O clichê “crise é oportunidade” prova sua inabalável consistência quando um dos investidores mais perspicazes do mundo segue acreditando nele. Sir Martin Sorrell, CEO do grupo WPP, afirma que nunca investiu tanto por aqui. Semana passada, quando esteve no Rio para a abertura dos Jogos Olímpicos, Sorrell conversou com o PROPMARK. Confira abaixo e na página ao lado, os principais trechos da entrevista.
Eventos Live
A Olimpíada, a Copa do Mundo e a F-1 (Sorrell pertence ao board mundial da categoria de automobilismo) são exemplos de eventos ao vivo tão poderosos no cenário global que podem melhorar a percepção de posicionamento de um país. Se eu fosse presidente ou primeiro-ministro de um país, com desejo de desenvolver a marca, a personalidade e o reconhecimento, com certeza pensaria nesses eventos como os únicos com poder de engajar as massas de maneira eficiente. É claro que, como ocorre com produtos, você só consegue vender um mau produto uma vez.
Olimpíada no Brasil
Há pessoas que questionam se a ideia da Olimpíada no Brasil foi boa, questionam o legado, o benefício. Mas acredito que os Jogos serão de enorme sucesso, e a força na experiência televisiva – que, no fim das contas, é a grande mídia – vai ampliar e melhorar a percepção do Brasil não só na América Latina, mas no mundo. Naturalmente há desafios. Quando o Brasil ganhou a disputa, a situação era bem diferente – falamos de cerca de sete anos atrás. E a chave de eventos como esse é o legado. Principalmente para conseguir que a opinião pública apoie, o foco tem de ser o legado. Do ponto de vista de infraestrutura, é claro que há benefícios. O que a Olimpíada faz, ou a Copa, é estimular os investimentos em infraestrutura – trilhos de trem, aeroportos, portos, estradas…
Ressaca Olímpica
Se voltarmos a Barcelona em 1992, houve uma ressaca. Houve uma recessão e uma retração na Espanha. Eu diria que vai levar uns dois ou três anos para a economia brasileira se recuperar. Temos visto uma queda nos últimos dois anos no Brasil, temos visto empreendedores vendendo seus negócios. Pessoas que tinham uma tremenda confiança em seus negócios. Percebemos isso há cerca de 18 meses a dois anos, quando o real começou a enfraquecer e os investimentos começaram a ser feitos em imóveis em lugares como a Florida (EUA). Não é algo que se vê na China ou na Rússia – pessoas diversificando investimentos porque estão preocupadas com o próprio país.
Investimentos
Diante da descrença do próprio brasileiro na economia, nós, por outro lado, realizamos investimentos. Compramos o Ibope, a Máquina da Notícia, cerca de cinco empresas no Brasil nos últimos dois anos. Porque, sinceramente, vejo a crise como uma oportunidade. Este é um país de 200 milhões de pessoas, e a maioria dos negócios foca na região costeira. Empresas como Visa e Coca-Cola querem crescer. Ambos disseram que a América Latina é o caminho. E para nós também. Não é o caminho mais rápido, é um deles. Brasil é número um. Do nosso faturamento de US$ 1,6 bilhão, metade é no Brasil. O segundo mercado é a Argentina, onde temos grandes investimentos. Depois México, Colômbia, Chile e Peru. O prognóstico para o Brasil é muito bom. Mas serão dois ou três anos difíceis. Investimos porque olhamos para o mercado no longo prazo. Estamos mais dispostos a investir hoje do que jamais estivemos. O Brasil ficou mais barato e atraente para investir.
Onde investir
O grupo investe em propaganda, mídia, data (Ibope), PR e public identity, comunicação de healthcare (área menos desenvolvida por aqui do que deveria) e digital, no qual nosso interesse é muito grande.
Propaganda e agências
Sempre que uma indústria não vai bem, há oportunidades de consolidação. Veja Nizan Guanaes, que tinha provavelmente o negócio local mais famoso, e o vendeu de volta para a Omnicom. Essa transação e a nossa compra do Ibope talvez tenham sido os dois maiores negócios do mercado nos últimos tempos. Quando olho para o nosso negócio e nossos 20 bilhões de libras de receita, 5 bilhões vêm de mídia, 5 bilhões vêm de data, 6 bilhões de digital. Isso significa que 80% vêm de coisas que Don Draper (personagem principal da série Mad Men, que se passa nos anos 1960) não reconheceria. Não podemos mais pensar agências como elas foram há 20 anos. As que permanecerem nesse modelo se tornarão dinossauros. Porque tudo está mudando. E os dinossauros estão ignorando que 27%, 28% do mercado é digital, e isso rapidamente se tornará 40%, 45%.
Digital
Ver o digital como uma ameaça depende de como você define o seu negócio: o famoso professor do mundo dos negócios Theodore Levitt provocou as empresas a pensarem sobre o seu verdadeiro negócio usando o exemplo dos fabricantes de chicotes que sobreviveram à transição das carruagens para carros porque souberam identificar qual era o seu negócio, e passaram a fornecer chicotes para equitação. Enquanto os fabricantes de carruagens e peças não entenderam que seu negócio era transporte. No caso do digital, se você está em propaganda, precisa sair da era Mad Men, quando Don Draper acreditava estar no negócio da propaganda e não da comunicação. Digital é comunicação. Não é um substituto para comerciais de 30 segundos. É adjacente. Nosso faturamento em 31 anos só caiu três vezes, em épocas de recessão: em 91/92, 2001 e depois 2009. Nos demais anos, só cresceu. E a razão é que pensamos nosso negócio de serviços de comunicação não como comerciais de TV de 30 segundos. Hoje 41% do nosso negócio é digital – de acordo com a nossa visão do que é digital. No mercado em geral, essa proporção é de 27%. Na América Latina é mais baixo, talvez 15% a 20%. Temos a F.biz, por exemplo, totalmente digital. Nessa área, a Y&R/Newcomm está indo bem, como a Ogilvy, a JWT, a Grey. Todos vão bem na área. E mesmo as empresas de PR têm diversificado.
TV
No Brasil, a força da TV é dominante e enorme, mas o que é interessante a respeito de mercados com grande força na TV é que a imensa penetração do vídeo via YouTube e Facebook. O uso de vídeo é muito forte, as pessoas estão habituadas a ver TV, é um salto muito fácil para o uso de smartphones.
Diversidade de Gêneros
Se as mulheres são metade da população, deveriam ser metade dos funcionários de uma empresa. Temos 194 mil pessoas em 113 países. Mais da metade são mulheres no nível júnior; na média gerência, é metade; e, no nível sênior, é um terço. Deveria ser meio a meio. Reconhecendo a igualidade de gêneros, se não damos às mulheres as mesmas oportunidades, há desvantagem. Há pesquisas que comprovam que empresas com mais mulheres lucram mais. Esses incidentes que vimos recentemente – envolvendo Kevin Roberts (Saatchi & Saatchi) e Gustavo Martinez (JWT) – não são isolados. Há muitos incidentes para provar a teoria de que este é um problema. Quanto a Gustavo Martinez, nada foi provado no tribunal, apenas no “tribunal da opinião pública”. Veremos o que vai ocorrer no tribunal propriamente dito. Mas onde há fumaça, há fogo. E claramente nossa indústria não possui equilíbrio suficiente.
Desafios
Começamos com duas pessoas em uma sala há 31 anos. A capitalização do mercado era 1 milhão de libras. Hoje somos uma empresa de 20 bilhões de libras, com 194 mil pessoas em 113 países. Abrimos em Mianmar, no Vietnã, no Irã (não podemos investir ainda) e em Cuba. O negócio é interessante do ponto de vista geográfico, do ponto de vista tecnológico, temos grandes clientes sendo desafiados e enfrentando a disrupção de seus negócios, budgets a custo zero, investidores ativistas. Os desafios vêm de mudanças nos hábitos de consumo de mídia: Google, Snapchat, Twitter e por aí vai. Há mudanças no e-commerce: Ali Baba, Amazon, Apple. Há mudanças em como se compra e compartilha, como o AirBnB e o Uber. Hoje pode-se imprimir em 3D um carro em tamanho real – com exceção dos pneus e dos bancos. Em 11 horas! Eu vi isso acontecer. Eu não diria que estamos vivendo o momento mais emocionante da história, mas o mais desafiador, sem dúvidas. Desafiador devido a evoluções emocionantes. A maioria das pessoas tem empresas com legado, e estão competindo com empresas com outros critérios de crescimento e vendas, margens, lucro operacional e fluxo de caixa. Como o Dollar Shave Club, comprado pela Unilever por US$ 1 bilhão. A empresa não era nem lucrativa. Hoje competimos contra empresas assim.
Bolha
Receio que venhamos a conferências como essa (Beyond the Games Global Summit) e falemos para nós mesmos. Não saímos. Ontem estive em Nova Iguaçu, uma realidade muito diferente da área que estive hoje cedo, a Barra. É um grande contraste. Isso é muito sério. Não é o que acreditamos que faz a diferença. É a percepção. E a percepção é de que as mudanças na tecnologia resultarão na redução de empregos. Donald Trump ganha força porque os desempregados da indústria automobilística em Detroit acreditam que o crescimento da indústria de automóveis chinesa é responsável por sua demissão. Salários estagnados, oportunidades de emprego em queda. E sem emprego, as oportunidades em educação e saúde se complicam. É muito perigoso – e vimos isso com o Brexit. Achávamos que estava tudo bem. Mas não estava. Quando saímos de Londres observamos o que estava realmente acontecendo. Lembro que o editor do Financial Times, Lionel Barber, convocou os seus correspondentes internacionais para voltar à Inglaterra para a votação do Brexit, e eles foram para os lugares mais diversos: Escócia, Whales, e todos voltaram com matérias que deixavam bem claro que os votos seriam pela separação.
Brexit
Se avaliarmos os dados sobre a economia inglesa pós-Brexit, estão piores do que os dados da economia brasileira. As pessoas estão prevendo que o Reino Unido entrará numa recessão no ano que vem. Por isso eu digo que quem tem telhado de vidro não deveria atirar pedras.
Aposentadoria
Meu amigo historiador Simon Schama respondeu à pergunta sobre sucessão dizendo que eu e ele temos a mesma visão a respeito do tema e ela se chama morte! Penso em sucessão continuamente, mas isso depende de outras pessoas e não de mim. Enquanto os meus braços e pernas funcionarem, continuarei trabalhando. E vindo ao Rio para a Olimpíada. Vim para a abertura e virei também para o encerramento.