Outro dia um grande amigo me pediu para ajudá-lo a fazer uma cápsula do tempo. Sempre achei cápsulas do tempo um conceito fascinante. Encorajo todos a fazê-las em algum momento da vida. Guardar objetos significativos para mim hoje e revisitá-los apenas daqui 15, 20, 40 anos. O que foi, o que é, o que poderá ser.

Divulgação

A Mafê, filha desse meu amigo, logo mais chega ao mundo e ele quer dividir com ela, quando for a hora certa, um pouco da época em que nasceu. Uma foto deles hoje, a chave da casa onde viviam, o filme que marcou o ano, quem sabe um pen drive com áudios dos latidos do cachorro e a voz do casal ralhando com ele. Daqui 20 anos suas vozes certamente serão outras, assim como os meios de pagamento – cartões de crédito já não existirão mais. Por isso valem estar ali, junto com a garrafa de cerveja artesanal que beberam na noite anterior, um vídeo gravado no celular e, finalmente, o tal aparelho celular. O eletrônico que mudou toda a forma de se relacionar. Será que em 2036 esses objetos serão meras fichas telefônicas? Lembram-se delas?

Celulares serão piadas nas bocas dos jovens. Acreditem ou não, há 20 anos, em 1996, enquanto eu ainda estava rabiscando algum desenho no colegial, em um set de filmagem profissional algum indivíduo da produção estava com um saco cheio de fichas telefônicas em frente a um orelhão da Telesp fazendo diversas ligações. Inacreditável, não?

Desde que o ser humano com seu polegar opositor e telencéfalo altamente desenvolvido estoca algum tipo de alimento ou objeto, o questionamento sobre passado, presente e futuro mora nos cérebros mais inquietos e sonhadores. Isso me fascina. As pessoas, os sonhos e o futuro. As incontáveis cápsulas do tempo ainda vazias e por vir. Dos anos em que vivi em Stanford, lembro-me vividamente dos dizeres escritos na pedra fundamental de sua Business School: “Dedicado às coisas que ainda não aconteceram e às pessoas que estão por sonhá-las”. Esforço-me para lembrar essa mensagem sempre.

Divulgação

Claro que me surpreendo com a tecnologia que avança e com as marcas disruptivas que viram tudo do avesso. Mas não me impressionam tanto os “o que” e sim os “quem” e os “como”. Eu tenho essa mania de admirar as pessoas, acreditar em seus sonhos e no potencial de transformação quando estão unidas por um objetivo comum. Foram esses braços trabalhadores, pernas firmes e olhares sonhadores que nos trouxeram até aqui no presente.

E que presente, que época! Pra mim é o momento do papel em branco. Nunca tivemos tanta informação circulando, tanto engajamento e tantas gerações convivendo juntas. Que cápsula mais diversa teríamos hoje? É economia compartilhada? Revolução das redes sociais? Makers economy? Big datas?

Empoderamento feminino? Volta ao artesanal? Enfim, o que nos reservará a tal cápsula de 2036 então?

Bom, o papel em branco ainda não pode nos responder. É exatamente para essa folha cheia de espaço que aqueles que farão o impensado, que inventarão o inimaginável e escreverão novas palavras estão olhando neste exato momento. Por isso continuo todo dia tirando o papel em branco da gaveta. Sonho? Prefiro acreditar que a cápsula do tempo da Mafê é tão diferente daquela de 96, que as dos próximos 20 anos têm possibilidades infinitas, surpreendentes e estão no papel à frente daqueles que ousarem tirá-lo da gaveta.

Sonhe os seus. Eu continuo sonhando os meus e torcendo firmemente para que eles se cruzem para enchermos juntos uma próxima cápsula do tempo. Afinal cápsulas do tempo, assim como fichas telefônicas, são simplesmente fascinantes.

Daniel Caselli é diretor de cena da Shinjitsu Filmes