Roniquito, provavelmente o criador da expressão Aspone – Assessor de Porra Nenhuma –  foi durante muitos anos Aspone da diretoria da Rede Globo. Mas também foi uma das figuras mais ilustres da moderna história boêmia do Rio de Janeiro. Suas aventuras estão gravadas para sempre na memória da cidade, como um exemplo para as gerações vindouras. Como? Estou exagerando? A coluna é minha e eu escolho meus ídolos. Dito isso, passo a contar uma das muitas histórias de Roniquito, já devidamente coberta pelo “manto diáfano da fantasia” que, como se sabe, melhora a verdade, para lhe emprestar o caráter imorredouro da lenda. Hoje eu estou particularmente chegado a uma frase de efeito.

Bem, contam que morreu um amigo do Roniquito e ele resolveu ir ao cemitério prestar as últimas homenagens. Chegando lá, para seu espanto, encontrou apenas a viúva e uma moça, aparentemente filha do falecido, chorando solitárias lágrimas, sentadinha num banco. Chocado com o que estava vendo, Roniquito começou a pensar sobre a ingratidão do mundo, pois aquele morto merecia hordas de bebuns que, como carpideiras, deveriam estar ali, aos prantos.

Ilusões perdidas, dia perdido, ele olhou no cafonérrimo relógio eletrônico chinês da capela e viu que já eram dez horas da manhã. Momento mais do que certo para beber um bom uísque em homenagem à alma do falecido. Foi a um bar ali por perto, encheu a cara como de hábito e voltou ao cemitério, já disposto a telefonar para os companheiros do defunto, enquanto vivo, para  convocá-los a um enterro digno. Pois foi na volta (já calibrado) que percebeu seu engano. Ao entrar no cemitério foi saudado por dezenas de boêmios que já participavam de um velório digno de cachaceiros. Tinha até um violão, magistralmente tocado pelo delegado Melo Morais, tio de Vinicius. Uma festa à altura do desencarnado, biriteiro da maior responsabilidade.
Acontece que sóbrio – ou seja, fora do seu normal – ele tinha se enganado e entrou na capela errada. Enquanto ele quase morria de solidão, seu morto estava em boa companhia: bêbados, putas, garçons, toda aquela maravilhosa gente que tinha sido testemunha da sua passagem por este vale de lágrimas. Aquele desconhecido em cuja (desculpem o cuja) capela ele entrara, era outra pessoa. Um erro essencial. O morto dele jazia em companhia de irmãos queridos. Roniquito então vai até a capela onde tinha perdido parte da manhã num velório em que não devia ter estado, grita para as acompanhantes: – Defuntinho de merda esse de vocês, hein?!

Neste mesmo velório, Roniquito continuou bebendo e acabou ficando  completamente de porre na hora do enterro. Decidido a ajudar a carregar o caixão, Roniquito lutou por segurar as alças e sempre era impedido por alguém preocupado com sua capacidade de se manter em pé. Ele  disputou de alça em alça o privilégio de dar uma mãozinha na última caminhada do amigo nesta terra. Afastado por todos, Roniquito viu o féretro ir se afastando, os circunstantes  muito solenes e um pouco bamboleantes, graças ao álcool generosamente consumido durante as pompas fúnebres. Sentindo-se rejeitado, Roniquito na porta da capela, vendo caixão e acompanhantes de afastarem, grita:  Vocês aí! Vocês aí! Parem! O cortejo obedece, atônito e fica olhando para o Roniquito. Ele completa: – Enfiem este cadáver no cu!

Um amigo leitor escreve me lembrando de uma figura lendária de São Paulo chamado Zé do Pé. Esse cara foi amigo de muita gente boa, inclusive do grande Marcos de Vasconcellos, que tinha por ele a maior admiração, mesmo sendo Zé do Pé uma figura paulista e Marcos especializado em Rio de Janeiro. Marcos contou uma passagem do Zé do Pé absolutamente antológica. Zé estava no Paddock (será que eu preciso explicar que é um tradicionalíssimo restaurante de São Paulo?) falando de sua íntima amizade com José Ermírio de Morais – evidentemente uma mentira – quando entra no restaurante o próprio Zé Ermírio, que se dirige ao banheiro. Zé do Pé pede licença aos amigos, vai ao banheiro e se encontra com Zé Ermírio. E faz um apelo desesperado.

– Zé Ermírio, prazer. Meu nome é Zé do Pé. Eu acho você o maior brasileiro vivo. Você é meu ídolo. Eu gosto tanto de você que minto para os meus amigos dizendo que sou seu íntimo. Vivo inventando histórias onde privo de sua consideração. Loucuras de fã, sabe como é? Acontece que você está aqui e todos vão descobrir minhas mentiras e eu vou ser desmascarado. Você pode imaginar o que é perder o respeito dos amigos. Mas você pode me ajudar e eu quero muito pouco. Como eu já disse, meu nome é Zé do Pé, um dia eu lhe conto o porquê. Zé do Pé é fácil guardar. Você vai passar por minha mesa. É possível me cumprimentar? Basta um alô, algo que mostre que você me conhece. Faça isso por caridade. Ajude-me!

José Ermírio sorriu e prometeu ajudar o Zé. O  que custaria dar um simples alô e salvar aquele homem do ridículo?

Zé do Pé voltou para a sua mesa. Zé Ermírio veio andando pelo restaurante cumprimentando vários conhecidos. Até que se aproximou de onde estava o Zé do Pé e saudou:
 
– Olá Zé do Pé! Imediatamente Zé do Pé, sem se voltar pra trás responde: – Já disse pra você parar de me encher o saco, Zé Ermírio!

Lula Vieira  é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista,  escritor, editor e professor