia de que o CEO mundial da Unilever, Paul Polman, vai se aposentar no fim do ano, após uma década de reinado, e passar o comando para Alan Jope, marqueteiro que vinha presidindo a divisão de beleza e cuidados pessoais da empresa. Comentando os cinco principais desafios que o novo CEO vai enfrentar, a britânica Marketing Week enumerou a continuação do legado de sustentabilidade da empresa na era Polman; manter os preços e margens, desafio, aliás, de todas as megaorganizações de seu porte; enfrentar de forma rentável o processo de “direct to consumer”; operar em categorias supercongestionadas por marcas e concorrentes; e atrair o cada vez mais escasso talento em marketing.
Finalmente, de forma mais explícita, o novo CMO global para a área de refrigerantes da Coca-Cola, Javier Meza, falou pela primeira vez sob a égide da nova posição e afirmou, com todas as letras, que ou organizações como a sua continuam criando e sustentando marcas de valor ou o controle do mercado acabará nas mãos dos grandes comércios digitais.
Para isso, a “receita” é clássica e continua funcionando tão bem hoje como há um século: estar no top of mind das massas de consumidores e oferecer um valor simbólico tão grande que os compradores desviem de ofertas e facilidades para optar pelo consumo de “sua” marca.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)