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O secretário de estado é meu amigo e marcou uma reunião em seu gabinete, que fica num prédio decadente no centro da cidade, a quatro quarteirões de meu escritório. Conheço o bem prédio e o caminho, já que em diversas ocasiões tive clientes no endereço, por isso não me preocupei em anotar o andar, imaginando que num edifício público achar um gabinete de secretário não seria uma tarefa complicada.

Num sol de rachar catedrais, como diria um carioca ilustre, avô de outro amigo, Nelson Rodrigues, vou andando cuidadosamente entre buracos e pedras portuguesas soltas. Levo na mão um celular bem velho para entregar a um eventual assaltante. A paisagem é deslumbrante, formada por alguns dos mais belos edifícios do país: o Theatro Municipal, a Biblioteca Nacional, o Palácio da Justiça, o Museu de Belas Artes, a Câmara Municipal, o Clube Naval. Ao longe é possível se ver ainda o prédio do Cine Odeon, o Obelisco e o Passeio Público.

A caminhada seria uma delícia, não fossem os camelôs, o calor e os buracos. Mas os prédios dos quais já falei, as moças para as quais olho – ah as moças do Rio no verão! – e as turistas encantadas com a cidade e o calor, tornam tudo muito alegre, muito colorido, muito sonoro. Noto que daqui a pouco, na Praça Floriano, haverá uma manifestação espontânea do povo, pois os ônibus alugados e os carros de som já estão chegando, juntamente com os fornecedores de lanches e as picapes trazendo bandeiras, camisetas e outras alegorias de mão. Grupos treinam as palavras de ordem.

Driblo uma obra e chego. Eis o prédio. Sujo, maltratado, decadente. Uma repartição pública. Na entrada, um balcão de madeira e paredes repletas de avisos, conclamações a greves e a sempre presente reprodução de um artigo de lei determinando que desrespeito ao funcionário público é crime. Atrás do balcão seis funcionários conversam, lixam unhas ou consultam o celular. O que fazem essas pessoas, as seis? Prestam informações. Vou até a primeira funcionária da fileira de cadeiras. Secretário? Gabinete? Não sei não. Vira-se para os outros cinco e repete a pergunta. Quem se digna a responder o faz com um balançar de cabeça. Ninguém sabe.

Tudo bem, dirijo-me aos elevadores. Quando um deles chega, noto que metade de sua área está ocupada por uma poltrona rasgada e nela, meio dormitando, um operador se encarrega da sofisticada missão de apertar o botão correspondente ao andar que cada um deseja ir. Pergunto pelo gabinete do senhor secretário. Melhor seria se eu tivesse perguntado o que ele achava do resultado das eleições gerais na Finlândia. Graças a Deus, uma senhorinha, que entrara comigo, sabia onde era. E canta para o servidor público o número correspondente.

Subimos, sonolentos. Elevador e ascensorista. Afinal, são cinco da tarde, o dia está acabando e faz calor. Na antessala do senhor secretário, outro balcão. Atrás dele quatro pessoas conversam, olham no celular ou simplesmente refletem sobre a finitude da vida. Há um sofá branco, muito sujo, onde um cidadão dorme sentado, e várias pessoas em pé, conversando. Ninguém sabe se o senhor secretário “se encontra”. Como sou meio VIP me conduzem para outra sala onde existe uma pequena mesa redonda de reunião e duas mesas de escritório, cada uma pilotada por uma secretária.

Assisto à despedida de uma delas, saindo apressada pois “essa hora o metrô é terrível”. Descubro a relatividade de minha condição de VIP, pois junto comigo estão mais meia dúzia de outras celebridades. Tão desconhecidas como eu. Ninguém sabe onde anda o senhor secretário. Meu horário era cinco da tarde, mas uma delegação do interior revela que estava lá desde as duas. Servem café, água.

O calor é insuportável (não pagaram a manutenção do ar) e o ventilador nada mais faz do que espalhar vento quente e os papéis das mesas. Alguns são folhetos mostrando que maravilha é viver neste lugar onde tudo funciona. Fotos de banco de imagem com famílias tipicamente americanas, incluindo os negros, sugerem escolas, hospitais e estradas que só existem no papel. E ainda completam, numa modéstia encantadora: “ainda falta muito o que fazer, mas já foi feito muito”.

Leio, para passar o tempo, uma reportagem sobre o deslumbrante padrão da educação, saúde, segurança e lazer do estado onde tenho o privilégio de viver. Ao longe a charanga encarregada de fazer a trilha sonora da manifestação espontânea do povo ensaia Cidade Maravilhosa.