Paulo Cunha, coordenador do curso de publicidade e propaganda da ESPM em São Paulo

Por Paulo Roberto Ferreira da Cunha*

Em 2018, num artigo publicado na Revista da ESPM, apontei para o fato de que a revolução vivida pela indústria da comunicação tem demandado um sem-número de inovações, previsões e mudanças em curto espaço de tempo, no qual a propaganda encontra novos desenhos tanto pela forma como pelo seu significado

E, é lógico entender que este fenômeno repercutiu diretamente nas instituições de ensino superior, não apenas nas necessárias respostas ao mercado, sobretudo no próprio questionamento se continua a valer a pena estudar propaganda em faculdades, pergunta que esconde outra dúvida, se a atividade sobreviverá a tantas formas de ser realizada e se o público ainda está sensível a seus discursos. Como spoiler, afirmo que, sim, continua e continuará. Porém, antes, é fundamental discutir três fatores centrais desta temática: carreira, papel das faculdades e mercado de propaganda.

Convido você a iniciar a reflexão pela ideia de carreira. Entenda-se aqui que uma carreira é o conjunto de experiências profissionais, cuja função principal é, objetivamente, gerar recursos financeiros para sustentar a vida pessoal de cada um.

E seu processo de construção adotou, até há alguns anos, sinônimos como linearidade, especialização e verticalidade. Fato que não mais corresponde às expectativas do mercado contemporâneo porque ele mudou e muito. De um determinismo cartesiano, a carreira se libertou e permite que modelos tidos como antagônicos e polarizados coexistam na mesma cena, parte de um mercado que busca eficácia e  respeita a singularidade das empresas, que ambiciona o perfil mais capacitado técnica e humanamente possível, desde que tenha aderência à proposta de quem contrata.

Em outras palavras, a construção de carreira hoje abre espaço para caminharem juntos, por exemplo, modelos de gestão tradicionais e modelos disruptivos (como startups e empresas de tecnologia), atuações generalistas e especialistas, referências internacionais ou puramente nacionais.

Construção que passou a ser vista como um processo contínuo e ininterrupto, sob o risco da obsolescência pessoal. E que, por sua vez, impacta profissionais ainda balizados pelas lógicas progressivas de evoluir em sua carreira, na medida em que se perguntam o que fazer com tantos caminhos e com a necessidade de ter sempre de acertar. Angústias, estas, presentes em sessões de coach e de psicanálise.

A segunda questão, o papel da faculdade, deve ser antecipada pela ideia de ensino superior. Desde sempre, a expectativa sobre a universidade no Brasil teve foco no ofício e na empregabilidade, historicamente voltada ao ensino funcional de práticas profissionais, que entregava mão de obra extremamente qualificada para funções específicas, por mais que promovesse concomitantemente o pensamento teórico e crítico.

Com a recomposição das tais práticas e expectativas de mercado, a pluralidade dos modelos de empresas e cargos esbarrou em competentes profissionais que sabiam exercer muito bem suas funções, mas que, nas condições múltiplas e plurais de agora, patinavam. Porque o fundamental ensino instrumental e tecnicista carecia de algo a mais, faltava um elemento na equação, como veremos a seguir.

Assim, não é de hoje que o papel das melhores instituições de ensino nacionais e internacionais também mudou. Em primeira instância, claro, há a entrega obrigatória de conhecimentos teóricos, instrumentais e pragmáticos específicos a cada área de atuação profissional.

Soma-se a esta entrega, o sensível e sofisticado trabalho de estimular o desenvolvimento e o aprimoramento de competências técnicas e humanas. Algo que no campo do marketing e da propaganda poderia ser compreendido como saber fazer (a tradução de aspectos técnico-instrumentais, como desenvolver um produto, produzir conteúdo para o Facebook, planejar uma campanha, definir métricas, gerir budgets e escolher equipes para determinados projetos), saber pensar (que convoca aspectos intelectuais, como analisar criticamente cenários, perceber impactos sociais, tomar decisões sem possuir todas as informações disponíveis) e saber ser (que introduz características emocionais, tais como se responsabilizar, colocar-se no lugar do outro, compreender limites e refletir sobre o real valor de propostas e projetos).

E estas três instâncias estão imbricadas, interligadas, impossíveis de serem desmembradas. É seu composto que permite uma atuação ética, responsável, criativa, segura, transparente e altamente qualificada. Que adere ao composto plano de carreira em congruência com o projeto de vida de cada um. Exatamente o que interfere no nível de turnover das empresas.

Ainda a título de exemplo, e adotando a visão old school, um profissional de mídia poderia ter como competências técnicas a capacidade de negociar, a articulação de relações, a visão estratégica e a adoção de letramento digital. Estas características o direcionavam a departamentos de Mídia de agências de propaganda. Nada errado, apenas enquadrava e limitava sua empregabilidade.

Por outro lado, a centralidade da leitura contemporânea de carreiras reside em iniciar a análise do perfil deste profissional não apenas pelo que faz tecnicamente, mas por suas outras características pessoais. Se o que o move a trabalhar cada dia é a adrenalina da negociação e a articulação de networking, ele também poderia desempenhar os mesmos skills em áreas de vendas ou de trade marketing de empresas, na representação de produtoras de audiovisual, na área comercial de veículos de comunicação, na captação de patrocinadores de eventos ou na prospecção de investidores-anjo para startups.

O mercado publicitário demanda, sincronicamente, profissionais multidisciplinares, capazes de perceber para além dos muros de sua área de origem, para o mercado ampliado, denominado como indústria da comunicação. O grande e completo campo que parte do marketing transita por todas as áreas e práticas da comunicação em agências e em consultorias, domina recursos valiosos como humanidades, pesquisas, bases de dados e visão de branding, reconhece distintos espaços midiáticos, entrega a materialização das grandes ideias nas formas impressas, de audiovisual e de streaming, insere lógicas da tecnologia da comunicação (gestão de dados, BI, IA, UX e programação) e surfa em metodologias quantitativas e projetivas (métricas, finanças, estatística etc.).

Enfatizo que quanto maior for o campo, maior a profundidade das experiências e articulações de conhecimentos, das experiências cognitivas e práticas transversais, para fazer eclodir o humano materializado em softskills, focos das instituições de ensino superior de excelência.

Por exemplo, para a ESPM, possuir um war room não se justifica como ambiente para ensinar estudantes a trabalharem com dados, o que já acontece em salas de aula, mas para que eles não se intimidem diante da tensão gerada por momentos de crise, impedindo a tomada de decisões.

Entende-se que se bons técnicos perdem o emprego e sensíveis pessoas vão para o Olimpo, os dois perfis juntos prototipam o executivo ambicionado pelas empresas – amplo e uno, técnico e humano. Sem medo de perguntas ainda não feitas, capaz de se expor, forte e frágil, com acertos e erros de uma jornada única. Tal protótipo é a responsabilidade primeira de um curso de propaganda.

As empresas não estão preparando, e nem é seu papel preparar, publicitários e marqueteiros multidisciplinares, humanos e técnicos para lidarem com o vasto campo da indústria de comunicação. O executivo de amanhã é hoje um jovem que também lida com a diferença entre as visões profissionais apreendidas em seus estágios ao longo da faculdade, onde se confronta com as múltiplas realidades e infinitas possibilidades de discursos.

E que, ao mesmo tempo, exercita a empatia, a crítica, os limites pessoais e das suas ideias em cada aula, em cada debate, em cada dúvida, em cada novo autor descoberto. Ao expor suas fronteiras pessoais, tem a oportunidade de ser tutorado para sentidos que a carreira pode adquirir para si, além de promover a reflexão dos propósitos de sua vida.

Porque estudar propaganda vai além da técnica. Precisa entender de pessoas, cujo primeiro degrau é entender de si. Portanto, não se estuda propaganda exclusivamente por causa do diploma ou de conteúdos profissionalizantes: a faculdade é o espaço para o estudante viver experiências que somente lá podem ser vivenciadas e que o preparam para atuar em um mundo em total transformação. Assim como a propaganda.

*Coordenador do curso de publicidade e propaganda da ESPM em São Paulo.