Há cerca de três meses o Facebook surpreendeu a todos revelando que, por cerca de dois anos, vinha divulgando números inflados, na faixa de 60% a 80%, da audiência de seus vídeos. Houve um misto de surpresa e alguma indignação, mas nenhuma compensação financeira pelo erro, pois a própria empresa insistiu em dizer que esses cálculos superestimados não interferiram no processo de cobrança aos anunciantes. Apesar de ser muito estranho para um meio que vem dizendo há anos justamente que cobra em função de resultados efetivamente alcançados, a comunidade publicitária em geral verbalizou um pouco seu desconforto, mas deixou por isso mesmo, refletindo uma condescendência com essa mídia que jamais existiu em relação às demais.
E agora, há cerca de três semanas, ocorreu de novo, demonstrando que o Facebook é, além de réu confesso, reincidente. A empresa informou sobre a descoberta de erros em outras de suas 220 métricas revisadas, mas não especificou exatamente quais indicaram distorções. Além de ter superestimado o tempo de visualização dos anúncios publicitários em vídeo, conforme revelado pela rede social em setembro, o Facebook detectou em novembro erros na apuração do alcance de posts orgânicos, na quantidade de visualizações completas de anúncios em vídeo e no tempo gasto pelos usuários no InstantArticles. Erros que oscilavam no apontamento de audiências que, na verdade, estariam entre 20% e 55% menores que a informada.
A companhia publicou, em um post no seu blog oficial, as correções para cada uma dessas três métricas e, também, apresentou algumas iniciativas com objetivo de oferecer mais transparência em relação aos dados, como a criação de um “conselho de mensuração”, abrindo mais espaço para o feedback dos anunciantes e publishers, e a abertura dos dados para a verificação de empresas parceiras, como comScore, Moat, Nielsen e Integral Ad Science (IAS), para que as marcas não dependam somente daquilo que é reportado pela própria rede social.
Mas, na prática, uma vez mais, o Facebook se fez de morto e alegou que essa contabilidade inflada de audiência não influiu na cobrança aos clientes, que o erro estava corrigido, que passaria até a admitir a auditoria independente de algumas de suas métricas e, por isso, estava tudo bem… E, novamente, a comunidade anunciante e publicitária ficou apenas em uma reclamação verbal aqui e ali, sem expressar a devida indignação em receber números imprecisos e exagerados e sem demonstrar que já passou da hora de o digital passar a oferecer a seus clientes uma contabilização mais precisa e consistente – e plenamente auditada de forma independente – do que efetivamente oferece e entrega.
Na mesma época e na esteira da “surpresa” da eleição de Donald Trump, surgiu outra denúncia importante relativa ao Facebook e, também, ao Google: a grande quantidade de notícias falsas envolvendo sua disputa com Hillary Clinton nas ditas redes sociais e na internet em geral, que estariam criando um movimento de “pós-verdade”, ou seja, a informação sem compromisso com a veracidade dos fatos.
Juntando os dois fatos, temos a clara situação de um sério problema de confiabilidade em relação ao conteúdo e à publicidade no digital, revelando importantes falhas na deontologia desse meio, que ameaça quase três séculos de evolução das mídias e ao modelo virtuoso que assegura credibilidade da mídia por sua responsabilidade e qualidade, que gera audiência combinando volume e qualificação, fatores que criaram um dos principais instrumentos de marketing e ativação de negócios, que é a publicidade. Se o digital não mudar significativamente de postura e de prática, ele estará colocando em xeque a fórmula da galinha de ouro, que gera valor de forma metódica, porém custosa e limitada, e com certeza não será substituída pela cornucópia mágica derivada da ilusão de que tudo é possível, de forma rápida e a custos mínimos.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda