O ano de 2018 só fica mais especial para a Mauricio de Sousa Produções (MSP). Em julho, o presidente e criador desse universo começou a comemorar 60 anos da publicação da primeira tirinha. Este mês, ele vive o sonho de abrir seu estúdio ao público, se juntou a Ziraldo para unir a Turma da Mônica e O Menino Maluquinho em livro e viu um gibi entrar para o Guinness World Records como o maior do planeta. Mas não para por aí. A empresa prepara mais um filme, está expandindo a atuação internacional e vai entrar no mundo dos games. Nesta entrevista, Mauricio de Sousa também fala sobre o processo criativo do desenho animado.

Divulgação/Lailson dos Santos

O que representa a abertura do estúdio da MSP para os fãs e mercado?
Sou do tempo em que não havia chave na porta. Logicamente não tínhamos essa estrutura, mas não havia a formalidade de botar tranca, qualquer coisa assim. Ir ao estúdio é uma atividade fascinante e atraente. Não tem quem não queira ver como nasce o desenho e como se produz uma história em quadrinhos. Desde o início senti que havia essa busca, essa tentativa de entender como trabalhávamos. Mas era impossível atender até mesmo o meu desejo de abrir para os amigos. Agora, com o estúdio, abre-se um pouquinho mais a possibilidade. Ainda não está do jeito que eu quero, falta espaço e quero complementar algumas coisas. Mas dá para, em parte, atender à demanda. Por isso resolvi apressar o processo e montar um esquema para receber um número que a gente suporte sem prejudicar a produção. Ao mesmo tempo, abro o jogo para jovens e adultos que sempre sonharam em conhecer o estúdio.

Parte de seus roteiristas trabalha fora do estúdio em suas cidades espalhados pelo país. Por quê?
Convidei a maioria deles a voltarem às origens físicas, cidades e famílias para ter novos tipos de conhecimento, hábitos e costumes. Quase 90% foi embora e trabalha em casa, com reuniões periódicas aqui. Quando tem uma emergência, eu chamo. As histórias ficaram melhores com uma variedade maior das temáticas escolhidas.

Ter um novo público dentro do estúdio incentiva novos artistas?
Sim, tem esse lado empreendedor. Os meus artistas estão se aposentando, alguns chegando a 50 anos de casa. Aqui as pessoas entram e não saem mais. Por vários motivos, preciso fazer substituições. E prefiro fazer com quem curta, goste e, de preferência, conheça um pouco mais o nosso sistema. Uma visita para quem tenha jeito e tenha dom, que goste e sonhe em fazer isso, desmistifica a profissão e a atividade de produtor de quadrinhos.

Como essa abertura é importante para o futuro dessa arte?
Muita gente que gostava de desenhar e queria seguir adiante na profissão não teve oportunidade ou teve medo, por não conhecer o processo e achar que é impossível ou que só estrangeiros sabem fazer. Nada a ver. Quero que as pessoas cheguem aqui, especialmente os jovens, e vejam pessoas exatamente como eles. Gosto de me cercar de jovens para passar os segredos, truques e técnicas de fazer uma boa história em quadrinhos. Qualquer pessoa que se prepara bem, que tiver jeito e dom, desenvolver técnicas e a cultura da história em quadrinhos, pode trabalhar conosco ou ter o próprio estúdio. Quero abrir essa possibilidade psicológica: é possível fazer quadrinhos, vender e viver disso. Quero abrir pontes de comunicação entre os artistas que estão se aposentando e os novos.

O senhor enfrentou medo seu e de outras pessoas?
Havia muitas dúvidas quando comecei e se conseguiria fazer o que fiz depois. Mas teimei, enfrentei os problemas, a descrença e um pouco de baixa autoestima, de achar que só os estrangeiros sabem fazer… Conversa! Todo mundo sabe e está fazendo bem. Há dezenas de quadrinistas brasileiros produzindo para o exterior. Podemos montar esquemas que se paguem e se perpetuem. O que montamos não fica só nos quadrinhos, tem desenho animado, produtos, filmes, games que vamos produzir e a possibilidade de universalizar o produto. O que nós fazemos no Brasil pode sair em qualquer país.

Divulgação

Lembra sua reação ao ver sua primeira tirinha em um jornal, em 1959?
Saí na banca na rua e comprei um monte de jornal para os parentes. Tenho dúvidas até hoje se foi na Folha da Manhã, da Tarde ou da Noite. Acho que foi na da Tarde; alguns historiadores, que foi na da Manhã, mas foi no Grupo Folha. Ainda era repórter policial. O pessoal gostou, fui me firmando até atingir o estímulo necessário para fazer tiras diárias, que era o meu objetivo. A tira diária nasceu depois de algumas semanais. Pedi demissão da reportagem e virei desenhista, com a ideia de criar mais histórias e personagens. E de usar o sistema americano de distribuição para ratear o custo: publicar o mesmo conteúdo em vários jornais. Aprendi isso na redação. Três anos depois da publicação das primeiras tiras, eu já estava com cerca de 400 jornais no Brasil publicando minhas tiras. A década de 1970 já começou com o lançamento da revista da Mônica pela Editora Abril, que saiu com 200 mil exemplares e se firmou rapidamente. Dois anos depois, já saiu o Cebolinha, e depois foram saindo outros personagens. Foi arrasador.

Como está a cultura de quadrinhos hoje no Brasil?
A cultura de quadrinhos vai bem obrigado, a produção também. São muitos desenhistas trabalhando com quadrinhos atualmente. Nunca teve tantos quadrinhos brasileiros como há por aí. Alguns regionais, locais, pontuais… É impossível calcular agora o número. Há muita variedade no país atualmente. Estamos fazendo, brilhando e vendendo mais que estrangeiro.

A MSP cresce e alcança mais plataformas a cada ano. Quais os próximos passos?
Lançamos neste ano mais uma série de desenho sem palavras, o Biduzidos, só de animaizinhos. Eles não precisam ter idiomas, eles são universais. O cachorro do Japão late igual ao do Brasil. Isso não ocorre com o ser humano porque resolveram complicar as coisas. E estamos produzindo pequenos games muito fofinhos e bonitinhos, que devemos lançar no fim do ano, provavelmente na Comic Com Experience. O mundo inteiro estava galopando nos games e nós estávamos atrasados. Um pouco por causa de tecnologia e porque os games são dominados por grandes marcas e produtoras. Estávamos nos preparando.

Qual outra plataforma deve ganhar mais atenção da MSP?
Iniciamos a produção de outro longa-metragem. Depois do Laços, deve vir um filme da Turma da Mônica Jovem. Essa é uma seara, um caminho que vamos usar bastante. Não só com a Mônica, mas com outros personagens. Devemos fazer também séries de filmes para o mercado internacional. Filmes e desenhos animados precisam ser universais, não podem ser mais só para o Brasil. Eles devem ter condições e requisitos para passar no mundo inteiro. É uma boa ginástica que temos de fazer, nós e os nossos parceiros, para continuar a atender um público grande, que tem prazer nos nossos produtos. Estamos estudando propostas que provavelmente divulgaremos em alguns meses.

Veremos o senhor atuando?
Não sei, não posso dar spoiler.

Bete Nicastro

Com tanta coisa sendo realizada, o quanto o senhor acompanha e se envolve nos processos?
Vou todo dia para o estúdio, tento acompanhar tudo. Fico muito bravo que o dia só tem 24 horas. Tento montar esquemas para pelo menos ter conhecimento básico do que está se abrindo e sendo realizado. Sou muito ajudado pela minha família, entre mulher, filhos e netos. É uma empresa basicamente familiar. Daqui a pouco tem mais gente da família… até o cachorrinho. Mas isso é o lado do sonho, da brincadeira. O meu primeiro personagem foi um cachorrinho, tenho de prestar os devidos respeitos à raça canina que nos é tão cara, bonitinha, esperta e carinhosa.

O Sítio do Pica Pau Amarelo entra em domínio público em 2018. O senhor já pensou em um encontro com a Turma da Mônica?
Pensaram por mim. E estou morrendo de medo. Sou muito fã do trabalho original do Monteiro Lobato. Sabia praticamente de cor passagens dos livros. Muitos anos atrás, uma editora que tinha os direitos pediu para eu estudar os personagens. Não tive coragem, achava e acho que é um sacrilégio mexer naquela coisa linda. Mas houve uma conversa para entrarmos na corrida que vai haver para utilizar os personagens. Estou preocupado com isso, porque, para mim, o Sítio é como eu conheci, está grudado na minha cabeça. Se é dada uma oportunidade de fazer algo com o Sítio, podemos colocar nossa criatividade, arte e cultura da obra a serviço de uma modernização, adequação e acompanhamento. Não sei como seria. A porta não está fechada, está entreaberta. Não definimos nada.

É verdade que a sua obra será tema de um documentário?
Há uma produtora internacional interessada em fazer um documentário baseado no livro que escrevi. Estamos estudando o material. Eles vão fazer um esboço de como seria, eu vou aprovar, desaprovar ou orientar.

Sua amizade com o Shintaro Tsuji, fundador da Sanrio, transbordou na parceria de Mônica e Hello Kitty. Qual o próximo passo desse encontro? E há mais planos da MSP no Japão?
Devemos ter um musical com a Hello Kitty e a Mônica juntas. O Horácio está saindo de novo no Japão e estamos trabalhando muito com a possibilidade de lançar quadrinhos lá, ainda este ano deve sair material no Japão criado pelos nossos estúdios. Além disso, estamos investindo cada vez mais na área educacional. Temos um projeto para ensinar ética e cidadania a 28 milhões de crianças, ajudando filhos de japoneses que chegam no país a entendê-lo melhor. São cartilhas que distribuimos em escolas para eles se adaptarem mais facilmente, tudo feito com o carinho da Turma da Mônica. Essa parte é linda, mas não falamos muito sobre ela. Mexer com educação é uma das coisas mais gostosas e prazerosas para mim.

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