O primeiro trimestre de 2020 está perdido, o segundo é uma incógnita, e a próxima metade do ano conta com a maior parte das expectativas do setor de eventos e entretenimento. Eis a ponta do iceberg da delicada situação que envolve uma extensa cadeia com empresas, agências, clientes e fornecedores dos mais variados.
Com a pandemia da Covid-19 e a urgência do distanciamento físico, aglomerações foram proibidas, derrubando eventos, fechando espaços culturais e levando ao efeito dominó. Como manter o ecossistema? A questão mobiliza entidades, empresas e profissionais em busca de alternativas e soluções.
A Associação dos Promotores de Eventos do Setor de Entretenimento e Afins (Apresenta Rio) levou às autoridades uma Carta Manifesto, endossada por mais de 20 entidades.
De acordo com o documento, essa indústria representa 13% do PIB nacional. Somados os setores de cultura, esportes, entretenimento, negócios e turismo, os eventos movimentam R$ 936 bilhões na economia anualmente e geram cerca de 25 milhões de empregos diretos e indiretos. O setor foi um dos primeiros impactados pelas medidas restritivas e, por isso, busca urgentemente intervenções do poder público.
Os pedidos incluem acessos a linhas de créditos específicas, diferimento de tributos e a prorrogação dos prazos de pagamentos de impostos até 2021, com a parcelamento do saldo acumulado em 24 vezes após a crise. Outra coisa é um compromisso formal e moral dos governos quanto ao apoio e à retomada do setor com patrocínios e programas de fomentos e incentivos fiscais.
Outras 19 entidades integram o movimento, entre elas Abeoc (Associação Brasileira de Empresas de Eventos), Abrape (Associação Brasileira dos Promotores de Eventos), Ampro (Associação de Marketing Promocional), APTR (Associação dos Produtores de Teatro) e Ubrafe (União Brasileira de Promotores de Feiras).
Alexis Pagliarini, presidente da Ampro, defende que todas as atividades devem juntar forças e confiar em seus representantes. “As medidas mais importantes não estão dentro do mercado. As agências, principalmente pequenas e médias, precisam de um governo atuando para que sobrevivam durante a crise. São necessários recursos.”
Outra mobilização parte de profissionais liberais e empresas fornecedoras para evitar o desemprego e o fechamento de portas. Entre os mais afetados há uma empresa de mão de obra que, num único dia, perdeu 12 eventos.
O produtor-executivo Felipe Guedes destaca o movimento De Mãos Dadas com a Sua Agência. A proposta é que as empresas adotem uma agência para assumirem seus eventos, sem concorrência, por no mínimo de 10 meses. Outra sugestão é que as empresas não paguem projetos acima de 30 dias. A iniciativa sugere ainda que agências e clientes priorizem a remuneração dos profissionais que já estavam contratados para jobs cancelados ou adiados. “Parceria, compreensão e cooperação de toda a cadeia podem salvar empregos, valorizar as marcas e dar um pouco mais de segurança ao setor”, diz.
EMPRESÁRIOS FOCADOS
Algumas agências tiveram cortes pontuais relacionados à queda de eventos, mas seguem confiantes na normalização. Fernando Figueiredo, senior partner e CEO da Bullet, conta que com as suspensões em função da pandemia, o setor foi muito impactado. “Oito eventos foram suspensos. Nossa equipe é proporcional às demandas, nos adaptamos a essa realidade. Foram demitidos 30 profissionais de áreas diversas, em sua maioria da área de produção e associados a projetos cancelados. Não temos mais demissões previstas”, afirma.
A Netza também passou por algo semelhante. A cofundadora Fabiana Schaeffer explica a situação. “Lamentavelmente, tivemos dispensas na área de produção, pois os jobs de eventos foram cancelados ou remanejados para o segundo semestre. Porém, em contrapartida às oito demissões ocorridas, tivemos quatro contratações para a área de digital, inclusive, com a conquista de um novo cliente, que será revelado em breve.”
Juliana Ferraz, diretora de novos negócios e relações públicas da Holding Clube, defende a força do mercado com estratégias a campanha Não cancele. Remarque. Para ela, o momento é de todos falarem a mesma língua e de ter novos formatos nas relações comerciais. “É hora de reconstruir a relação cliente x agência. E, para isso, o mercado precisa estar unido e alinhado. Vai se dar bem aquele que estiver preparado para atender às demandas que vão surgir”, diz. Ideias incluem buscar novas oportunidades com os clientes já atendidos e novos leads a longo prazo.
Duda Magalhães, presidente da Dream Factory, fala que a empresa deve ter uma redução de faturamento, mas está confiante na demanda ainda mais profunda por eventos. Para ele, uma vez livres do confinamento, o desejo pelo reencontro entre as pessoas será ainda maior, impulsionando o setor em 2021. “Acreditamos profundamente no nosso país, no mercado brasileiro, que atravessaremos essa tempestade saindo mais fortes como nação e como seres humanos. Essa crise veio esfregar nas nossas caras o quão frágil e quão fortes podemos ser.”
Fernando Ximenes, sócio-proprietário do Parque Estaiada, ecoa o otimismo para os meses que virão. A expectativa é de eventos grandes e em quantidade acima do normal. “Em comparação de demanda, trabalharemos no segundo semestre como se todo mês fosse dezembro”, adianta.
ALTERNATIVAS E OTIMISMO
Fechado por tempo indeterminado, o Museu do Amanhã, no Rio, usa o digital para manter o diálogo com o público em isolamento. Atividades como ioga e clube de leitura estão sendo feitas em ambiente online e redes sociais.
Em paralelo, Ricardo Piquet, presidente do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), responsável pela gestão do Museu do Amanhã, conta que o IDG participa de articulação com agentes públicos e privados, atuando em grupos de debate para que as soluções sejam coletivas. “A instituição também vem preparando conteúdos educativos sobre a doença e dos eixos temáticos de 2020, como debates sobre emergências climáticas. Cabe ressaltar a importância da produção cultural, livros, vídeos, filmes, shows musicais. Artistas e instituições estão liberando gratuitamente suas produções para ajudar as pessoas a atravessarem esse momento de confinamento. Imagina combater a epidemia sem médicos e cientistas? Como seria a quarentena sem cultura?”, reflete.
Outro forte representante do pilar cultural, a CCXP – Comic Com Experience, o maior festival de cultura pop do mundo, teve em 2019 um ano histórico com sold out de 280 mil ingressos. Na visão de Pierre Mantovani, CEO do Omelete Company, responsável pelo evento, além de todas as medidas, é importante observar as oportunidades no setor de streamings, games, conteúdos e serviços digitais e, “com conservadorismo e realismo, no varejo de produtos e eventos”.
A partir do propósito de melhorar a vida das pessoas por meio do entretenimento, ele fala que a empresa vê oportunidades de maneira integrada desde live experience até conteúdos digitais. “Não podemos tirar o pé do acelerador e nossas plataformas ganham um novo protagonismo nesse momento no qual todos estão em casa. Este será visto como um ano de sobrevivência e iremos segurar todas as nossas metas de crescimento que serão adiadas para 2021”, explica. Com tantos lançamentos adiados como os filmes Mulan, Mulher Maravilha e Velozes e Furiosos 9, a CCXP ganha mais relevância em dezembro. “Será o local correto e perfeito para todos esses conteúdos, mundialmente dizendo.”
Bazinho Ferraz, founder e CEO da BFerraz e do B&Partners.CO, define o ano como atípico, mas ainda não perdido. “As marcas vão precisar vender e para vender precisam se comunicar. Muitos eventos foram adiados, o que vai movimentar o setor, com certeza”, indica. Entre as principais mudanças, está a do Lollapalooza, que migrou de abril para dezembro, mantendo o local e suas principais atrações. Também otimista, Celio Ashcar Junior, sócio da Aktuellmix, sugere outra iniciativa para o mercado: conversar com os clientes sobre o que pode ser trabalhado desde já. “Muitas marcas podem adiantar seu planejamento. Vejo um momento de se reinventar, pensar mais no online e reforçar novos formatos. Vamos aprender muito.”