Recém-empossada como presidente da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), Nelcina Tropardi atua na entidade há mais de duas décadas. Ela presidiu por cinco anos o Comitê Jurídico, entre outras atividades. É vice-presidente de Sustainability & Corporate Affairs da Heineken Brasil e está envolvida com o projeto ABA 2025 anos. Nelcina conta com a ajuda da presidente-executiva Sandra Martinelli, à frente do dia a dia da instituição que congrega os anunciantes. Seus associados concentram 70% do investimento publicitário no país. Confira a sua entrevista.

O que vai nortear seu mandato como presidente da ABA?
Estamos em um grande processo de transformação, como exige o mercado, e vamos manter essa rota. Temos muitas metas a serem cumpridas na nossa agenda criada, essencialmente, para definir os rumos futuros da associação com uma estratégia de impacto que envolve questões pontuais nos negócios, bem como norteia a produção de conteúdos éticos para o engajamento da sociedade. Todas nossas iniciativas têm apenas um vetor, que é a valorização do marketing como disciplina de transformação do negócio. Temos a confiança de que o marketing bem feito pode ajudar na construção de uma sociedade mais consciente e responsável e a crescer os negócios por meio de eficiência e criatividade. Da mesma forma, é fundamental que as marcas promovam o alinhamento estratégico de sua comunicação com outras áreas da empresa, especialmente com a área de relações ou assuntos corporativos, que engloba os times de relações governamentais, políticas públicas e regulamentação, sendo, em última instância, responsável por salvaguardar a reputação da companhia. Já começamos a desenvolver o Projeto ABA 2025, com um grupo de consultores liderados pela Consultoria Amelie, nossa parceira que também esteve à frente do Projeto ABA 2020. É um projeto robusto, para seguir com a ABA nos trilhos para os próximos cinco anos e será apresentado para nosso Conselho Superior no segundo semestre. Continuaremos contando com Sandra Martinelli, como presidente-executiva, completando cinco anos à frente da entidade, aportando criatividade e eficiência, com visão de mercado e focada no protagonismo colaborativo, amealhando parceiros, apoios e patrocínios, compartilhando as melhores práticas globais e do Brasil.

Como observou o movimento da Abap que encomendou à Fundação Dom Cabral um guia de compliance?
Com muito bons olhos! Qualquer movimento na direção de governança e compliance é muito bem-vindo para todo o ecossistema publicitário em nosso país.

Como a ABA está vendo a Lei Geral de Proteção de Dados em um momento que o uso de informações é cada vez mais recorrente?
Com respeito e bons olhos. Está claro para a grande maioria dos anunciantes que, a despeito da necessidade que temos de investir e atingir um target específico, nada é mais importante que a privacidade dos consumidores, que são extremamente relevantes para as empresas. Nosso papel como entidade é endossar esse coro e auxiliar na disseminação dos conceitos que envolvem essa lei.

Quais são as questões preponderantes para os anunciantes nesse momento?
Temos muitas frentes no radar, mas há temas que são primordiais, como a eficácia dos investimentos e os cuidados com dados. É preciso catalisar os investimentos para um retorno cada vez mais pertinente e, ao mesmo tempo, precisamos ter um cuidado redobrado com a privacidade dos dados pessoais dos consumidores, que conta com novas regras agora. As atividades de marketing estão entre as mais impactadas pela nova regulamentação, especialmente no ambiente do marketing digital, uma vez que frequentemente analisam e trabalham com dados baseados nos hábitos e comportamentos dos consumidores, oriundos do tratamento de dados pessoais. Do nosso lado, como entidade, temos a missão de difundir conceitos e orientações, por isso lançamos recentemente o Manual ABA para adequação à LGPD – Orientações e boas práticas de governança de dados para publicitários, focado no tratamento de dados pessoais de consumidores no Brasil.

Como observa a transformação que a comunicação mercadológica está passando globalmente, mas com especificidades no Brasil?
Com otimismo e cautela, sabemos que o país busca retomar os trilhos para o seu desenvolvimento econômico e social. Essa meta não deixa de ser um dos propósitos da entidade também, de mobilizar o marketing para transformar os negócios e à sociedade como um todo.

O anunciante, com o acesso que tem aos dados, pode melhorar a qualidade dos briefings e, consequentemente, da relação com suas agências?
Sim, o volume de dados, algoritmos e afins, unido a uma percepção dos anseios de consumidores, conhecimento de cultura e propósitos de marcas e empresas, é capaz de deixar os briefings ainda mais precisos. Em tempos escassos, esse ‘pool’ de informações ajuda em orientações mais precisas com menor chance de refação e dispersão. Além disso, os anunciantes sentem a necessidade de desenvolver comunicações personalizadas e, portanto, mais eficientes, de forma que os dados e a informação certamente melhorarão a qualidade dos briefings e os resultados das campanhas.

Com o controle de acesso a dados, o anunciante limita o volume de informações confidenciais?
Essa é uma decisão de cada anunciante. Mas, é fato que as orientações e determinações legais devem sempre ser seguidas.

Por que os anunciantes estão internalizando disciplinas como mídia, por exemplo?
As agências seguem como parceiras muito estratégicas para anunciantes, independentemente de seu ‘endereço’.

As fake news obrigam os anunciantes a terem que tipo de cuidado na hora de comprar mídia?
O Comitê de Mídia da ABA tem esse assunto na sua pauta anual, discutindo as melhores práticas neste tema. Os cuidados devem estar centrados na adequação de mensagem e conteúdo, além da idoneidade dos veículos/meios escolhidos. Essas são as normas básicas.

Como observa a ad fraude? Alguns cálculos indicam que as perdas com ad fraude são enormes, na casa dos bilhões de dólares. Como coibir isso?
Esse é outro tema de destaque em nosso Comitê de Mídia. Transparência e vigilância são as palavras-chaves. Primordial exigir transparência em todos os níveis da compra de mídia. Do nosso lado, como anunciantes, precisamos exigir, de toda a sua cadeia, uma lista onde foi veiculada a publicidade, o preço pago e a URL onde o anúncio foi veiculado. É necessário analisar todas as métricas e não apenas ‘os cliques’, ‘a conversão’, ‘o viewability’ ou ‘o preço’. Quando se olha o todo, desde a compra, a visita, até a conversão, fica mais difícil para o fraudador conseguir enganar. Conhecer a jornada do consumidor, o perfil e o custo médio é essencial.

A questão da remuneração das agências é vista sob que ponto de vista pela ABA?
Fundada há mais de 60 anos, a ABA é a casa dos anunciantes. Contamos com mais de uma centena de associados, que representam cerca de 70% dos investimentos em publicidade no Brasil. Integramos, ainda, o Comitê Executivo da WFA – World Federation of Advertisers, que representa empresas e associações nacionais que respondem por cerca de 90% dos investimentos publicitários no mundo. No que se refere ao tema das bonificações, a WFA detém posicionamento específico, entendendo que são uma prática regular em muitos mercados ao redor do mundo e, obviamente, não se opõe à sua existência. No entanto, exige-se transparência em todo o processo de bonificações que as agências recebem de compras de mídia. Nesse contexto, acreditamos no marketing ético e responsável como elemento fundamental para a evolução da sociedade, calcada na liberdade de expressão e livre concorrência; entendemos também que um tema relevante como este deva ser tratado por agentes do mercado, com conhecimento amplo, incluindo seus impactos na indústria; defendemos, portanto, uma competitividade e transparência cada vez maior ao setor, de modo que a priori saudamos quaisquer discussões e/ou medidas que representem um incremento nesta direção, estejam elas relacionadas, ou não, ao tema da bonificação por volume.

Como é a relação da ABA com as demais entidades, em alguns momentos há discordância?
Muito próxima e positiva, com troca de experiência e muita disseminação da cultura, ética e responsabilidade com o ecossistema de marketing e comunicação. As associações participam conosco de eventos, painéis, ajudam-nos com conteúdo e temos vários projetos em conjunto. Se há discordância em alguns momentos, isso é saudável, eleva o nível da discussão.

E como deve ser o procurement ideal? O que mudou nessa área dos anunciantes?
Temos na ABA o Comitê de Sourcing, que atua há mais de 10 anos na entidade e busca discutir e aprimorar as atividades relacionadas à compra de serviços de marketing, de modo a atender seus clientes internos na empresa e buscar a otimização desses investimentos. Atualmente presidido por Sheila Vieira, commerce procurement manager da Heineken, o Comitê tem como grande foco posicionar os profissionais da área de compras como parte estratégica do negócio. Este é o movimento atual da área de procurement dentro dos anunciantes, de representar uma peça-chave na otimização dos recursos das empresas e no estabelecimento de alianças estratégicas. Com esta visão, o Guia ABA de Boas Práticas do Relacionamento entre Agências de Publicidade e Clientes representa entrega indispensável ao mercado, promovida por nosso Comitê de Sourcing. Na elaboração do conteúdo do documento, contamos com a parceria de Ênio Vergeiro, da Q&A Associados, com o apoio da ABAP e da Fenapro, tendo como sponsor Danielle Bibas, vice-presidente de marcas, comunicação e cultura corporativa da Avon, e conselheira da ABA. Para o segundo semestre deste ano, integrando o calendário de ações comemorativas dos 60 anos da ABA, daremos continuidade ao trabalho deste Comitê com a segunda edição do guia, agora focado no relacionamento entre clientes e agências de live marketing. O Guia ABA de Boas Práticas do Relacionamento entre Agências de Live Marketing e Clientes novamente contará com a colaboração de Ênio Vergeiro, da Q&A Associados, e, desta vez, com o patrocínio da Ampro. Transparência, ética e responsabilidade nas relações comerciais são as palavras da vez dentro do universo de procurement e são refletidas de forma prática e aplicável no trabalho do Comitê de Sourcing, por meio de seus encontros e guias de boas práticas.