“A publicidade no formato que conhecemos está com os dias contados”. Esta afirmação foi feita nesta semana durante o Gump, evento realizado em São Paulo para falar sobre o uso de storytelling e branded content. O autor do pensamento é o storyteller Joni Galvão, líder da The Plot Company, que pode parecer ousado, mas não está sozinho. Há uma corrente grande de profissionais que acredita que o empoderamento do consumidor, proporcionado pelas novas tecnologias, está obrigando a publicidade a se reinventar ou, talvez, resgatar a própria origem. No último festival de Cannes, uma das apresentações que gerou mais debate foi a do CCO da DDB Woldwide, Amir Kassaei, que deu uma “bronca” no mercado ao dizer que a propaganda está perdendo a relevância e se descolando da realidade.
Na ocasião, Kassaei estampou no telão um anúncio clássico do fundador da DDB, um manifesto publicado pela Doyle Dane Bernbach Inc. nos anos 60 que propunha que se resgatasse o sentido da propaganda. “Temos o poder e a capacidade de enganar as pessoas. Ou achamos que temos. Mas estamos errados. O que colocamos nas páginas em branco e nas telas das TVs precisa ser verdadeiro. Porque, se jogarmos com a verdade, morreremos. E contar a verdade de um produto depende da relevância de sua verdade. Infelizmente, nem todos a possuem. Se brincarmos com isso, também morremos. Porque nenhum jumento corre atrás da cenoura para sempre. Ele consegue pegá-la, ou desiste. É essa a lição a aprender. Se não aprendermos, morreremos. Morreremos no mercado, nas prateleiras, nas embalagens reluzentes e promessas vazias”, provocava o anúncio de cinco décadas atrás que parece ser tão atual como os insights lançados no Gump desta semana de outubro de 2015.
É justamente esse conceito de “verdade” que tem conduzido publicitários e profissionais da comunicação a buscarem novas – ou velhas – ferramentas do marketing para empurrar uma evolução da propaganda. Duas delas são exatamente o branded content e o storytelling. Mas o quão novo essas ferramentas realmente são? O clássico “meu primeiro sutiã”, de Washington Olivetto, é um exemplo de que a publicidade e o tal storytelling sempre foram aliados.
https://youtube.com/watch?v=0HxMI5rmipQ
Em relação ao branded content, o histórico Repórter Esso, noticiário de rádio que data da década de 40, também não pode ser considerado um case de sucesso nessa disciplina?
“Acredito que o mundo se move como um pêndulo. Em alguns momentos vai demais para um lado, como está acontecendo agora com a publicidade buscando a tecnologia, mas depois acaba voltando para se reequilibrar. É um movimento meio que natural”, disse Marc Brodhun, head de estratégia da New Content, agência especializada em construir conteúdo para as marcas. “Toda marca precisa ter um ponto original sobre o mundo e ter um propósito prático na vida das pessoas, que estão cansadas de mensagens embaladas”, disse o publicitário.
Especialização
Segundo Brodhun, ainda existe uma grande confusão sobre o que é branded content e o valor que o conteúdo tem dentro das estratégias de marca das empresas. “Isso é característica de um mercado ainda imaturo, principalmente se avaliarmos o Brasil”, opina. Ele analisa inclusive o anúncio recente do Cannes Lions, que no ano que vem terá um festival paralelo de entretenimento para analisar trabalhos de branded content. “Isso mostra que não dá mais para tratar tudo como a mesma coisa, pois há uma tendência da especialização do branded content. A disciplina está ganhando força”.
O head de estratégia da New Content explica que, apesar de ser uma solução de marketing assim como é a propaganda, há questões técnicas que de fato separam o branded content da publicidade. “Tecnicamente, o que separa um e outro é uma questão de competência. Tem agências fazendo branded content de qualidade, como mostram os cases “últimos desejos da Kombi” (da AlmapBBDO para a Volkswagen) e “Eduardo e Mônica” (da Africa para a Vivo), mas essas criações ainda estão muito ligadas a uma lógica de conteúdo apenas para entretenimento. Há pouco conteúdo de utilidade, perene no sentido de tornar uma marca em referência dentro de um determinado assunto”, diz.
https://youtube.com/watch?v=FPNfZoqJu9c
Para Brodhun, o conteúdo requer uma competência que muitas vezes a publicidade não tem, que é o entendimento muito claro das estratégias de negócios do cliente. “Quem produz conteúdo fala muito mais em nome do cliente do que quem faz um filme de 30 segundos ou um anúncio de revista. A competência para escrever 200 páginas mensais em nome da TAM, por exemplo, é uma coisa. Para fazer a propaganda é outra. Nossa equipe é dividida entre criativos com uma pegada mais publicitária e jornalistas com uma pegada mais editorial. O nosso desafio é justamente chegar ao meio termo entre jornalismo e publicidade”, conclui.
Storytelling
A outra ferramenta discutida no Gump também foi colocada com profundidade no contexto atual do mercado publicitário. Bruno Scartozzoni, curador do evento organizado pela empresa Share e consultor do tema após mais de 10 anos de experiência trabalhando em agências on e off-line e criando histórias para clientes como Ambev, Nokia e Nestlé, menciona que não há diferença entre o storytelling e o roteiro. “É que por algum motivo os brasileiros gostam de usar termos em inglês”, brinca. “Mas a questão interessante é que as agências de publicidade se interessam pelo tema, mas nem todas sabem fazer. Muitas tentam fazer alguma coisa e, quando não sai do jeito certo, acabam procurando gente que tem se especializado mais no assunto, seja uma empresa de storytelling ou mesmo um profissional sozinho”.
De acordo com Scartozzoni, que reconhece o bom uso da ferramenta em propagandas antigas muito antes de o termo storytelling virar moda, o que está acontecendo agora é a busca por uma utilização mais estruturada. “Obviamente que já existia, mas dependia da genialidade de uma ou outra pessoa junto com um pouco de sorte. O que tem acontecido de alguns anos pra cá é que o mercado tem olhado para isso de uma forma mais estruturada. Tem tentado aprender e assimilar as técnicas, tentado olhar para uma outra indústria, que é a do entretenimento, e ver o que é possível tirar dali”, observa.
Medo
Considerando que praticamente todas as histórias de sucesso da indústria do entretenimento contam ao menos com um protagonista e um antagonista, na fábula do storytelling também existe um vilão. “O medo. Medo da agência errar com o cliente, medo do profissional perder o emprego. Medo do executivo que toma as decisões dentro da empresa de não obter o lucro esperado”, associa Scartozzoni.
Outros participantes do Gump também abordaram o obstáculo. Para Martha Torenzzo, diretora da Inova 360º, empresa de inovação e negócios, existe desconhecimento por parte dos clientes e as corporações estão muito perdidas nos objetivos de curto prazo, o que dificulta a elaboração de grandes trabalhos na área. “A pressão por resultados nos deixa menos criativos”, diz. “No entanto, quem souber usar melhor essas ferramentas de comunicação, ganhará no médio prazo”, acrescenta.
O roteirista Newton Cannito foi ainda mais claro. “Não aparecem tantos cases legais como a gente gostaria porque ficamos todos com medo. Se o chefe não mandar fazer algo novo, os profissionais acabam não fazendo mesmo”.
Cases
Entre os cases recentes de sucesso que utilizam bem as técnicas do storytelling está a campanha “Cordiforme”, do Shopping 3, de Cuiabá, no Mato Grosso. “Prova que tem gente de coragem ao redor do Brasil mostrando que é possível fazer”, diz Scartozzoni.
Entre os que ganharam mais destaque nacionalmente, destaque para “Exagerado”, da Africa para a Vivo, repetindo a dobradinha entre agência e cliente da elogiada “Eduardo e Mônica”. O vídeo teve mais de 32 milhões de visualizações no Youtube.
https://youtube.com/watch?v=h8LAwijeYh8
Eduardo e Mônica, da Africa para a Vivo
https://youtube.com/watch?v=kCNFMYe7mcU