Estava com esta coluna meio pronta na terça-feira passada (10), já esperando receber o email de nossa editora, fazendo sua tradicional, educada, gentil, mas inexorável, cobrança, quando li a coluna do Xexéo em O Globo. O assunto dele, ainda que não fosse a mesma coisa que o meu, tinha mais ou menos a mesma inspiração. Explico.
A inspiração era o cinema italiano, mais especificamente as comédias italianas dos anos 1970. E citou especificamente o magnífico filme de Mario Monicelli chamado Amicci Mei – Caros Amigos –, que narra as aventuras de uma turma de velhos colegas de escola. Engraçadíssimo, embora nostálgico e até filosófico.
Cheguei a pensar em mudar de assunto, pois estaria correndo o risco de parecer plágio. Mas, depois, concluí que… bem, concluí que foda-se. O que é uma pensata que pode até ser considerada profunda. O que eu estava contando, quando eu mesmo me interrompi? Sim, Caros Amigos tem um quadro delicioso. É o seguinte.
Um dos caras precisa achar um motivo para sair de casa à noite para se encontrar com a turma. Mas a mulher, italiana feroz, não estava mais aguentando a ausência sistemática do marido e todas as desculpas já tinham sido usadas. Daí que ele tem uma ideia genial.
Vai até a floricultura e manda entregar na própria casa uma enorme corbeille, sem nenhum tipo de identificação do remetente. Lá pelas sete da noite, ele, já sentadinho diante da TV, lendo o jornal, chega a encomenda. Flores? Para quem? Quem mandou? Como?!
O marido finge que chegou à conclusão que está sendo traído. Ninguém manda flores para casa de alguém por nada. E mais: o anonimato é uma prova do crime hediondo. E, completamente revoltado, sai de casa, gritando a dor da descoberta de que tinha uma cortesã, uma doidivanas, uma falsa, maculando seu lar. A mulher, aparvalhada, sem entender nem o que significavam as flores nem o destempero do marido, ainda encontra forças para perguntar, no hall dos elevadores: “Para onde você vai?” E ele responde com uma frase digna de entrar para a história do cinema e da literatura: “Vou para onde os cornos vão… ao bar!”
E, assim, pode beber até de madrugada. Dia seguinte, grandioso, perdoa a mulher, dando-lhe o benefício da dúvida. O problema, como de todo criminoso, é que não consegue parar naquele único golpe bem dado. E passa a enviar flores sistematicamente, utilizando o mesmo artifício do ciúme, do desespero e da busca aos ombros amigos dos companheiros de botequim. Como termina? Calma.
Acontece que a mulher trabalha no caixa de um restaurante, frequentado por um moço muito tímido, muito quieto, bonito, de olhos tristes, mãos de pianista… E ela imagina que só poderia ser ele que, incapaz de uma abordagem mais direta, utilizava deste expediente para lhe declarar amor..
Mais curiosa do que tentada, vai conversando com o rapaz, só para (isso no começo) ficar sabendo se seria ele o remetente das flores. E aos poucos. Pois é, aos poucos.
Ou seja: o tempo acabou mostrando que, de uma forma ou de outra, o marido tinha razão de frequentar o lugar onde os cornos se encontram.
Também é do filme uma frase que não quer dizer nada, mas que os personagens usam para enrolar, assim como muito político brasileiro que fala, fala e não diz rigorosamente coisa alguma.
Quem viu o filme se lembra: “Tarapia tapioco, Che avverto la supergazzola come se fosse antani. La barela anche per due com lo scapellamento a sinistra” Você me pergunta: “Como?” E eu respondo: pazienza. A destra”. Capicce?
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)
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