Propostas das marcas que proíbem posicionamento político são vistas como retrocesso e falta de compreensão sobre o papel dos influenciadores
As mudanças sociais dos últimos anos levaram a sociedade a cobrar posicionamentos mais ativos e engajados de marcas e influenciadores. Um movimento que pode ser percebido desde às campanhas de vacinação contra o Covid-19 e os posicionamentos contra a Guerra na Ucrânia até os relatórios como o Barômetro da Edelman de 2022 e premiações como o Cannes Lions.
Um campo minado neste processo é posicionamento político-eleitoral, que agora pressiona o mercado de marketing de influência com cláusulas que podem ferir a liberdade de expressão. Em ano de eleições e com o país conflagrado, algumas marcas têm chegado a criadores de conteúdos com propostas que proíbem declarações político-partidários ou demonstração de apoio, como afirmou Fátima Pissarra, CEO da Mynd, ao Propmark.
Os casos, segundo as entrevistas feitas pela reportagem, são direcionados a profissionais que se posicionam à esquerda ou como favoráveis ao ex-presidente e atual candidato ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva.
"Eu acho que existe uma percepção das marcas de que se ela apoiar um influenciador que vota em determinado partido, consequentemente, é como se ela estivesse apoiando determinado partido. O que, para mim, como Mynd, está errado. Você contrata um influenciador pelo que ele é, com quem ele fala e por como ele se comunica com os seus seguidores", explicou Pissarra.
Para Eric Messa, coordenador do curso de Publicidade e Propaganda e do Núcleo de Inovação em Mídia Digital da FAAP, o velho ditado de não se discutir “futebol, política e religião” contribui para entender o receio das marcas em torno de discussões político-partidárias. “Quando falamos de pautas sociais, creio que as empresas estão se virando muito bem, mas, de fato, quando a gente fala de temas políticos, o assunto se torna delicado”.
Mas as transformações sociais, que mostram maior confiança das pessoas em empresas em comparação com instituições governamentais e mídia, demandam novas atitudes. “Neste momento bastante delicado nosso, as empresas precisam assumir alguns riscos, como, apoiar e manter parcerias com influenciadores digitais que resolvam se posicionar politicamente. Este é um momento de transformação em que vivemos em que acho que vale experimentar, apesar dos riscos”, opina.
As críticas a esse tipo de postura se tornaram recorrentes entre os profissionais. O influenciador Victor de Castro conta que já recebeu propostas com a exigência de que não falase sobre política até o fim do ano, uma, inclusive, com valor acima do que costuma receber. Normalmente, a sua equipe já veta quando veem a cláusula, mas, como o valor era elevado, a decisão final foi dele. “O que achei é para algumas empresas pode ser interessante calar alguns influenciadores”, afirma.
Ele acrescenta que, diferentemente de cláusulas de exclusividade, que já pediu a retirada em alguns ocasiões, a restrição política é mais rígida. “Toda vez que dizemos não por conta da cláusula, o trabalho cai”.
Para Ricardo Silvestre, fundador e CEO da Black Influence, que trabalha com mais de 100 profissionais, a exigência “denota retrocessso”. “O influenciador é uma pessoa que precisa se manifestar quando entende de determinado assunto”. Segundo ele, há uma percepção de crescente desconforto e preocupação nas conversas com os seus pares do mercado de influência.
O caminho escolhido por essas marcas parte de um receio de cancelamentos e haters, segundo João Finamor, professor de marketing digital do Prime MBA da ESPM. Para ele, consequência de uma falta de planejamento de cenários, com perspectivas positivas e negativas.
“Esse tipo de comportamento é um retrocesso e uma falta de entendimento do que é um influenciador, que é uma pessoa que por meio do seu conteúdo gera autoridade, novas conexões e chancela para as marcas”, explica. “O que marca quer é um garoto propaganda dos anos 2000, todo perfeito, genérico e não um influenciador”, adiciona.