Uma realização da ABA (Associação Brasileira dos Anunciantes), a edição de 2016 do ENA (Encontro Nacional de Anunciantes) realizada neste mês de junho, colocou na pauta de discussões a crise econômica brasileira que tem espremido os orçamentos das empresas, fazendo com que a área de “procurement” consolide um protagonismo nunca visto antes, afinal, encontrar fornecedores com preços menores passou a ser recorrente no discurso empresarial. Sob o tema “Ressignificando o marketing”, a entidade enfatizou a importância de as empresas buscarem apoio na mercadologia e nas boas práticas para prospectarem uma nova fase.
A executiva Juliana Nunes, presidente da ABA e vice-presidente da empresa de bebidas Brasil Kirin, abriu o evento destacando a importância de as empresas buscarem um tom de voz mais amigável com seus consumidores. Em sua opinião, acabou a era de impor goela abaixo conceitos e propósitos.
A dinâmica digital trouxe à tona o compartilhamento instantâneo de ações de comunicação, para o bem ou para o mal. E em um cenário econômico volátil que suprime orçamentos, contemplar essa nova lógica é uma questão de sobrevivência.
“As turbulências que o Brasil atravessa hoje são o pano de fundo que forma um cenário volátil no qual correr riscos não é mais uma opção, mas sim um dado da realidade. Soma-se a esse macroambiente uma profunda transformação em curso na maneira como as pessoas estão se comportando, se relacionando umas com as outras, fazendo suas escolhas, assumindo um protagonismo inédito e crescente”, destacou Juliana.
O painel com os líderes também contou com a participação de Eduardo Tomiya, diretor geral da Kantar Vermeer Brasil e América do Sul; Rodolfo Araújo, diretor de conhecimento e pesquisa da Edelman Significa, e de Adriana Muratore, vice-presidente sênior das áreas comercial e de marketing do Walmart Brasil, como moderadora.
Tomiya apresentou a pesquisa on-line realizada pela Kantar Vermeer Brasil feita com 58 presidentes executivos, vice-presidentes de finanças e diretores de marketing de diversas indústrias, incluindo a alimentícia, de higiene, tecnologia, instituições financeiras e bebidas. De acordo com o que foi apurado, o investimento em comunicação em relação à receita líquida é de 5% a 15% para 79% das empresas que participaram do estudo; 16% das respondentes informaram que investem de 16% a 25% e 5% das companhias direciona de 26% a 35% do montante para comunicação. Mais de 36% das empresas não investe no setor.
O dirigente da Kantar Vermeer Brasil, porém, considerou mais grave o ROI não ser compreendido pelos gestores financeiros, afinal, saber a rentabilidade de cada centavo aplicado é um desejo comum, mas ainda trafega no território da utopia. Para 59% dos executivos, o ROI é desconhecido; e 86% não usam a métrica.
“O dado mais intrigante é que 100% dos financeiros não usam esse dispositivo para defender orçamentos de comunicação. Outros 70% não têm interesse, apenas 18% manifestam que gostariam de estruturar planejamentos com a técnica”, detalhou o diretor da Kantar Vermeer. “É preciso engajar os CFOs nessa engrenagem que é entender a elasticidade do budget de comunicação. Esse é um ponto crítico: a não compreensão de quem trabalha com finanças das soluções existentes para conferir resultados sobre investimentos. O ROI não pode ser algo tático; é para saber quanto custa e quanto retorna”, acrescentou.
André Salles, presidente da Brasil Kirin, endossou a preocupação de Tomiya. “As empresas sabem medir muito bem ativos físicos ou patrimoniais, mas os intangíveis não fazem a menor ideia. Sabemos que o investimento em marketing garante longevidade às marcas, mas faltam metodologias confiáveis, como os investimentos em ativos físicos. Sinto falta de métricas”, observou Salles.
Para Newton Freire, presidente da Diageo, o sucesso das marcas tem origem na força da comunicação. Ele citou o case da marca Johnny Walker, no mercado há 200 anos. A chave é a atualização do marketing com ações inovadoras. O desafio para os investimentos é a qualidade das métricas claras porque, em sua opinião, marcas precisam ter reputação, influência e visibilidade. “A meta é unir métricas qualitativas e quantitativas para validar a aprovação de recursos de marketing”, justificou Freire.
Por outro lado, Rodolfo Araújo, diretor de conhecimento e pesquisa da Edelman Significa, alerta que o “Trust Barometer” aponta a geração de confiança como pilar e ativo complementar. A empresa estuda há 16 anos os impactos, positivos e negativos, da atitude empresarial. São 33 mil entrevistas em vários países, inclusive no Brasil, para obter a visão de empresas, ONGs, governos e canais de mídia, este último pela ótica institucional e não de produto. No Brasil, por motivos óbvios, o governo ocupa o último lugar.
“A atitude do consumidor é orientada pela credibilidade que as empresas passam aos clientes. A crise de reputação afeta o bolso das empresas. A Mitsubishi, com os problemas de combustível, teve perdas de R$ 1,2 bilhão. A Volkswagen contabilizou um prejuízo de US$ 17,6 bilhões, equivalente 23% de subtração do seu valor de mercado. A transparência é tão importante para entregar engajamento positivo que a empresa deveria ter paredes de vidro. Na verdade, a sigla CEO deveria passar a significar Chief Engagement Officer”, destacou Araújo.
O painel “Fazendo da mudança uma grande aliada”, contou com a participação, Anders Sjostedt, fundador da Hyper Island como palestrante e Antonio Fadiga, CEO da Artplan São Paulo e João Livi, presidente da Talent Marcel, e como moderador do debate o executivo Eric Albanese, diretor de marca e comunicação da Oi. Sjostedt afirmou que todos estão bem cansados deste assunto e todos já sabem que o business “as usual” não existe mais.
“E as mudanças acontecem rápido – cada vez mais. Isso é divertido, mas ao mesmo tempo, estressante, porque nenhuma regra de ontem vale para hoje e você nunca sabe ao certo se o seu investimento vai funcionar ou não”, disse. “Em 2003, a Lego quase foi à falência. Resolveram voltar às raízes. Mas de um outro jeito. Você entra no site da Lego e se cadastra. E, a partir daí, pode oferecer um produto. Se conseguir 10 mil likes, a Lego produz a sua ideia. É claro que todo mundo faz de tudo para compartilhar com o maior número de pessoas possíveis”, acrescentou.
No terceiro painel, para apresentar os atuais e os futuros caminhos que o conteúdo irá trilhar, Bruno Belardo, diretor de estratégia de marca da Buzzfeed Brasil, abriu destacando os features da empresa e contando que ela está em 10 países produzindo conteúdo. Entre os grandes sucessos de engajamento da plataforma estão a denúncia de entrega de jogos de tênis – furo feito com a BBC de Londres – e do vestido que, para alguns era azul e preto e, para outros, branco e dourado, este com 82 milhões de views em 24 horas.
Bruno relembra que, rapidamente, havia “12 matérias explicando cientificamente os motivos pelos quais as pessoas viam cores diferentes. Os conteúdos acerca do vestido foram traduzidos em 21 idiomas”. Daniel Conti, presidente da VICE Brasil, falou sobre o foco da companhia: o branded content. Ezra Geld, presidente da agência J. Walter Thompson Brasil, moderou o debate que, entre as perguntas, discutiu qual é o KPI desse tipo de empresa. Sobre os moldes atuais de fazer mídia nas agências, Ezra afirmou que o importante é continuar o diálogo com o consumidor “trocando ideias com a marca. Não falamos de um mundo ideal; é um mundo em que ambos constroem uma história contínua”, enfatizou.
“Podem os grandes aprender com os pequenos?”. Foi assim que começou o quarto painel, no qual os palestrantes Eduardo Lima, CEO e cofundador da eduK, e André Garcia, fundador da Estante Virtual, contaram suas histórias, como inovaram e fizeram seus negócios virarem exemplos para as startups. Este painel foi mediado por Leo Kuba, sócio fundador da Inkuba. O quinto painel do ENA 2016 abordou as mudanças e transformações como aliadas aos modelos de negócios adotados pelas empresas. O grande foco ficou com as mídias sociais e, consequentemente, com seus usuários.
“Os millennials querem vídeos de cinco segundos que significam maior agilidade. O nosso principal desafio é ajudar a indústria no que acreditamos que são os trends”, contou Guilherme Ribenboim, vice-presidente para a América Latina do Twitter. A participação internacional desse debate ficou com Aaron-Reitkopf, CEO Americas da MullenLowe Profero.
“Estamos nos lançando no mercado brasileiro, mas como estamos presentes em 16 países e temos 90 escritórios, conseguimos ter uma visão de como a transformação está acontecendo em todo o mundo”, afirmou. Este painel contou com participação de Julio Zaguini, diretor de relacionamento com agências do Google, Rodrigo Andrade, sócio-diretor de negócios e operações da AlmapBBDO, e Enzo Devoto, vice-presidente de marketing de personal care Brasil da Unilever.
Violeta Noya, presidente da Otima e do grupo Ellevate, Andrea Weichert, sócia da EY, e Poliana Sousa, diretora de mar-
keting, comunicação e mídia da P&G Brasil debateram – sob mediação de Grazielle Parenti, diretora de assuntos corporativos e governamentais da Mondelez – o tema “O feminino na agenda das marcas e empresas: muito além do politicamente correto”. Andrea mostrou algumas pesquisas que mostraram a importância de se ter mulheres na liderança das empresas e também do quanto a igualdade de gênero faz diferença na economia: “Para se ter uma liderança sólida, 30% dos executivos precisam ser mulheres”, disse Andrea. “E se na Índia houvesse maior igualdade de gênero, haveria um aumento do PIB de 27%. Quanto mais igualdade, mais produtividade”, afirmou.
“Ainda faremos publicidade em 2025?”, perguntou Stephen Loerke, presidente da WFA, no sétimo e último painel do evento, mediado por João Ciaco, head of branding, marketing e communication da região latino-americana da montadora Fiat. Para responder, Stephen apresentou dados recentes de pesquisas feitas pela entidade. Sobre os adblocks, por exemplo, ele disse que todos devem se preocupar sim, pois a evolução de bloqueio de anúncios no digital cresce exponencialmente, duplicando do ano passado para cá.
“Estamos na era do ‘poder do povo’. Quando não lhe interessa, o consumidor simplesmente decide se quer continuar ou não a falar com esta ou outra companhia, interagir aqui ou ali. O que já entendemos que as pessoas não gostam é da experiência do anúncio, mas não de seu conteúdo e isso já abre portas”, afirmou. Para o futuro ele vê a necessidade de ter muita criatividade e entender como a companhia precisa trabalhar em função de quem se engaja com ela on-line, incluindo todos os departamentos, consolidando sua imagem. “Penso que o marketing vai conduzir a orquestra e não mais ser dono dela. Hoje, o pós-venda é tão importante quanto a venda. É a imagem da empresa em jogo”, observou.